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2009
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Em termos de sintaxe gráfica, estas são as principais características da cartografia Ptolemaica:
- A cartografia Ptolemaica mostra a mudança para a concepção de espaço como uma transformação abstracta geométrica;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres presume uma superfície isotrópica e uniforme como base para a construção das posições abstractas;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres implica dar importância à terceira dimensão e a métodos criadores da ilusão da terceira dimensão, e mostra um movimento tentativo em direcção a uma codificação mais convencional da simbologia dos mapas; no que concerne a questão espácio-temporal, que era uma das principais características do mappaemundi, a cartografia ptolemaica assegura cada vez mais que os elementos representados num mapa devem ser co-síncronos, resultando numa separação entre o tempo e o espaço, da geografia para a história;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres implica a separação entre descrições escritas e sinais gráficos;
- Os mapas ptolemaicos, ou seja, os mapas baseados em projecções de mapas, satisfizeram os desejos dos académicos e dos patronos em relação a um sistema de representação do mundo que mantivesse escala ou "justa proporção";
- Os mapas ptolemaicos fornecem um enquadramento alternativo de todo o globo terrestre que, diversamente do mappaemundi, podiam fornecer uma imagem aparentemente tridimensional da esfera da Terra limitando um espaço uniforme em que os objectos eram co-síncronos;
- Os mapas ptolemaicos forneciam uma imagem do mundo aparentemente abstracta, desincorporada ou objectiva de acordo com um estilo linear - mais tarde amplificada pela semiótica da impressão - que criava a "ilusão" de precisão.
Na maioria dos casos, pode argumentar-se com segurança que a Geografia de Ptolomeu deu origem a uma forma metodologicamente coerente de representação geométrica de espaço que excluiu elementos pictóricos das representações do mundo.
As Projecções de Ptolomeu A Geografia tem sobretudo a ver com a questão da representação cartográfica, que consiste literalmente em "desenhar mapas do oikumene numa superfície plana". A frase de abertura de Ptolomeu avisa claramente que "As representações cartográficas são imitações pictóricas de todo o mundo conhecido, juntamente com as coisas que estão, em termos latos, relacionadas com ele" (Geografia, I.1).
Para Ptolomeu, explicar e definir os métodos de mapeamento tinha por finalidade atingir uma semelhança, a mais próxima possível, com a "imagem do mundo", i.e., a imagem que o espectador apreendia quando olhava para uma representação esférica da Terra, isso enquanto evitava as dificuldades que envolvem o uso de um globo verdadeiro. No Almageste e na Geografia, Ptolomeu explicou que tal podia ser alcançado se se seguissem certos métodos geográficos e empíricos, apelidados de "projecções de mapas" pela historiografia subsequente.
Nos capítulos 23 e 24 do Livro I e no capítulo 6 do Livro VII da Geografia (os Livros II-VIII contêm uma longa lista de quase oito mil topónimos que cobrem todo o mundo habitado conhecido, com as suas respectivas latitudes e longitudes), Ptolomeu explicou como preparar mapas de acordo com quatro métodos geométricos: uma técnica que usa paralelos e meridianos direitos e perpendiculares, que já tinha sido empregue por Marino de Tiro e que era recomendada por Ptolomeu para mapas regionais, para os quais a curvatura da Terra poderia ser considerada irrelevante (Geografia I.24.1); uma técnica com meridianos direitos e convergentes, e paralelos curvos (Geografia I.24.3); uma técnica com meridianos curvos e convergentes, e paralelos curvos (Geografia I.24.9); e, finalmente, um tipo especial de projecção em que o oikumene era visualizado num globo representado dentro de uma esfera armilar, visto de uma distância que permitia ao espectador aperceber-se de todo o hemisfério num único olhar (Geografia VIII.6.7). O Livro I.24 está ilustrado com quatro diagramas que explicam as diversas fases da construção geométrica da primeira e da segunda projecções, e que estão geralmente presentes em quase todos os códices da tradição compósita da Geografia, tanto em grego como em latim.
