Data de publicação
2016
Fundado em 1604 no reinado de Filipe III de Espanha, o Conselho da Índia deveria constituir-se como um órgão tendencialmente mais especializado, organizado e centralizado no respeitante à administração do império português, desde 1581 inserido no vasto leque de territórios da Monarquia dos Áustrias.
O objectivo mais claro deste tribunal seria agilizar a administração do ultramar português através da unificação de competências relacionadas com o Brasil, Estado da Índia, Guiné, São Tomé e Cabo Verde, encontrando-se portanto excluídas das suas competências as ilhas dos Açores e Madeira, bem como os territórios do Norte de África, considerados já prolongamentos geográficos, políticos, sociais e económicos do próprio reino.
A partir de 1604, qualquer correspondência vinda dos referidos territórios passava a ser dirigida em primeiro lugar aos membros do Conselho da Índia, estando o seu presidente encarregue de a recolher, aquando a chegada dos navios ao porto de Lisboa. Queixas contra este poderio chegaram ao monarca hispânico, dirigidas pelo próprio vice-rei de Portugal D. Pedro de Castilho, que discordava do lugar secundário que se lhe destinava neste processo, e a verdade é que, pelos desejos do Conselho da Índia, ter-se-ia desenvolvido um sistema de autonomia inédito, ainda que não totalmente descabido, uma vez que o Conselho seria, à partida, «a autoridade mais competente para se pronunciar sobre matérias do ultramar, de modo que, com legítimo fundamento, o rei poderia deliberar sobre as suas consultas sem necessidade de esperar por uma segunda opção» (LUZ, 1952, pp. 111-112).
Depois de analisada a correspondência e de elaborados os pareceres do Conselho, os papéis passariam ao Vice-Rei de Lisboa, que emitiria o seu parecer e o dirigiria ao Conselho de Portugal, em Madrid. Ao Conselho de Portugal cabia então a tarefa de fazer chegar as diversas opiniões ao monarca, a quem cabia a decisão final. O passo seguinte não se nos afigura claro, mas os documentos consultados fazem-nos pensar que, depois de Madrid, o círculo de comunicação seria fechado com o regresso da decisão ao Conselho da Índia, a quem cabia o envio das ordens às possessões ultramarinas.
Mas não só com o Vice-Rei se deram quezílias jurisdicionais, havendo-as também com os órgãos administrativos pré-existentes, como a Mesa da Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda ou o Desembargo do Paço, que viram as suas prerrogativas diminuídas, e durante algum tempo continuaram a exercer o seu juízo em matérias que já não lhes seriam reservadas, obrigando o monarca a reafirmar o Regimento através de uma Carta Régia datada de fins de 1604, na qual se proibiam os restantes organismos de consultar relativamente aos assuntos da competência do Conselho da Índia e obrigando à entrega de todos os papéis que pertenciam ao novo tribunal.
Segundo o Regimento, os membros do Conselho deveriam ser pelo menos nove, definindo-se a obrigatoriedade de dois porteiros, dois secretários, um presidente e quatro conselheiros, que reuniriam diariamente no Paço da Ribeira, durante três horas pela manhã, no Inverno entre as oito e as onze horas e no Verão a partir das sete.
Um dado importante a ter em conta prende-se com o facto de que todas as personalidades que ocuparam a presidência do Conselho tenham anteriormente desempenhado funções de topo na Índia: Fernão Teles de Meneses como governador em 1581 e D. Francisco de Mascarenhas e D. Francisco da Gama como vice-reis, o primeiro entre 1581 e 1584 e o segundo de 1597 a 1600. A concordância nos postos ocupados antes da chegada ao Conselho da Índia não é fruto de um acaso, mas sim de um desígnio régio, e o facto de não se requerer como presidente do Conselho um especialista em direito, um eclesiástico ou um fidalgo entendido nas dinâmicas dos territórios africanos ou americanos, mas sim um «fidalgo principal de muita experiência e partes; e que haja sido Viso Rei da Índia» (LUZ, 1952, p. 148), mostra-nos uma possível hierarquia dos territórios ultramarinos que se encontravam sob a tutela de Portugal.
