Data de publicação
2009
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Período
Área Geográfica
O arquipélago da Madeira é composto pelas ilhas da Madeira, do Porto Santo, as Desertas (Bugio, Deserta Grande e Ilhéu Chão) e as Selvagens (Selvagem Grande e Selvagem Pequena), constituindo actualmente a Região Autónoma da Madeira da República Portuguesa.

O descobrimento deste arquipélago está envolvido pela bruma romântica da lenda de Machim e pela ausência de informações concisas nas obras dos cronistas.

De acordo com Gomes Eanes da Zurara, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, escudeiros de D. Henrique, «depois da vinda que o Infante fez do descerco de Ceuta», desejosos de bem servirem o seu Senhor, alcançaram dele o comando de um navio, para na costa africana combaterem os mouros. Devido à adversidade das condições meteorológicas, estes dois escudeiros aportaram na ilha do Porto Santo.

Para uma datação rigorosa da chegada dos portugueses, importava fixar, com rigor, o descerco de Ceuta, que o próprio cronista ora situou em 1418 ora em 1419. Porém, no Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte (Livro da Cartuxa) esse acontecimento foi datado como tendo ocorrido em 9 de Outubro de 1419. Damião de Góis, na Crónica do Príncipe D. João, registou também o mesmo facto no ano de 1419. Nesta lógica, Zarco e Tristão teriam chegado ao Porto Santo em 1420. No entanto, Jerónimo Dias Leite registou que os portugueses saíram do Restelo na entrada de Junho de 1419, com um navio de armada e um barinel, tendo chegado àquela ilha em poucos dias.

Conforme Francisco Alcoforado, esta ilha era conhecida, já há dois anos, por uns navios castelhanos que se dirigiam para as Canárias e, mais recentemente, por franceses, facto repetido por Dias Leite.

Os portugueses permaneceram pouco tempo no Porto Santo, pois, quiseram descobrir «o negrume» ao longe, que dali se observava e atemorizava os mareantes. Desta ilha, avista-se, em dias claros, a Madeira, como, aliás, anotou Cadamosto em 1455, de modo que, muito naturalmente, rumaram na sua direcção, a fim de explorar o seu litoral. Dias Leite situou a chegada à baía de Machico na noite de 1 de Julho de 1419. Todavia, o desembarque, a primeira missa e a exploração do vale ocorreram no dia seguinte.

Continuaram o reconhecimento do litoral madeirense até ao Cabo do Girão, assim denominado por ser a «a derradeira parte e cabo do giro de seu caminho e descobrimento», tendo regressado ao Funchal, onde pernoitaram junto dos ilhéus da baía, como na noite anterior, em que pela primeira vez tinham visto aquele majestoso vale de «frescos e alegres seixos» coberto de «infindo funcho».

Regressaram depois ao Reino para darem notícias a D. João I, louvando a abundância de água e madeiras e as potencialidades da terra para fins agrícolas. O acontecimento foi celebrado em Lisboa com procissões e danças, como narraram Alcoforado e Dias Leite. No Verão seguinte, na entrada de Maio, ainda segundo as mesmas fontes, o rei «mandou fazer prestes navios» a fim de povoar estas ilhas.

Certo é que o arquipélago madeirense era conhecido, pelo menos, desde meados do século XIV. Além de outras cartas geográficas, as ilhas madeirenses estão representadas no Atlas Medicis de Mediceo (c. 1370), na carta atribuída aos irmãos Pizzigani (1367), numa folha do planisfério catalão de Abraão Cresques (1375), na carta de Solleri (1385) e na carta de Pinelli, de 1390. No mapa de Pasqualini (1408), as ilhas estão legendadas com os respectivos nomes em português, o que parece provar que os nossos marinheiros frequentavam já o arquipélago da Madeira, provavelmente como escala das expedições às Canárias, para aguada. Recorde-se que já antes de 1336, D. Afonso IV enviara armadas de reconhecimento e conquista às Canárias.

A iniciativa do povoamento do arquipélago madeirense deveu-se ao rei D. João I, sendo, provavelmente, de 1425, o Regimento entregue ao capitão João Gonçalves Zarco, sobre concessão de terras da Madeira. Todavia, na crónica de Dias Leite, escrita por volta de 1579, afirma-se que os capitães Zarco, Tristão e Bartolomeu Perestrelo partiram, em 1420, para povoar as ilhas da Madeira e Porto Santo.

Os primeiros povoadores são mencionados por Alcoforado, Dias Leite e Frutuoso como sendo Zarco, sua mulher e três filhos, Bartolomeu Perestrelo e Tristão, alguns homiziados e condenados (não por fé, traição, furto ou roubo), e os que quiseram partir em busca de melhor vida, os quais, nesta viagem, eram, na sua maioria, oriundos do Algarve.

Esta afirmação tem levado à falsa conclusão de que o povoamento da Madeira se fizera essencialmente com algarvios, quando a genealogia e a etnologia apontam a região de Entre Douro e Minho como a origem geográfica do povoamento da Madeira, o mesmo indicando a documentação histórica para o século XVI.

Os primeiros povoadores, para além das suas crenças e tradições, trouxeram gado, animais domésticos, sementes, alfaias e tudo o que era necessário para se fixarem nestas ilhas nunca dantes habitadas. Trataram, de imediato, de obter solo arável, promovendo queimadas mais ou menos controladas. Da terra começaram a arrancar o sustento e, desde cedo, o Funchal tornou-se lugar promissor.

