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2009
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A história de Ponta Delgada tem início formal com a outorga do foro de vila em 1499, mercê esta objecto de posterior confirmação, em 1507. A autonomização do lugar com aquele nome, segundo a crónica de Gaspar Frutuoso, terá ficado a dever-se ao descontentamento dos "homens nobres e poderosos" que, morando em Ponta Delgada, eram obrigados a deslocar-se a Vila Franca do Campo em ocasiões solenes, o que representava uma diminuição do seu estado e honra. A partir de 1499, a recém-criada vila iniciou um processo de crescimento que culminou com a sua afirmação enquanto "cabeça" da ilha, face à perda de importância da primeira sede do poder, Vila Franca do Campo. Em 1518, a fixação de uma das mais importantes estruturas da administração periférica da coroa em Ponta Delgada, a alfândega, mais do que a subversão de Vila Franca do Campo, ocorrida em 1522, assinalou o ponto final na pretensão da primeira vila da ilha recuperar a anterior posição.

Entre Julho de 1523 e Maio de 1531, Ponta Delgada foi atingida pela peste de forma violenta, o que obrigou ao seu isolamento. Após a crise, os moradores, agradecidos, decidiram tomar São Sebastião como seu patrono, ampliando e enriquecendo a respectiva igreja e D. João III, por alvará de mercê de 22 de Agosto de 1532, ordenou ao rendeiro das rendas das ilhas açorianas que, dos réditos arrecadados, desse 400 cruzados para ajuda das obras da igreja de São Sebastião durante quatro anos. O alvará de 29 de Agosto do mesmo ano reforçou esta mercê, concedendo à vila a imposição dos vinhos por um prazo de doze anos para custear as obras com a igreja, a fonte e o peitoril.

Em termos do crescimento urbano, a célebre expressão de Gaspar Frutuoso resume bem o que terá sido a dinâmica de Ponta Delgada até ao final do século XVI: "primeiro foi solitário ermo, saudoso lugar e pobre aldeia, e depois pequena vila, a que agora é grande, rica, forte e tão afamada cidade". Este crescimento demográfico, sinal evidente do desenvolvimento urbano, bem como o papel do porto no apoio às naus da Índia, estiveram na base da mercê de D. João III, o qual, por carta de 2 de Abril de 1546, concedeu a Ponta Delgada o foro de cidade. O alvará de 13 de Maio do mesmo ano reforçou a nova situação: os escrivães da câmara poderiam, de ora em diante, fazer um sinal público nos documentos que à mesma dissessem respeito.

A malha urbana quinhentista definiu os eixos estruturantes que sobreviveram até à contemporaneidade, crescendo o núcleo urbano ao longo da costa entre a Calheta de Pêro de Teve, no seu extremo oriental, e o espaço popularmente conhecido como Campo de São Francisco, no limite ocidental, onde se ergue o mosteiro de Nossa Senhora da Esperança, inaugurado com nove Clarissas em 1541. A ligar as duas áreas limítrofes da cidade existiam dois eixos longitudinais, um dos quais se pode considerar uma "rua Direita" interior. O pólo organizador do núcleo urbano era a praça, em forma de L e aberta para o mar, onde se localizavam a Matriz, a câmara, o pelourinho, sobre o porto de duplo cais, a casa da alfândega e, desde 1783, as Portas da Cidade. Se D. João III não concedeu a Ponta Delgada os privilégios que prometera na carta de elevação a cidade, em 1554, a criação do ofício de juiz de fora colocou a cidade num plano único a nível do arquipélago, equiparando-a ao reduzido número de concelhos que tinham como magistrado judicial um oficial de carreira. No início dos anos de 1550, na sequência de ataques de corsários a Ponta Delgada, D. João III decidiu construir uma fortaleza que defendesse a cidade, o forte de São Brás, de plano em estrela e figurino italianizante, construído sobre a praia, num dos extremos da cidade, entre 1552 1553 e o início dos anos de 1580. Mas, apesar do prestígio da elite local e da riqueza do concelho, os rendimentos da câmara não eram muitos e os custos com as obras da fortaleza foram sentidos pela população em geral. Assim, em 1565, foi concedido à cidade que o direito da imposição, em vigor desde 1532 e desviado do fim inicial para suportar as despesas com a obra do forte, lhe pertenceria a partir dessa data, sendo os respectivos rendimentos aplicados apenas em igrejas e fontes. Apesar de alguns conflitos que surgiram durante a construção da fortaleza, esta ficou como um dos principais símbolos da cidade. Datam também deste período a fundação do mosteiro de Clarissas de Santo André (1567) e a decisão de se erguer uma torre sineira na Matriz (1575), que teria lugar somente em 1624. Cerca de 1580, o bispo D. Pedro de Castilho criou a freguesia de Santa Clara no limite ocidental da cidade, tendo como paroquial a igreja de São Mateus, pertencente aos capitães da ilha. Com a criação desta nova freguesia, uma zona suburbana ainda na segunda metade do século XVII, ficou completo o conjunto de paróquias em que se divide a cidade desde então.

