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2009
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Capela de S. Francisco Xavier da igreja do Bom Jesus, Goa

O túmulo de S. Francisco Xavier, localizado na capela da sua invocação, na igreja do Bom Jesus de Goa assume-se como uma obra, a vários títulos, excepcional. Integrado no camarim de uma imponente estrutura retabular, o túmulo propriamente dito, é constituído por várias componentes, destacando-se desde logo a arca feral, paralelipipédica e de tampa escalonada, em prata, de fabrico goês, e o aparato escultórico concebido em momento posterior, em mármore e bronze e de origem italiana.

Quando Francisco Xavier morreu, a 3 de Dezembro de 1552, o seu corpo foi enterrado num caixão de madeira de acordo com as práticas chinesas, por acção do seu amigo António de Santa Fé, tendo desde logo sido colocadas duas camadas de cal (a fim de acelerar o processo de corrupção dos restos mortais), de molde a poder transportar-se com brevidade as ossadas para outro local. Com efeito, dois meses e meio mais tarde, os restos mortais de Francisco Xavier foram transportados para Malaca. Aí foram de novo enterrados (desta feita sem o caixão), sendo o rosto coberto, como era prática local. Já no mês de Dezembro de 1553, os restos mortais foram então transportados para Goa, pelo Padre Manuel de Távora, onde foram recebidos com grande solenidade, na presença do arcebispo e do vice-rei, no dia 15 de Março de 1554. As cerimónias das exéquias fúnebres tiveram então lugar na igreja do colégio de S. Paulo, onde o corpo de S. Francisco Xavier ficou passando, mais tarde, para o terceiro andar (sobre a portaria) da Casa Professa do Bom Jesus. Quando, em 1623, chegou a Goa a notícia da canonização de S. Francisco Xavier (que ocorrera em Roma no ano anterior), deliberou-se transportar o corpo do santo para a capela de S. Francisco de Borja (no transepto, do lado do Evangelho), na igreja do Bom Jesus, o que, em solene procissão, se verificou em 1624, ficando, desde então, exposto à veneração dos fiéis. Já então os restos mortais de S. Francisco Xavier se encontravam no interior de um caixão de prata, acerca do qual nada de muito concreto se sabe mas presume-se que seria bastante simples. Só a 2 de Dezembro de 1637 foi transferido o corpo do santo para a arca de prata que ainda na actualidade se pode observar, a qual foi realizada por ourives locais entre 1636 e 1637. A arca apresenta-se constituída pelo corpo, paralelipipédico, ostentando decoração dominantemente de carácter arquitectónico e vegetalista e sendo as faces (maiores e menores) ainda animadas pela presença de trinta e duas placas relevadas com cenas alusivas a passos da vida do santo. A tampa, escalonada, apresenta igualmente uma ornamentação constituída por uma gramática arquitectónica e vegetalista, sendo a animação marcada pelas contracurvas das cornucópias que ritmam, pelo efeito de repetição, a decoração horizontalizante do conjunto. Esta horizontalidade só se vê desmentida pelo remate superior da tampa, de cariz mais claramente arquitectónico, exibindo placas relevadas, apresentando-se sobrepujado de cruz e por dois anjos, ostentando um o coração em chamas e outro a legenda latina Satisest Domine, Satis est. A integração das placas, figurando cenas da vida de S. Francisco Xavier, na arca, foi concebida de molde a que as mesmas pudessem ser (regularmente) retiradas, a fim de que a visão do corpo ficasse acessível aos olhos dos fiéis, expondo-se assim, mais claramente à sua veneração. 

No ano de 1659, este túmulo de prata foi transferido da capela de S. Francisco de Borja, onde se encontrava desde 1637, para a capela fronteira, do lado da Epístola, no transepto da mesma igreja do Bom Jesus, a qual passou a ter a invocação de S. Francisco Xavier, procedendo-se, por esta ocasião, à decoração pictórica dos muros e da abóbada com figurações de episódios da vida do santo. 

