Data de publicação
2009
Categorias
Período
Área Geográfica
Sião (actual Tailândia), reino situado em 17° 0R42; N, 100° 0R42; E.

O Sião constituíu-se como reino independente em 1351, com o estabelecimento da sua capital em Ayutthaya (Ayuthia ou Odiá nas fontes portuguesas). Após a fundação de Ayutthaya, a expansão siamesa intensificou-se com a anexação de Sukhothai e Lopburi em 1438 e com a conquista de Chiang Mai, ao Norte. Em 1431 os siameses pilham a cidade de Angkor, capital do reino Khmer (Camboja). Paralelamente, o Sião estabelece laços de vassalagem mais ou menos efectivos com vários Estados islâmicos da Península Malaia, entre os quais Malaca. No início do século XVI, as fronteiras siamesas estavam em constante redefinição e as guerras com os Estados vizinhos eram frequentes, especialmente com o reino do Pegu (actual Birmânia).

As primeiras descrições do Sião chegam-nos através de autores como Tomé Pires, Duarte Barbosa, Fernão Mendes Pinto e das crónicas oficiais (Barros, Castanheda, Gaspar Correia). Estas narrativas de carácter geográfico-comercial incidem maioritariamente sobre a caracterização dos portos mais importantes e as mercadorias que ai podiam ser encontradas, como o benjoim, lenho aloés, arroz e outros mantimentos e, em menor número, lacre, pimenta de Quedá, produtos originários da China como seda e porcelanas, pedras preciosas vindas do Pegu e Laos, entre outros. Os portugueses, por seu lado, introduziam no mercado siamês algodões indianos, escarlatas, brocados, veludos e vermelhão. Já no século XVII, ganham notabilidade outro tipo de produtos como as peles de animais e o estanho da península malaia, principalmente vindo de Iunçalão (actual Phuket).

Em 1511, antes de terminar a conquista de Malaca, Afonso de Albuquerque envia o primeiro embaixador português ao reino do Sião, Duarte Fernandes. Os objectivos desta missão diplomática passavam por estabelecer um contrato de amizade e comércio entre os dois países, além de explicar os motivos pelos quais os Portugueses atacaram Malaca, que era considerado um estado vassalo do Sião. No seguimento desta embaixada, o rei siamês enviou os seus representantes a Malaca. Em 1512 e 1518 tiverem lugar mais duas trocas diplomáticas, encabeçadas por António de Miranda de Azevedo e Duarte Coelho, respectivamente.

Depois de consolidados os laços de amizade através dos esforços diplomáticos, foram criadas condições para que indivíduos portugueses se fossem gradualmente instalando, formando pequenas comunidades em Ayutthaya e noutras partes do reino do Sião, como Ligor (actual Nakhon Si Thammarat), Tenasserim (Mergui), Quedá (Kedah) e Patani (Pattani). Na capital, o rei siamês doou uma parcela de terreno, autorizou a livre prática religiosa e isentou os Portugueses de algumas taxas comerciais. A área que viria a ser conhecida como "Bang Portuguet" (bandel, campo) i.e., o bairro português de Ayutthaya, situa-se a 14°20'02'' de latitude e 100°34'29'' de longitude, na margem direita do rio Chao Phraya. Em frente, na outra margem do rio, situava-se o estabelecimento japonês e, a norte deste, o inglês e o holandês.

A população portuguesa encetou gradualmente processos de miscigenação, sendo comuns as uniões de portugueses com siameses, chineses, peguanos, japoneses, entre outros. As principais ocupações destes indivíduos eram a participação no comércio (interno e externo) e no exército siamês como artilheiros ou soldados, sendo também de registar a integração de portugueses na guarda pessoal do monarca siamês. Mais tarde, alguns luso-descendentes distinguem-se como intérpretes ou funcionários administrativos do aparelho de Estado siamês. Em meados do século XVII, estima-se a população do bandel em cerca de 2000 indivíduos católicos, não se sabendo se este número incluiria as famílias alargadas dos habitantes. É contudo extremamente difícil, com os dados que dispomos actualmente, contabilizar o número real de habitantes do bandel.

As casas do bandel de Sião teriam sido construídas em materiais perecíveis, como a madeira e o bambu, seguindo técnicas de construção locais e sob estacas, como modo de protecção contra as cheias anuais do rio Chao Phraya. Até ao momento não se conhecem vestígios arqueológicos deste tipo de habitações. Os edifícios religiosos teriam sido erigidos em materiais perecíveis, embora em alguns deles também tenham sido utilizados numa fase mais tardia outros materiais, como o tijolo, pedra e cal. Através das escavações arqueológicas da igreja de São Domingos, dispomos de alguma informação quanto ao estilo construtivo adoptado neste edifício. Encontramos, por um lado, uma planta de influência europeia e, por outro lado, o uso de tijolo e algumas opções decorativas de influência local. As telhas, incluídas nesta última categoria, tinham muito possivelmente a mesma tipologia das utilizadas nos templos budistas siameses.

