Data de publicação
2009
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Fumo em português do Brasil. Planta da família da solanáceas, cujas espécies mais comuns são a Nicotiana tabacum e a Nicotiana rustica, que crescia espontânea em quase todo o continente americano, à data da chegada dos Europeus, e era já objecto de cultivo por parte de alguns povos ameríndios. O consumo de tabaco cobria também a maioria do território americano, sobretudo a fachada atlântica, do Sul do Canadá às pampas argentinas.

O contacto dos europeus com a "nova" planta coincidiu com a chegada ao Novo Mundo. Logo em 1492, Cristóvão Colombo pôde testemunhar a particular estima que os índios tinham por certas "folhas secas odoríferas" e membros da sua tripulação notaram que "muitos índios transportavam nas mãos um tição aceso" (os primeiros charutos). Futuras expedições, quer de espanhóis quer de portugueses, puderam identificar melhor a planta e as formas de a consumir.

Os índios do Brasil, além de usarem o tabaco em funções mágico-religiosas, atribuíam-lhe propriedades terapêuticas e energéticas, considerando-o capaz de curar muitas doenças e de combater a fome e a sede. Mas podiam também consumi-lo com carácter exclusivamente recreativo.

Não foi imediato o «contágio» tabagista entre os colonos do Brasil, apesar da indisfarçável curiosidade destes. À parte casos pontuais, só depois da instalação do Governo-Geral (1548), com o aumento do número de portugueses no terreno e a maior frequência nas relações com os índios, o consumo do fumo de tabaco parece ter entrado nos hábitos da população de origem europeia, atraída, sobretudo, pelas supostas capacidades medicinais da planta. Em 1555, já fumavam não só alguns «homens baixos», mas também indivíduos socialmente bem colocados, como o donatário da capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho.

Nos primeiros tempos, os colonos abasteciam-se através da compra aos Índios; passou-se depois a uma fase de horticultura; atingiu-se, por fim, quando já se sente a pressão do mercado europeu, a produção para exportação, ganhando então particular importância o Recôncavo da Baía, em particular os campos da Cachoeira. Dessa forma, o tabaco torna-se, no início do século XVII, o segundo produto brasileiro de exportação, depois do açúcar.

De acordo com Damião de Góis, a planta do tabaco teria sido trazida para Portugal por Luís de Góis, em data que, segundo Serafim Leite, mediaria entre 1535 e 1542. Não é, no entanto, improvável que, já antes disso, algum viajante anónimo tivesse trazido do Brasil folhas de tabaco ou mesmo algumas sementes.

Introduzida como planta medicinal (era conhecida então como "erva-santa"), foi esse o principal factor da rápida generalização e da aceitação social do seu consumo. Durante mais de um século, as funções terapêuticas do tabaco tornaram-se inquestionáveis. As formas de consumo eram muito diversificadas mas será em pó, aspirado pelo nariz, a sua utilização mais comum. Aliás, em Portugal, ao contrário do que aconteceu noutros países da Europa, o uso do cachimbo e do fumo em geral será, até ao final do século XVIII, socialmente desprestigiante.

A aceitação do tabaco como erva medicinal estimulou a divulgação do seu cultivo. Em muitos hortos e quintais de todo o País, passou a florescer a nova planta americana. Jean Nicot, embaixador francês em Lisboa entre 1559 e 1561, tendo visto a planta do tabaco nos jardins de Lisboa, enviou-a, em 1560, à rainha-mãe e regente Catarina de Médicis, que sofria de violentas enxaquecas.

A partir do início do século XVII, porém, dão-se alterações significativas na principal função do tabaco, o qual deixa de ser visto predominantemente como remédio para se tornar hábito social e vício individual de grupos numericamente expressivos da sociedade portuguesa.