A Primeira Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.3)
O método mais simples, geralmente chamado de "primeira projecção Ptolemaica" na historiografia do género, apresenta meridianos direitos que convergem para um ponto teorético, localizado para Norte numa distância que equivale a 34° no que concernem as dimensões da grelha. Os paralelos são arcos concêntricos desenhados à volta deste centro geométrico. Já que os meridianos são representados como linhas direitas, é relativamente fácil situar pontos correspondentes a locais cujas latitude e longitude são conhecidas. Ptolomeu sugeriu o uso deste método para mapas de grandes áreas da superfície terrestre, principalmente para latitudes intermédias.
A Segunda Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.9)
Ptolomeu apresentou o segundo método com o objectivo específico de realçar a semelhança entre a percepção do espectador e a visão de um globo verdadeiro (Geografia, I.22). Com a "segunda projecção", que consistia em meridianos e paralelos curvos, Ptolomeu procurou dar aos meridianos a aparência que eles teriam numa esfera quando vistos por um espectador que olhasse directamente para o centro do globo (Geografia, I.24.9). Tal como já foi dito, este segundo método, usado na feitura de um planisfério de um códice grego da Geografia de finais do séc. XIII (Istambul, Topkapi Müzesi Serai, ms. 57), foi primeiramente adoptado por Nicolaus Germanus e por Piero del Massaio nos seus códigos florentinos datados de cerca de 1457-60. O mapa do mundo desenhado por Nicolaus Germanus serviu, depois, como modelo aos planisférios das edições de Geografia impressas em Ulme em 1482 e 1486.
A Terceira Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.9)
Na parte final da Geografia, Ptolomeu descreve outro método através do qual "o hemisfério em que se encontra o mundo habitado pode ser representado numa superfície plana, com o hemisfério em si rodeado por uma esfera armilar." (Geografia, VII.6). O objectivo deste terceiro método era atingir uma representação correspondente à impressão visual do globo terrestre dentro da esfera armilar de tal forma que o oikumene podia ser claramente visto e representado na superfície da Terra visível através dos círculos astronómicos da esfera armilar, do equador e dos trópicos. Ptolomeu considerou o espectador como estando situado fora destes círculos astronómicos a tal distância que o anel representando o trópico do verão celestial apagaria o paralelo de Thule no globo, e o anel representando o equador celestial apagaria o paralelo mais a sul do mundo habitado (Anti-Meroe). A construção geométrica da imagem do globo anelado compreende duas partes distintas: uma primeira parte tem a ver com a determinação de pontos através dos quais o equador, os trópicos e a eclíptica podem ser desenhados; uma segunda parte define a forma como a retícula para o mapa do oikumenē fica visível entre os anéis. De acordo com Berggren e Jones, dois tradutores de grande confiança do texto grego de Geografia, a primeira parte do algoritmo para a construção da terceira projecção seria o único exemplo documentado do uso de um procedimento gráfico cuja origem pode ser encontrada na perspectiva linear da antiguidade clássica.
Para o desenho dos paralelos de latitude representados no globo terrestre, o método de Ptolomeu usa raios projectados do ponto que representa o olho de uma forma que apenas superficialmente se assemelha à perspectiva linear usada para os anéis. A grelha resultante assemelha-se à segunda projecção de Ptolomeu no que concerne o uso de arcos circulares para representar todos os meridianos à excepção do central, que é uma linha direita.
Em conclusão, é importante salientar que dos oito livros de Geografia, a secção que diz respeito à explicação dos métodos para desenhar a grelha geográfica, em que os mapas de todo o mundo conhecido habitado são desenhados, foi indubitavelmente a parte mais influente deste trabalho em termos do futuro desenvolvimento da cartografia.
Bibliografia: VALERIO, V., Cognizioni proiettive e prospettiva lineare nell'opera di Tolomeo e nella cultura tardo-ellenistica, Firenze, Olschki, 1998. J.L. Berggren - A. Jones (eds.), Ptolemy's Geography. An Annotated Translation of the Theoretical Chapters, Princeton, Princeton University Press, 2000. SNYDER, J.P., "Map Projections in the Renaissance," in Cartography in the European Renaissance, edited by David Woodward, vol. 3 of The History of Cartography, Chicago, University of Chicago Press, 2008, pp. 365-381. WOODWARD, D., "Cartography in the Renaissance: Continuity and Change," in Cartography in the European Renaissance, edited by David Woodward, vol. 3 of The History of Cartography, Chicago, University of Chicago Press, 2008, pp. 3-24.
Traduzido do Inglês por: Dominique Faria.