A segunda componente do túmulo de S. Francisco Xavier, resultou de uma oferta do grão-duque da Toscânia, Cosme III, a quem o Procurador-Geral da Província de Goa, o Padre Francisco Sarmento, havia ofertado um objecto que agradou particularmente ao grão-duque: um pequeno coxim no qual S. Francisco Xavier descansara a sua cabeça durante alguns anos. Assim, no mês de Setembro de 1698, chegou a Goa o monumento e também Placido Francesco Ramponi, artista enviado para coordenar e supervisionar a montagem e assentamento do mesmo. Em Novembro já o monumento se encontrava instalado na capela do santo na igreja do Bom Jesus, passando a funcionar como um monumental e aparatoso embasamento - integrando o altar - para a arca feral de prata previamente existente, a qual foi colocada rematando o conjunto. A obra florentina consiste no que podemos considerar o embasamento (que integra o altar) e ostenta nas suas quatro faces outros tantos relevos brônzeos figurando cenas da vida do santo, sendo que o da face frontal se apresenta encimado por dois anjinhos tenentes de um medalhão marmóreo, sobre o qual se lê a seguinte legenda em bronze: Nox inimica fugat. Sobre esta estrutura eleva-se uma balaustrada marmórea que funciona como guarda da arca de prata. A autoria da obra de escultura, particularmente aquela realizada em bronze, tem sido atribuída ao escultor florentino Giovanni Battista Foggini (1652-1725), escultor notável e particularmente influente no contexto florentino, aquando da introdução e difusão do barroco, porque formador de outros escultores e por ter desenvolvido a sua actividade quase exclusivamente no imediato círculo dos Médicis. Com efeito, Foggini foi, no seguimento de uma estada romana (onde frequentou a oficina de Ercole Ferrata), o responsável maior pela introdução do gosto do barroco romano do seicento no ambiente preferencialmente classicizante de Florença. Essa linguagem actualizada - veiculando valores como a expressão do movimento, a verosimelhança na representação dos diversos materiais, a minúcia da figuração do pormenor decorativo - é bem visível nos anjinhos marmóreos mas também nos relevos brônzeos que animam as faces do embasamento, os quais bem traduzem as capacidades de Foggini ao nível da construção compositiva e da gradação de planos, herdeira igualmente da tradição escultórica renascentista florentina. 

Bibliografia:
AZEVEDO, Carlos de, "Um Artista Italiano em Goa. Plácido Francesco Ramponi e o Túmulo de S. Francisco Xavier", in Garcia de Orta, Lisboa, 1956. Idem, "Pintura e Escultura da Índia Portuguesa", in Panorama, 2ª Série, Nº 13-14, 1955. CALDEIRA, José Carlos, "O Túmulo de S. Francisco Xavier", in Archivo Pittoresco, Vol. II, Lisboa, Castro & Irmão, 1858-1859. DIAS, Pedro, História da Arte Portuguesa no mundo (1415-1822). O Espaço do Índico, Lisboa, Círculo de Leitores, 1998. NAZARÉ, J. M. do Carmo, "Chaves do Cofre que Encerra o Corpo de S. Francisco Xavier em Velha Goa", in O Oriente Português, Vol. V, Bastorá, 1908. PISSURLENCAR, P. S. S., "O Túmulo, o Caixão e o Bastão de S. Francisco Xavier", in Boletim do Instituto Vasco da Gama, Nº 25, Nova Goa, 1935. SANTOS, Reynaldo dos, "A Índia Portuguesa e as Artes Decorativas", in Revista e Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, 2ª Série, Nº 7, Lisboa, 1954. VAZ, F. X., "Caixão e Túmulo de S. Francisco Xavier", in O Heraldo, Nova Goa, 18.06.1913. 

Internet: http: //www.goacom.com/culture/religion/stfrancis/tomb.html

Autoria da imagem
Manuel Magalhães