Com efeito, a presença religiosa portuguesa no Sião iniciou-se em 1565-66, com a chegada a Ayutthaya de dois frades dominicanos, e consequente estabelecimento de uma missão no bandel português. Por volta de 1584, seguiram-se os frades franciscanos, que também se fixaram na capital. Os jesuítas chegam ao reino em 1606 e erigem igualmente uma igreja em Ayutthaya, denominada igreja de São Paulo, situada a sul da igreja de São Domingos. O objectivo inicial da presença missionária portuguesa era obviamente a conversão de fiéis. Contudo, a evangelização da população siamesa de confissão budista theravada teve um êxito mitigado. A acção dos padres portugueses centrou-se por isso na organização da vida religiosa dos habitantes do bandel, em primeiro lugar, mas também assegurou o acompanhamento religioso a cristãos de outras nacionalidades, como por exemplo os japoneses. As relações das comunidades portuguesa e japonesa em Ayutthaya eram bastante próximas, sendo o exemplo mais conhecido o de Maria Guiomar, descendente de portugueses e japoneses, educada por jesuítas portugueses e que por volta de 1680 casou com o grego Constantino Falcão, que viria a tornar-se primeiro-ministro do Sião.

A partir de 1614 as relações de Portugal com o Japão começam a deteriorar-se. No seguimento da política de exclusão (bafuku) adoptada pelo Japão em 1639, o Sião reveste-se de uma nova importância estratégica para as autoridades portuguesas. Com efeito, se os portugueses pudessem viajar nos barcos siameses que escalavam regularmente os portos japoneses e garantir deste modo acesso aos produtos nipónicos, Ayutthaya serviria de ponte de ligação com o Japão e a politica de exclusão dos governantes japoneses poderia ser contornada. Neste sentido, foi enviada uma embaixada ao Sião em 1646, comandada por Francisco Cutrim de Magalhães, com o principal objectivo de desviar os holandeses do trato japonês e conseguir autorização do rei siamês para negociar produtos que eram monopólio régio ou dos holandeses, como as peles de veado, produto de grande procura no Japão. Os objectivos desta embaixada não foram alcançados, e pelo que se sabe, só em 1684 os portugueses voltam a tentar nova embaixada ao reino do Sião, desta feita por iniciativa dos comerciantes de Macau.

O papel de Macau no desenvolvimento e sustentabilidade da comunidade portuguesa de Ayutthaya é deveras importante. Para além do estabelecimento de relações comerciais entre o porto dessa Cidade e o Sião, verificavam-se redes comerciais privadas entre comerciantes macaenses e luso-siameses. A embaixada de 1684 foi encabeçada por um rico mercador de Macau, Pêro Vaz de Siqueira, acompanhado por cerca de 150 indivíduos. Os principais objectivos desta iniciativa diplomática incluíam: demonstrar a grandeza dos portugueses, contrariando assim a imagem generalizada de decadência do império; exercer forte pressão junto do monarca siamês no sentido de obter a expulsão dos missionários franceses, pertencentes às Missões Estrangeiras de Paris, que punham em risco a supremacia do Padroado; e obter condições vantajosas no que dizia respeito aos direitos que os navios portugueses pagavam nos portos siameses. Esta embaixada, que requeriu um investimento considerável por parte das autoridades portuguesas e da fazenda pessoal de Pêro Vaz de Siqueira, foi bem recebida no Sião, embora não tenha conseguido a expulsão dos bispos franceses. No entanto, demonstra claramente o vigor da comunidade mercantil de Macau assim como a importância de portos sudeste asiáticos na estratégia comercial dos comerciantes privados portugueses. A participação destes mercadores no comércio intra-asiático, também chamado country trade, intensifica-se na segunda metade do século XVII como resposta à situação difícil do império português na Ásia. A sobrevivência do império estaria assim intrinsecamente ligada a estas comunidades de portugueses e luso-descendentes, e o Sião não foi excepção. Com efeito, três comunidades luso-thais sobreviveram em Banguecoque: Bairro do Rosário, da Conceição e Santa Cruz (em Thonburi).

Actualmente, podem ser visitadas as igrejas de Conceição e Santa Cruz em Banguecoque, assim como a igreja de São Domingos em Ayutthaya. Esta última, após as escavações arqueológicas de que foi alvo em 1984, sofreu operações de restauro que descuidaram um pouco o plano original, mas que intentaram criar um espaço acessível ao público, completado com a construção de um edifício de apoio, onde estão expostos alguns esqueletos encontrados durante as escavações. Presentemente, estão a ser preparadas as comemorações oficiais dos 500 anos da chegada dos Portugueses ao Sião, evento a acontecer em 2011.

Bibliografia:

A.A.V.V., Portugal e a Tailândia, Fundação Calouste Gulbenkian - Serviço Internacional, Lisboa, 1988. BERNARDES DE CARVALHO, Rita, La présence portugaise à Ayutthaya (Siam) aux XVIe et XVIIe siècles, tese de Mestrado policopiada, EPHE, Paris, 2006 (disponível em http://rbcarvalho.pt.vc/ ). FLORES, Maria da Conceição, Os Portugueses e o Sião no século XVI, Lisboa, 1995. PUMPONGPHAET, Patipat, «Les fouilles archéologiques dans le Mu Ban Portuget, sur le site de Sao Pedro», in Phra Narai roi de Siam et Louis XIV, catálogo de exposição, vol. "Études", Paris, 1986, p. 23-26. SEABRA, Leonor de, A Embaixada ao Sião de Pêro Vaz de Siqueira (1684-1686), Instituto Português do Oriente / Fundação Oriente, Macau, 2004. Idem, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), 2ème ed., Universidade de Macau, Macau, 2000. TEIXEIRA, Manuel, Portugal na Tailândia, Macau, 1983.