- A cartografia Ptolemaica mostra a mudança para a concepção de espaço como uma transformação abstracta geométrica;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres presume uma superfície isotrópica e uniforme como base para a construção das posições abstractas;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres implica dar importância à terceira dimensão e a métodos criadores da ilusão da terceira dimensão, e mostra um movimento tentativo em direcção a uma codificação mais convencional da simbologia dos mapas; no que concerne a questão espácio-temporal, que era uma das principais características do mappaemundi, a cartografia ptolemaica assegura cada vez mais que os elementos representados num mapa devem ser co-síncronos, resultando numa separação entre o tempo e o espaço, da geografia para a história;
- O sistema ptolemaico de coordenadas terrestres implica a separação entre descrições escritas e sinais gráficos;
- Os mapas ptolemaicos, ou seja, os mapas baseados em projecções de mapas, satisfizeram os desejos dos académicos e dos patronos em relação a um sistema de representação do mundo que mantivesse escala ou "justa proporção";
- Os mapas ptolemaicos fornecem um enquadramento alternativo de todo o globo terrestre que, diversamente do mappaemundi, podiam fornecer uma imagem aparentemente tridimensional da esfera da Terra limitando um espaço uniforme em que os objectos eram co-síncronos;
- Os mapas ptolemaicos forneciam uma imagem do mundo aparentemente abstracta, desincorporada ou objectiva de acordo com um estilo linear - mais tarde amplificada pela semiótica da impressão - que criava a "ilusão" de precisão.
Na maioria dos casos, pode argumentar-se com segurança que a Geografia de Ptolomeu deu origem a uma forma metodologicamente coerente de representação geométrica de espaço que excluiu elementos pictóricos das representações do mundo.
As Projecções de Ptolomeu A Geografia tem sobretudo a ver com a questão da representação cartográfica, que consiste literalmente em "desenhar mapas do oikumene numa superfície plana". A frase de abertura de Ptolomeu avisa claramente que "As representações cartográficas são imitações pictóricas de todo o mundo conhecido, juntamente com as coisas que estão, em termos latos, relacionadas com ele" (Geografia, I.1).
Para Ptolomeu, explicar e definir os métodos de mapeamento tinha por finalidade atingir uma semelhança, a mais próxima possível, com a "imagem do mundo", i.e., a imagem que o espectador apreendia quando olhava para uma representação esférica da Terra, isso enquanto evitava as dificuldades que envolvem o uso de um globo verdadeiro. No Almageste e na Geografia, Ptolomeu explicou que tal podia ser alcançado se se seguissem certos métodos geográficos e empíricos, apelidados de "projecções de mapas" pela historiografia subsequente.
Nos capítulos 23 e 24 do Livro I e no capítulo 6 do Livro VII da Geografia (os Livros II-VIII contêm uma longa lista de quase oito mil topónimos que cobrem todo o mundo habitado conhecido, com as suas respectivas latitudes e longitudes), Ptolomeu explicou como preparar mapas de acordo com quatro métodos geométricos: uma técnica que usa paralelos e meridianos direitos e perpendiculares, que já tinha sido empregue por Marino de Tiro e que era recomendada por Ptolomeu para mapas regionais, para os quais a curvatura da Terra poderia ser considerada irrelevante (Geografia I.24.1); uma técnica com meridianos direitos e convergentes, e paralelos curvos (Geografia I.24.3); uma técnica com meridianos curvos e convergentes, e paralelos curvos (Geografia I.24.9); e, finalmente, um tipo especial de projecção em que o oikumene era visualizado num globo representado dentro de uma esfera armilar, visto de uma distância que permitia ao espectador aperceber-se de todo o hemisfério num único olhar (Geografia VIII.6.7). O Livro I.24 está ilustrado com quatro diagramas que explicam as diversas fases da construção geométrica da primeira e da segunda projecções, e que estão geralmente presentes em quase todos os códices da tradição compósita da Geografia, tanto em grego como em latim.
A Primeira Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.3)
O método mais simples, geralmente chamado de "primeira projecção Ptolemaica" na historiografia do género, apresenta meridianos direitos que convergem para um ponto teorético, localizado para Norte numa distância que equivale a 34° no que concernem as dimensões da grelha. Os paralelos são arcos concêntricos desenhados à volta deste centro geométrico. Já que os meridianos são representados como linhas direitas, é relativamente fácil situar pontos correspondentes a locais cujas latitude e longitude são conhecidas. Ptolomeu sugeriu o uso deste método para mapas de grandes áreas da superfície terrestre, principalmente para latitudes intermédias.