Quantificar consumos e consumidores é praticamente impossível, mas, ao terminar o século XVII, um parecer oficial avaliava em um milhão, excluindo os arquipélagos da Madeira e dos Açores, o número de tabagistas, o que correspondia, para um efectivo demográfico de cerca de dois milhões de habitantes, praticamente à totalidade da população adulta. A mesma fonte calculava o consumo médio em três arráteis por ano (=1,380 kg), mas podendo ir até sete ou oito arráteis. Esses números ultrapassam os que se conhecem, na mesma época, para a importação de tabaco brasileiro, a qual cresceu, no entanto, de cerca de 21 000 arrobas no fim do século XVII para quase o dobro em meados do século seguinte e estava próxima das 90 000 arrobas no final de Setecentos. Trata-se, ainda assim, de números oficiais que não têm em conta o contrabando e a produção local (que era ilegal) de tabaco.

Quando o consumo do tabaco começou a tornar-se prática generalizada em Portugal, o Estado estabeleceu o regime de monopólio da venda, que a Fazenda Real passou, conforme os períodos, a explorar directamente ou a arrendar a particulares. Tratava-se do lucrativo e sempre polémico Contrato do Tabaco que, com curtíssimos intervalos de liberalização da venda, vigorou entre 1636 e 1865. Paralelamente, será criado um tribunal próprio para gerir todos os aspectos do negócio do tabaco (a Junta de Administração do Tabaco, fundada em 1674) e uma Fábrica do Tabaco, com sede em Lisboa, mas, mais tarde, também com instalações no Porto, na Madeira e nos Açores, sob controlo directo dos contratadores.

Os rendimentos fiscais provenientes do tabaco eram muito elevados correspondendo, em 1716, a cerca de 20% das receitas régias (mais do dobro dos quintos do ouro do Brasil) e continuando, em 1730, a ultrapassar largamente todos os outros proventos da coroa em território brasileiro. Nesse mesmo ano, só o arrendamento do contrato do tabaco rendia ao Estado 1 700 000 cruzados anuais e, em 1708, fora arrematado, embora em condições duvidosas de cobrança, por 2 200 000 cruzados. O sistema de monopólio de venda de tabaco exigiu a instalação de uma das maiores máquinas repressivas que alguma vez funcionaram em Portugal, como o volume da legislação produzida bem atesta. Tratava-se, ao fim e ao cabo, de impor o exclusivo de venda do tabaco brasileiro (exclusivo que se manterá, em termos absolutos, até 1792), não permitindo nem a produção nem o consumo de qualquer outro em Portugal.

Os povos ibéricos tiveram um papel fundamental na divulgação mundial do tabaco, pois só eles conheciam suficientemente bem, nos séculos XVI e XVII, a botânica e a farmacopeia da planta, bem como as respectivas técnicas de cultivo e de transformação. Na África subsariana foram os Portugueses que introduziram o consumo do tabaco, tendo-se tornado, no século XVIII, o tabaco brasileiro "de terceira qualidade" uma das principais mercadorias utilizadas na compra de escravos na costa africana.

A divulgação do uso e da agricultura do tabaco nas margens do Oceano Índico e no Extremo-Oriente teve dois pólos principais: o da costa ocidental da Índia (através dos Portugueses) e o do arquipélago das Filipinas (por intermédio dos Espanhóis). No subcontinente indiano, o uso do fumo já era corrente em finais do século XVI. No Japão, a primeira notícia sobre o comércio de folhas de tabaco remonta a 1578-1579 e o consumo da planta já se instalara na China no primeiro quartel do século XVII.

Bibliografia:
CALDEIRA, Arlindo Manuel, «O tabaco brasileiro em Portugal: divulgação e formas de consumo durante o Antigo Regime», in Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários. Congresso Luso-Brasileiro. Actas, vol I, Lisboa, G.T.M.E.C.D.P., 2000, pp. 567-586. Idem, "A divulgação do tabaco brasileiro na China. A miragem de um mercado", Revista de Cultura, Edição Internacional, R.A.E. de Macau, nº 21, Janeiro 2007, pp. 64-81. NARDI, Jean Baptiste, O fumo brasileiro no período colonial. Lavoura, Comércio e Administração, São Paulo, Brasiliense, 1996.