Os quatro conselheiros de capa e espada que servem no Conselho da Índia são D. Francisco de Almeira, Pedro de Mendonça Furtado, João Correia de Sousa e João Furtado de Mendonça. Todos eles tinham a Índia no seu currículo, com a excepção do primeiro, que desempenhou as suas funções em África. Filho de D. Luísa de Ornelas e de D. João de Almeida, é nomeado governador de Tânger em Julho de 1581, cargo que exerceu até 1590, com diversos feitos relatados por D. Fernando de Menezes, conde da Ericeira, na sua História de Tânger. «Na guerra procedeu com valentia, e com prudência na paz. A seus súbditos (…) animou e consolou de perdas sofridas, realçou e aumentou a cavalaria e ergueu as armas quase à primeira reputação» (MENEZES, 1949, p. 131), pelo que, em tom de recompensa, foi nomeado em 1592 Governador-Geral de Angola, cargo que lhe permite tonar-se grande conhecedor das «articulações dos agentes coloniais no Atlântico», bem como da «vinculação entre o tráfico de escravos africanos e a questão indígena no Brasil» (BONCIANI, 2013, p. 6).
João Furtado de Mendonça, que «embarca para a Índia e lá serviu durante cerca de doze anos consecutivos como capitão de galés e de navios e capitão-mor das Armadas do Estreito de Ormuz e de Malaca» (LUZ, 1952, p. 153), sendo também Governador-Geral de Angola entre 1592 e 1602, «onde alargou consideravelmente o domínio português para o interior da colónia, socorrendo Massangano, combatendo com êxito o rebelde Sova Muxina, em cujas terras constrói um presídio e assegurando deste modo a posse definitiva daqueles territórios para a Coroa de Portugal» (LUZ, 1952, p. 154), foi nomeado Conselheiro da Índia em substituição de Pedro de Mendonça Furtado, que «por esperar que o Rei o nomeasse presidente não voltou mais às reuniões do Conselho desde que se escolhera para aquele cargo a D. Francisco da Gama» (LUZ, 1952, p. 153).
O último dos conselheiros, João Correia de Sousa, foi nomeado em Setembro de 1612 para substituir D. Francisco de Almeida, tendo desempenhado funções no Oriente, destacando-se a participação no aprisionamento do Cunhale, e no socorro a Amboíno em 1598. Foi ainda capitão de uma armada da Índia, em 1607. Aposentou-se dois anos depois, aquando da extinção do Conselho da Índia.
No que toca aos quatro conselheiros letrados, também se encontra alguma concordância, sendo o currículo de todos marcado pela passagem por tribunais da Relação. Sebastião Barbosa e Francisco Vaz Pinto, os primeiros dois em funções, haviam sido Desembargadores na Suplicação de Lisboa em períodos coincidentes, havendo portanto contacto entre ambos antes da pertença ao Conselho. Aqueles que os substituíram – Antão de Mesquita e Simão Soares de Carvalho – tinham ambos exercido a função de Juízes na Relação de Goa, Antão de Mesquita em 1601 e 1602 (HISTORICAL, 1602, Setembro, 3, cód. 3033, fls. 273-274) e Simão Soares de Carvalho em datas que até então desconhecemos. Estes dois últimos conselheiros tinham ainda currículos concordantes pela ocupação de cargos no Tribunal da Inquisição de Goa. Note-se apenas a mudança no foco das nomeações, passando-se de conselheiros com funções até aí desempenhadas no reino para conselheiros que haviam prestado serviços na Índia e que, por isso, conheceriam profundamente as suas dinâmicas políticas, sociais e económicas.
Os motivos da extinção do Conselho, em 1614, são até hoje pouco claros, sabendo-se apenas que os projectos de revisão do seu Regimento nunca chegaram a ser concretizados.
Bibliografia:
BONCIANI, Rodrigo Faustoni, O reinado de Filipe III e a configuração das relações de poder político e dominium em perspectiva ibero-atlântica, XXVII Simpósio Nacional de História, Natal-Rio de Janeiro, 2013; CAMARINHAS, Nuno, Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010; Historical Archives of Goa; LUZ, Francisco Mendes da, O Conselho da India: contributo ao estudo da história da administração e do comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1952. MENEZES, D. Fernando de, História de Tânger durante la dominacion portuguesa, Tânger, Tipographia Hispano-Arabiga de la Mision Catolica, 1949; ZÚQUETE, Afonso, Tratado de Todos os Vice-Reis e Governadores da Índia, Lisboa, Editorial Enciclopédia, 1962.
O objectivo mais claro deste tribunal seria agilizar a administração do ultramar português através da unificação de competências relacionadas com o Brasil, Estado da Índia, Guiné, São Tomé e Cabo Verde, encontrando-se portanto excluídas das suas competências as ilhas dos Açores e Madeira, bem como os territórios do Norte de África, considerados já prolongamentos geográficos, políticos, sociais e económicos do próprio reino.
A partir de 1604, qualquer correspondência vinda dos referidos territórios passava a ser dirigida em primeiro lugar aos membros do Conselho da Índia, estando o seu presidente encarregue de a recolher, aquando a chegada dos navios ao porto de Lisboa. Queixas contra este poderio chegaram ao monarca hispânico, dirigidas pelo próprio vice-rei de Portugal D. Pedro de Castilho, que discordava do lugar secundário que se lhe destinava neste processo, e a verdade é que, pelos desejos do Conselho da Índia, ter-se-ia desenvolvido um sistema de autonomia inédito, ainda que não totalmente descabido, uma vez que o Conselho seria, à partida, «a autoridade mais competente para se pronunciar sobre matérias do ultramar, de modo que, com legítimo fundamento, o rei poderia deliberar sobre as suas consultas sem necessidade de esperar por uma segunda opção» (LUZ, 1952, pp. 111-112).
Depois de analisada a correspondência e de elaborados os pareceres do Conselho, os papéis passariam ao Vice-Rei de Lisboa, que emitiria o seu parecer e o dirigiria ao Conselho de Portugal, em Madrid. Ao Conselho de Portugal cabia então a tarefa de fazer chegar as diversas opiniões ao monarca, a quem cabia a decisão final. O passo seguinte não se nos afigura claro, mas os documentos consultados fazem-nos pensar que, depois de Madrid, o círculo de comunicação seria fechado com o regresso da decisão ao Conselho da Índia, a quem cabia o envio das ordens às possessões ultramarinas.
Mas não só com o Vice-Rei se deram quezílias jurisdicionais, havendo-as também com os órgãos administrativos pré-existentes, como a Mesa da Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda ou o Desembargo do Paço, que viram as suas prerrogativas diminuídas, e durante algum tempo continuaram a exercer o seu juízo em matérias que já não lhes seriam reservadas, obrigando o monarca a reafirmar o Regimento através de uma Carta Régia datada de fins de 1604, na qual se proibiam os restantes organismos de consultar relativamente aos assuntos da competência do Conselho da Índia e obrigando à entrega de todos os papéis que pertenciam ao novo tribunal.
Segundo o Regimento, os membros do Conselho deveriam ser pelo menos nove, definindo-se a obrigatoriedade de dois porteiros, dois secretários, um presidente e quatro conselheiros, que reuniriam diariamente no Paço da Ribeira, durante três horas pela manhã, no Inverno entre as oito e as onze horas e no Verão a partir das sete.
Um dado importante a ter em conta prende-se com o facto de que todas as personalidades que ocuparam a presidência do Conselho tenham anteriormente desempenhado funções de topo na Índia: Fernão Teles de Meneses como governador em 1581 e D. Francisco de Mascarenhas e D. Francisco da Gama como vice-reis, o primeiro entre 1581 e 1584 e o segundo de 1597 a 1600. A concordância nos postos ocupados antes da chegada ao Conselho da Índia não é fruto de um acaso, mas sim de um desígnio régio, e o facto de não se requerer como presidente do Conselho um especialista em direito, um eclesiástico ou um fidalgo entendido nas dinâmicas dos territórios africanos ou americanos, mas sim um «fidalgo principal de muita experiência e partes; e que haja sido Viso Rei da Índia» (LUZ, 1952, p. 148), mostra-nos uma possível hierarquia dos territórios ultramarinos que se encontravam sob a tutela de Portugal.