A Segunda Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.9)
Ptolomeu apresentou o segundo método com o objectivo específico de realçar a semelhança entre a percepção do espectador e a visão de um globo verdadeiro (Geografia, I.22). Com a "segunda projecção", que consistia em meridianos e paralelos curvos, Ptolomeu procurou dar aos meridianos a aparência que eles teriam numa esfera quando vistos por um espectador que olhasse directamente para o centro do globo (Geografia, I.24.9). Tal como já foi dito, este segundo método, usado na feitura de um planisfério de um códice grego da Geografia de finais do séc. XIII (Istambul, Topkapi Müzesi Serai, ms. 57), foi primeiramente adoptado por Nicolaus Germanus e por Piero del Massaio nos seus códigos florentinos datados de cerca de 1457-60. O mapa do mundo desenhado por Nicolaus Germanus serviu, depois, como modelo aos planisférios das edições de Geografia impressas em Ulme em 1482 e 1486.
A Terceira Projecção Ptolemaica (Geografia I.24.9)
Na parte final da Geografia, Ptolomeu descreve outro método através do qual "o hemisfério em que se encontra o mundo habitado pode ser representado numa superfície plana, com o hemisfério em si rodeado por uma esfera armilar." (Geografia, VII.6). O objectivo deste terceiro método era atingir uma representação correspondente à impressão visual do globo terrestre dentro da esfera armilar de tal forma que o oikumene podia ser claramente visto e representado na superfície da Terra visível através dos círculos astronómicos da esfera armilar, do equador e dos trópicos. Ptolomeu considerou o espectador como estando situado fora destes círculos astronómicos a tal distância que o anel representando o trópico do verão celestial apagaria o paralelo de Thule no globo, e o anel representando o equador celestial apagaria o paralelo mais a sul do mundo habitado (Anti-Meroe). A construção geométrica da imagem do globo anelado compreende duas partes distintas: uma primeira parte tem a ver com a determinação de pontos através dos quais o equador, os trópicos e a eclíptica podem ser desenhados; uma segunda parte define a forma como a retícula para o mapa do oikumenē fica visível entre os anéis. De acordo com Berggren e Jones, dois tradutores de grande confiança do texto grego de Geografia, a primeira parte do algoritmo para a construção da terceira projecção seria o único exemplo documentado do uso de um procedimento gráfico cuja origem pode ser encontrada na perspectiva linear da antiguidade clássica.
Para o desenho dos paralelos de latitude representados no globo terrestre, o método de Ptolomeu usa raios projectados do ponto que representa o olho de uma forma que apenas superficialmente se assemelha à perspectiva linear usada para os anéis. A grelha resultante assemelha-se à segunda projecção de Ptolomeu no que concerne o uso de arcos circulares para representar todos os meridianos à excepção do central, que é uma linha direita.
Em conclusão, é importante salientar que dos oito livros de Geografia, a secção que diz respeito à explicação dos métodos para desenhar a grelha geográfica, em que os mapas de todo o mundo conhecido habitado são desenhados, foi indubitavelmente a parte mais influente deste trabalho em termos do futuro desenvolvimento da cartografia.
Bibliografia: VALERIO, V., Cognizioni proiettive e prospettiva lineare nell'opera di Tolomeo e nella cultura tardo-ellenistica, Firenze, Olschki, 1998. J.L. Berggren - A. Jones (eds.), Ptolemy's Geography. An Annotated Translation of the Theoretical Chapters, Princeton, Princeton University Press, 2000. SNYDER, J.P., "Map Projections in the Renaissance," in Cartography in the European Renaissance, edited by David Woodward, vol. 3 of The History of Cartography, Chicago, University of Chicago Press, 2008, pp. 365-381. WOODWARD, D., "Cartography in the Renaissance: Continuity and Change," in Cartography in the European Renaissance, edited by David Woodward, vol. 3 of The History of Cartography, Chicago, University of Chicago Press, 2008, pp. 3-24.
Traduzido do Inglês por: Dominique Faria.