Os vales, as achadas, fajãs, os lombos e lombadas foram cedo povoados e converteram-se em boas terras de semeadura, ricos canaviais e vinhedos preciosos.

A abundância de água e a fertilidade dos solos tornaram a Madeira, desde os primeiros tempos, a ilha mais próspera e a que maior número de povoadores atraiu, ao passo que o Porto Santo apresentou sempre um desenvolvimento lento e difícil. Morfológica e climatologicamente, a ilha de Bartolomeu Perestrelo não apresentava condições favoráveis para a agricultura de exportação. É, pois, bastante acentuada a oposição entre as ilhas da Madeira e do Porto Santo, quer nos seus aspectos naturais quer nas formas de ocupação humana.

Zurara refere que, por alturas de 1446, havia na ilha da Madeira 150 moradores, não contando com os membros do clero, mercadores, homens e mulheres solteiros e jovens nascidos na ilha. O número indicado por Zurara deve dizer respeito aos proprietários de explorações agrícolas.

O navegador veneziano, Luís de Cadamosto, visitando a ilha em 1455, regista «uns oitocentos homens» (800 vizinhos), dos quais cem são de cavalo (100 proprietários fundiários), considerando como povoações principais Funchal, Machico, Santa Cruz e Câmara de Lobos. Por meados do século XV, a população deveria, pois, rondar os 3200 a 3600 habitantes.

A intensificação da cultura da cana sacarina fez atrair à ilha um número considerável de povoadores e de escravos. Originou também a fixação de muitos flamengos, franceses, castelhanos, genoveses, florentinos e outros estrangeiros que, a partir da década de oitenta do século XV, investiram em canaviais, engenhos e levadas, passando assim a se distinguirem na estrutura fundiária madeirense. Alguns deles, talvez a sua maioria, tinham vindo para a ilha, motivados apenas pelo comércio do açúcar, mas depois fixarem-se, adquirindo a condição de moradores.

O povoamento do arquipélago da Madeira está, desde o início, associado a uma economia de exploração agrícola, com a predominância de uma cultura rica, ainda que sem as características da monocultura.

Por carta de 26 de Setembro de 1433, o rei D. Duarte doou o arquipélago da Madeira a seu irmão, o infante D. Henrique, com todos os direitos e rendas, bem como a jurisdição cível e crime, salvo em sentença de morte ou talhamento de membro. O donatário não podia também cunhar moeda própria nas ilhas. Nesta data, a Ordem de Cristo recebeu «todo o espiritual» das mesmas ilhas, a pedido de D. Henrique, como declarou o rei na respectiva carta de doação. Desta forma, o Infante ficou duplamente vinculado ao arquipélago madeirense: como donatário e como regedor e governador dos cavaleiros de Tomar. A doação de D. Duarte à Ordem de Cristo reservava, no entanto, para a Coroa o foro e o dízimo de todo o pescado das ilhas do arquipélago madeirense, bem como todos os outros direitos reais.

O Infante D. Henrique dividiu o arquipélago da Madeira em capitanias, sendo este sistema a verdadeira estrutura-base da administração insular nos séculos XV e XVI, embora só viesse a ser extinto com as reformas pombalinas. A capitania de Machico foi doada a Tristão, em 8 de Maio de 1440, a do Porto Santo, a Bartolomeu Perestrelo a 1 Novembro de 1446 e a do Funchal, no 1.º de Novembro de 1450, a João Gonçalves Zarco.

A instituição da capitania do Funchal, depois da de Machico e da do Porto Santo, e quase trinta anos após o início do povoamento, só pode ser vista como a legitimação jurídica de uma situação que já o era de facto. Com efeito, Zarco capitaneou a expedição às ilhas e, desde os primórdios da ocupação portuguesa do arquipélago, assumiu, por mandado de D. João I, papel relevante na distribuição de terras. Foi também ele, segundo Jerónimo Dias Leite, quem traçou a capitania de Machico por regimento do Infante D. Henrique.

Valentim Fernandes explicou a fixação de Zarco no Funchal, de Tristão em Machico e de Bartolomeu Perestrelo no Porto Santo pelas «diferenças» que entre eles ocorreram. Contudo, nenhuma outra fonte corrobora estas afirmações.

As demais crónicas e as fontes oficiais atribuem ao Infante D. Henrique a instituição das capitanias. No entanto, tanto Zurara como Dias Leite fazem coincidir a partilha do arquipélago com o início do povoamento, o que vem em abono da tese que defende que as cartas de doação das capitanias apenas vieram legitimar divisão existente desde os primórdios da ocupação das ilhas.

As cartas de doação concediam as capitanias de juro e herdade, embora sujeitas a confirmação régia por sucessão e de «rei a rei». O capitão exercia a jurisdição cível e criminal do donatário, excepto nos casos de crimes punidos com pena de morte ou mutilação. O capitão tinha os seus rendimentos senhoriais: rendas territoriais (terras e foros), redízima e as rendas decorrentes da posse e governo da capitania, tais como o selo donatarial, e ainda privilégios de cunho banal sobre moinhos, fornos, serras de água, sabão e sal.

Bibliografia:
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