No período da União Ibérica, e talvez como forma de manifestar o seu apreço pela adesão de Ponta Delgada e da ilha de São Miguel à sua causa, Filipe II outorgou à cidade os privilégios e as liberdades dos cidadãos do Porto, por carta de 12 de Dezembro de 1582. No ano seguinte, a carta régia de 17 de Junho concedeu a Rui Gonçalves da Câmara, capitão de São Miguel, o título de conde de Vila Franca, título que beneficiava a casa dos Câmaras, mas também enobrecia a cidade, cujo concelho tinha mais de dois mil e setecentos fogos em 1591, o que corresponderia a uns dez mil habitantes.

Na viragem de Quinhentos para Seiscentos, numa conjuntura de dinâmica económica associada ao comércio do pastel, que levou à fixação na cidade de vários mercadores, alguns dos quais de origem inglesa, devemos destacar a substituição do antigo edifício do senado pela "câmara nova" - o actual edifício -, local das reuniões e centro do poder local até ao século XIX, que sofreu graves danos na sequência do sismo de 16 de Abril de 1852; a instituição do convento de São João, em 1595; e a instalação de duas ordens religiosas na cidade: em 1591, os Jesuítas, embora as suas casas de morada e a igreja fossem inauguradas somente em Fevereiro de 1593; e, em 1606, os frades da Ordem de Santo Agostinho, que se mudariam para o convento de Nossa Senhora da Graça em 1618. No século XVII, merecem ser lembrados os motins anti-fiscais de 1637-1638 e os "motins da fome" de 1643, 1647 e 1695, que mobilizaram população do termo do concelho; os sismos de 1638, 1652 e 1682; e o surto de peste de 1673.

Os sismos e a peste não tiveram consequências nefastas para o crescimento demográfico e, no final de Seiscentos, cidade e termo teriam cerca de 45% da população da ilha. O aumento populacional teve correspondência na criação de novas jurisdições eclesiásticas (curatos) e na orgânica das companhias de ordenanças. Em 1770, o concelho de Ponta Delgada, o mais populoso da ilha, tinha pouco menos de 30.000 habitantes (28.512) e, no quadro da modesta geografia urbana de São Miguel, Ponta Delgada destacava-se dos demais núcleos urbanos. No tocante a símbolos do poder, refiramos que, em 1724, na vereação de 12 de Fevereiro, foi decidido construir uma torre junto ao edifício da câmara, pois a torre da Matriz, onde estava o relógio, estava arruinada e iria ser demolida. A dinâmica urbanística do período abrangeu a construção ou readaptação de muitas casas nobres na cidade e de quintas em redor da urbe ou no hinterland rural do concelho e, no final do século, os saldos positivos do orçamento camarário em 1799 e 1800 sugerem que a administração municipal procurava combater eventuais excessos do passado.

No início de Oitocentos, um dos efeitos mais visíveis da instalação da Corte no Rio de Janeiro traduziu-se na indefinição do estatuto das ilhas, observável nos anos seguintes. Todavia, em Ponta Delgada, as ondas de choque não parecem ter tido o efeito que tiveram em Angra, sede da Capitania Geral, criada em 1766. No entanto, tudo seria diferente após os eventos de 1820. Com efeito, a 1 de Março de 1821, eclodiu uma revolta em Ponta Delgada, o governador da ilha foi preso e, como resultado desta movimentação, constituiu-se um governo interino, a Junta Governativa. Ponta Delgada entrava numa nova fase da sua história, que aceleraria nos anos seguintes.

Durante o Liberalismo, merece referência o facto de a delimitação territorial herdada do passado apenas ter sido alterada durante um período de cerca de 12 anos. A 23 de Julho de 1839, o lugar de Capelas foi elevado à condição de vila e tornou se autónomo de Ponta Delgada. No entanto, em 1854, o novo concelho foi extinto, pois a sua reduzida dimensão não lhe assegurava a necessária viabilidade económica.

Uma questão herdada do passado e que reemergiu no século XIX foi a do porto da cidade, principal porta de entrada e saída de pessoas e bens da ilha. Ponta Delgada carecia das condições naturais de Angra, tornando-se evidente a necessidade de construção de um porto artificial adequado a um grande movimento de navios. Os textos relativos a esta matéria multiplicaram-se e até Antero de Quental escreveu um artigo a este respeito, intitulado "Necessidade de uma doca na Ilha de São Miguel", publicado a 13 de Abril de 1861 no Aurora dos Açores. E foi neste mesmo ano, a 30 de Setembro, que se lançou a primeira pedra para a construção do porto artificial de Ponta Delgada, arrastando-se as obras até 1942.

Bibliografia:
AAVV (1999), Actas do Colóquio Comemorativo dos 450 anos da Cidade de Ponta Delgada. Ponta Delgada, Universidade dos Açores-Câmara Municipal de Ponta Delgada. DIAS, Fátima Sequeira (1996), Ponta Delgada: 450 Anos de Cidade. Ponta Delgada, Câmara Municipal de Ponta Delgada. RODRIGUES, José Damião (1994), Poder Municipal e Oligarquias Urbanas: Ponta Delgada no Século XVII, Ponta Delgada. RODRIGUES, José Damião (2003), São Miguel no século XVIII: casa, elites e poder. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2 vols. SOUSA, Nestor de (1986), A Arquitectura Religiosa de Ponta Delgada nos Séculos XVI a XVIII, Ponta Delgada, Universidade dos Açores.

Ponta Delgada
Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia