Desde a morte de Aristóteles, no ano de 322 a.C., que diversos filósofos cultivaram o estudo das suas obras e adoptaram e desenvolveram as suas doutrinas e métodos. Após o declínio do Império Romano no século V d.C., a grande maioria das obras e da doutrina aristotélicas foram dadas como perdidas no mundo ocidental. Durante os séculos IX, X e XI d.C., assistiu-se ao desenvolvimento de uma tradição árabe do aristotelismo pela mão dos sírios, persas, turcos, judeus e árabes. Estes escreveram e ensinaram no Oriente Médio, no Norte da África e em Espanha. É de salientar filósofos influentes tais como Avicena (980-1032), Averróis (1126-1198) e Maimónides (1125-1204). Durante o século XII, novas traduções latinas das obras de Aristóteles, na sua maioria provenientes de comentários árabes, deram a conhecer este filósofo à cultura medieval cristã e estiveram na origem de um movimento intelectual aristotélico na Europa que veio a ser conhecido como Escolasticismo. Alberto Magno (1206-1280) e Tomás de Aquino (cerca 1225-1274) desenvolveram uma síntese das ideias aristotélicas com as doutrinas cristãs, que se tornou essencial para a teologia católica romana, bem como para a cosmologia. O chamado corpus aristotelicum (que incluía obras de Aristóteles, bem como comentários em árabe, persa e latim) foi utilizado como uma base para a concepção de livros didácticos e enciclopédias e como ponto de partida para muitos tratados filosóficos, incluindo a filosofia natural.
Aristóteles conferiu grande ênfase à observação directa da natureza. Na ciência, ensinava que a teoria deve seguir a observação directa de factos, sendo essa observação organizada e compreendida através da lógica. Durante o final da Idade Média e início da Era Moderna (cerca 1250-1550), a cosmologia aristotélica deparou-se com pouca oposição e poucos desafios. Questões relacionadas com o mundo celeste e sublunar e com os seus quatro elementos constituintes foram discutidas principalmente em três obras aristotélicas: Sobre o Céu (ou De Caelo), Meteorológicos (ou Meteorologica) e Sobre a Geração e a Corrupção (ou De Generatione et Corruptione). Filósofos naturais como Avicena, Averróis, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Sacrobosco, John Buridan, Giovanni Fontana, Girolamo Fracastoro (entre muitos outros; os citados acima são-no por serem as principais autoridades em matérias aristotélicas da Época Medieval e início da Era Moderna) reflectem, nos seus comentários, sobre um vasto conjunto de quaestiones que visam compreender e baseiam-se nos conhecimentos transmitidos pelos três livros de Aristóteles acima referidos e que lidam com a física do cosmos. Importa salientar que as obras e interpretações destes filósofos permaneceram válidas até ao final do século XVI, como foi claramente demonstrado pela chamada escola aristotélica da Universidade de Pádua, onde Nicolau Copérnico (1473-1543) estudou e Galileu Galilei (1564-1642) ensinou.
O cosmos aristotélico-cristão foi concebido como uma esfera composta por um só material, finita e completa em cada parte, subdividida em círculos concêntricos que foram colocados um dentro do outro, com limites contíguos. Esta esfera era dividida em duas partes - dois mundos contíguos, mas radicalmente diferentes: o do céu e o da terra, como escreveu Sacrobosco: Universalis autem mundi machina in duo dividitur: in etheream et elementarem regionem (A Esfera de Sacrobosco, cap. I, p. 78). A parte celestial do cosmos começou na superfície côncava do círculo lunar e estendeu-se para o círculo de estrelas fixas e para o céu empyreal, o mais alto nível do mundo celestial, lugar onde os pensadores medievais criam que as almas dos bem-aventurados viviam no esplendor da luz divina. Constituído por éter, elemento perfeito e incorruptível, os círculos celestes transportavam as estrelas fixas e os sete planetas - Lua, Mercúrio, Vénus, Sol, Marte, Saturno e Júpiter -, no seu movimento incessante: Motus caeli est continuus, perpetuus et uniformis (Arist., De caelo, II.4, 287 a 23-24; Auct. Arist., p. 163, n. 56). Quanto ao número de esferas celestes, a tradição apresenta várias possibilidades, desde as oito esferas de Aristóteles, às onze de Peter Lombard e de Hugo de São Vítor.
Sob a superfície côncava da esfera lunar, a região terrena descia ao centro geométrico do universo. O mundo sublunar era constituído pelas quatro esferas de elementos, organizadas em relação aos seus lugares próprios e naturais: Elementa non sunt infinita et sunt quattuor, scilicet ignis, aer, aqua et terra (Arist., De caelo et mundo, III.5, 304 b 21-22; Auct. Arist., p. 165, n. 77). A nível estrutural, o mundo terreno parece, portanto, ser composto por quatro esferas concêntricas e contíguas entre si. A existência do vazio, como absoluto não-ser, é considerada impossível: Vacuum nihil est (Arist., De caelo et mundo, III.6, 305 a 21; Auct. Arist., p. 166, n. 89). Terra e água movem-se de cima para baixo; a terra, cujo lugar natural é a posição mais inferior, constitui o núcleo esférico e imóvel do universo; a água, cujo lugar natural é imediatamente acima da terra, cerca-a, assumindo assim uma forma esférica. Ar e fogo movem-se de baixo para cima; o ar, cujo lugar natural é entre a esfera da água e a parte interior da esfera do fogo, interpõe-se entre eles. Por último, o lugar natural do fogo é a parte mais elevada do mundo sublunar, interpondo-se entre a esfera do ar e a primeira esfera celeste imediatamente superior a ele, a esfera da Lua. Além disso, cada elemento possui qualidades elementares em pares de opostos, que, com o seu movimento natural e linear, determinam o seu comportamento: a terra é fria e seca, a água é fria e húmida, o ar é quente e húmido, e o fogo é quente e seco: Quattuor sunt elementa, scilicet terra quae est frigida et sicca, aqua est frigida et humida, aer est calidus et humidus et ignis qui est calidus et siccus (Arist., De Generatione et Corruptione, II.3, 330 a 30, b 3-5; Auct. Arist., p. 169, n. 30). Contrastando com as regiões celestes, a região sublunar é caracterizada pela mudança contínua, interpretada de acordo com a lectio de Aristóteles, em termos de geração e corrupção: Generatio unius est corruptio alterius; propter hoc generatio et corruptio sunt aeterna (Arist., De Generatione et Corruptione, I.3, 318 a 23-25; Auct. Arist., p. 167, n. 7). Os corpos do mundo sublunar, compostos por quatro elementos ordenados numa sucessão de quatro órbitas concêntricas, cada uma delas o lugar natural de um elemento, eram, por definição, imperfeitos e corruptíveis. Os corpos terrenos são compostos de uma mistura, mixta, de quatro elementos: Elementa sunt prima corpora ex quibus constant alia corpora (Arist., De caelo et mundo, III.3, 302 a 12; Auct. Arist., p. 166, n. 82; Tractatus de Sphaera, I - A Esfera de Sacrobosco, p. 78). Em cada corpo, o elemento dominante determinava a direcção do movimento natural do corpo, que tendia sempre e de forma linear para o lugar natural do elemento dominante da sua composição: Gravia et levia moventur ex se ipsis in sua propria loca, nisi sit impediens. Verum est immediate, quia mediate moventur a generante, vel a removente (Arist., De caelo et mundo, IV.4, 311 b 14-16; Auct. Arist., p. 166, n. 93). Esta interpretação, designada como a mixta - indicando que os corpos compostos pelos quatro elementos aparentam ser formados por uma só substância - torna-se paradigmática com o De Natura Loci, de Alberto Magno (Alberti Magni... Opera Omnia, Tomus V Pars II, pp. 23-26) e o De Mixtione Elementorum de Tomás de Aquino. Em suma, se não houvesse oposição, o movimento natural dos corpos terrenos, pesados por natureza, tenderia para o centro do universo, enquanto os corpos ígneos, considerados leves na sua essência, tenderiam para cima, em direcção a esferas mais altas, como os florilegia medievais de Aristóteles nos lembram: Omne leve sursum et omne grave deorsum (Arist., De caelo et mundo, III.2, 301 b 23-25; Auct. Arist., p. 165, n. 80) e Ignis est levis, terra vero gravis (Arist., De caelo et mundo, III.1, 300 a 3-5; Auct. Arist., p. 166, n. 88).
A Transmissão da Filosofia Natural Aristotélica Um trabalho em particular pode ser utilizado como referência para indicar o que poderia ter sido a visão geral cosmográfica do mundo: o De Sphaera (ou A Esfera) de Johannes de Sacrobosco. Este trabalho de Sacrobosco, um famoso tratado de astronomia de meados do século XIV, que versava sobre astronomia e que foi objecto de numerosos comentários, foi usado como um texto preambular em escolas e universidades tanto seculares como religiosas no ensino da astronomia e conheceu numerosas edições impressas até ao início do século XVIII. Sintetizando o Almagest de Ptolomeu e o Sobre o Céu, o Meteorológicos e o Da Geração e Corrupção, de Aristóteles, no primeiro dos quatro capítulos que compõem o trabalho, Sacrobosco define a estrutura do mundo de uma forma simplificada que permaneceu substancialmente inalterada até o fim do século XVI, que foi o tempo de Nicolau Copérnico, Tycho Brahe, Johannes Kepler e Galileu Galilei.
Juntamente com o De Sphaera, o conhecimento sobre a filosofia natural aristotélica (incluindo também a descrição do cosmos) foi transmitido por diversas colecções de excertos (florilegia) do Corpus Aristotelicum e pelos seus numerosos comentários desde a Idade Média. Estes florilegia reuniam breves citações e comentários sobre as obras de Aristóteles e tinham como propósito apresentar e condensar o conhecimento e a filosofia do Estagirita a um público mais alargado. Os florilegia são transmitidos por um vasto corpus de manuscritos e livros impressos no início da Era Moderna, que se encontram em quase todas as bibliotecas da Europa, atestando assim a sua difusão generalizada. Produzidos e utilizados principalmente com um objectivo predominantemente didáctico, os florilegia de obras e comentários de Aristóteles foram rapidamente difundidos na universidade e em ambientes religiosos para oferecer aos estudantes, aos eruditos e aos letrados os principais textos dos autores que estudavam. Apesar de essas colecções de excertos aparecerem com títulos muito diferentes em catálogos antigos, o teólogo franciscano Boaventura da Bagnoregio (que nasceu Giovanni di Fidanza, 1221-1274) refere-se a eles como Auctoritates Aristotelis, ou seja A Confiável Sapiência de Aristóteles. Entre as obras citadas e resumidas por estes florilegia estão as três principais obras de Aristóteles dedicadas ao cosmos e anteriormente referidas: Sobre o Céu, Meteorologia, e Sobre Geração e Corrupção. Nestas citações encontramos um resumo da macroestrutura do cosmos aristotélico.
Bibliografia:
DALY, J. F., "Sacrobosco," in Dictionary of Scientific Biography 12 (1981) pp. 60-63. GRANT, E., Planets, Stars, and Orbs: the Medieval Cosmos, 1200-1687, Cambridge - New York, Cambridge University Press, 1994. GRANT, E., Le origini medievali della scienza moderna. Il contesto religioso, istituzionale e intellettuale, Turin, Einaudi, 2001. HAMESSE, J., Les auctoritates Aristotelis: un florilège médiéval. Étude historique et édition critique, Louvain: Publications Universitaires; Paris: Beatrice-Nauwelaerts, 1974, pp. 7-109 (for quite a vast selection of codexes see pp. 25-37). PEDERSEN, O., "In Quest of Sacrobosco," in Journal for the History of Astronomy 16 (1985), pp. 175-221. POULLE, E., "L'Astronomia," in Federico II e le scienze, P. Tourbert e A. Paravicini Bagliani (eds), Palermo, Sellerio, 1994, pp. 122-137. SCHMITT, C. B., Aristotle and the Renaissance, Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1983. THORNDIKE, L., The Sphere of Sacrobosco and Its Commentators, Chicago: The University of Chicago Press, 1949.
Traduzido do inglês por:Fedra Machado
Data de publicação
2009
Categorias