Os quatro conselheiros de capa e espada que servem no Conselho da Índia são D. Francisco de Almeira, Pedro de Mendonça Furtado, João Correia de Sousa e João Furtado de Mendonça. Todos eles tinham a Índia no seu currículo, com a excepção do primeiro, que desempenhou as suas funções em África. Filho de D. Luísa de Ornelas e de D. João de Almeida, é nomeado governador de Tânger em Julho de 1581, cargo que exerceu até 1590, com diversos feitos relatados por D. Fernando de Menezes, conde da Ericeira, na sua História de Tânger. «Na guerra procedeu com valentia, e com prudência na paz. A seus súbditos (…) animou e consolou de perdas sofridas, realçou e aumentou a cavalaria e ergueu as armas quase à primeira reputação» (MENEZES, 1949, p. 131), pelo que, em tom de recompensa, foi nomeado em 1592 Governador-Geral de Angola, cargo que lhe permite tonar-se grande conhecedor das «articulações dos agentes coloniais no Atlântico», bem como da «vinculação entre o tráfico de escravos africanos e a questão indígena no Brasil» (BONCIANI, 2013, p. 6).
João Furtado de Mendonça, que «embarca para a Índia e lá serviu durante cerca de doze anos consecutivos como capitão de galés e de navios e capitão-mor das Armadas do Estreito de Ormuz e de Malaca» (LUZ, 1952, p. 153), sendo também Governador-Geral de Angola entre 1592 e 1602, «onde alargou consideravelmente o domínio português para o interior da colónia, socorrendo Massangano, combatendo com êxito o rebelde Sova Muxina, em cujas terras constrói um presídio e assegurando deste modo a posse definitiva daqueles territórios para a Coroa de Portugal» (LUZ, 1952, p. 154), foi nomeado Conselheiro da Índia em substituição de Pedro de Mendonça Furtado, que «por esperar que o Rei o nomeasse presidente não voltou mais às reuniões do Conselho desde que se escolhera para aquele cargo a D. Francisco da Gama» (LUZ, 1952, p. 153).
O último dos conselheiros, João Correia de Sousa, foi nomeado em Setembro de 1612 para substituir D. Francisco de Almeida, tendo desempenhado funções no Oriente, destacando-se a participação no aprisionamento do Cunhale, e no socorro a Amboíno em 1598. Foi ainda capitão de uma armada da Índia, em 1607. Aposentou-se dois anos depois, aquando da extinção do Conselho da Índia.
No que toca aos quatro conselheiros letrados, também se encontra alguma concordância, sendo o currículo de todos marcado pela passagem por tribunais da Relação. Sebastião Barbosa e Francisco Vaz Pinto, os primeiros dois em funções, haviam sido Desembargadores na Suplicação de Lisboa em períodos coincidentes, havendo portanto contacto entre ambos antes da pertença ao Conselho. Aqueles que os substituíram – Antão de Mesquita e Simão Soares de Carvalho – tinham ambos exercido a função de Juízes na Relação de Goa, Antão de Mesquita em 1601 e 1602 (HISTORICAL, 1602, Setembro, 3, cód. 3033, fls. 273-274) e Simão Soares de Carvalho em datas que até então desconhecemos. Estes dois últimos conselheiros tinham ainda currículos concordantes pela ocupação de cargos no Tribunal da Inquisição de Goa. Note-se apenas a mudança no foco das nomeações, passando-se de conselheiros com funções até aí desempenhadas no reino para conselheiros que haviam prestado serviços na Índia e que, por isso, conheceriam profundamente as suas dinâmicas políticas, sociais e económicas.
Os motivos da extinção do Conselho, em 1614, são até hoje pouco claros, sabendo-se apenas que os projectos de revisão do seu Regimento nunca chegaram a ser concretizados.
Bibliografia:
BONCIANI, Rodrigo Faustoni, O reinado de Filipe III e a configuração das relações de poder político e dominium em perspectiva ibero-atlântica, XXVII Simpósio Nacional de História, Natal-Rio de Janeiro, 2013; CAMARINHAS, Nuno, Juízes e administração da justiça no Antigo Regime: Portugal e o império colonial, séculos XVII e XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010; Historical Archives of Goa; LUZ, Francisco Mendes da, O Conselho da India: contributo ao estudo da história da administração e do comércio do ultramar português nos princípios do século XVII, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1952. MENEZES, D. Fernando de, História de Tânger durante la dominacion portuguesa, Tânger, Tipographia Hispano-Arabiga de la Mision Catolica, 1949; ZÚQUETE, Afonso, Tratado de Todos os Vice-Reis e Governadores da Índia, Lisboa, Editorial Enciclopédia, 1962.