Data de publicação
2009
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Localizado na costa ocidental africana, no Saara Ocidental, o Cabo Bojador (26° 07' 37"N; ° 29' 57"O) representou durante largos anos um obstáculo, físico e conceptual, ao progresso das navegações portuguesas no Atlântico. O feito da sua passagem, protagonizado por Gil Eanes, foi um passo decisivo na ultrapassagem das barreiras mentais herdadas da Antiguidade e um marco no movimento de expansão ultramarina.
Desde os geógrafos da Antiguidade, como Ptolemeu no século II d.C., até aos autores medievais, como Sacrobosco no século XII d.C., o pensamento geográfico e cosmográfico foi marcado por interdições espaciais, quer ao nível da geografia física, quer ao nível das mentalidades. O mundo habitável era entendido como uma simples parcela de uma realidade maior, impossível de ser explorada e conhecida, marcada por oceanos intransponíveis e terras inabitáveis. Os limites do mundo habitado constituíam verdadeiras barreiras conceptuais, estreitamente ligadas ao sagrado, que assombravam o imaginário dos europeus. O imaginário geográfico moldava e influenciava, assim, de forma indelével a construção de um entendimento do Mundo. Este entendimento era por sua vez caracterizado por uma visão compartimentada e hierárquica que opunha um mundo conhecido e ordenado, ao caos do desconhecido onde os elementos naturais se extremavam. Perante esta dicotomia, o mar surgia como uma fronteira.
Pela sua posição costeira, na passagem para o mundo desconhecido da África Subsaariana, caracterizada como sendo uma zona tórrida e inabitável, o Cabo Bojador constituiu tradicionalmente uma destas barreiras sacras que povoavam o imaginário geográfico da Idade Média tardia. A navegação para lá desta latitude era considerada perigosa, senão mesmo impossível. Para tal contribuíram, em grande medida, os ventos e correntes que, em conjunto com os baixios e falésias, tornavam arriscada a tradicional navegação costeira.
Perante estas dificuldades, a passagem do Cabo em 1434, representou o corolário de um processo moroso, impulsionado pelo patronato do Infante D. Henrique. São, de facto, mencionadas diversas tentativas fracassadas de ultrapassar este obstáculo, de encontrar uma passagem segura através de uma região interdita, ao longo de mais de uma década, antes da bem sucedida expedição de Gil Eanes. O feito, atingido através de uma navegação afastada da costa que permitiu evitar os maiores perigos do local, representou um verdadeiro salto conceptual uma vez que não só eram levantadas as interdições mentais associadas do Cabo Bojador, como se provava igualmente que o mar a sul desta região era navegável e não um mundo de caos que, povoado por monstros, fervia.
A passagem do Cabo Bojador veio, então, a constituir um passo fundamental no longo e progressivo processo de remissão dos medos tradicionais associados ao imaginário herdado da Antiguidade perante o conhecimento adquirido através das navegações de exploração ultramarina. Tornou-se, desta forma, um marco num processo de evolução, no tempo longo, das representações mentais do desconhecido e da geografia terrestre. A dobragem do Cabo permitiu igualmente a continuação das navegações portuguesas na costa ocidental africana, que viriam a ganhar cada vez maior dimensão ao longo das décadas subsequentes.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo, Henrique, o Infante, Lisboa, Esfera dos Livros, 2009. RANDLES, W. G. L., "La signification cosmographique du passage du cap Bojador" in Studia, nº 8, 1961, pp. 221-256.
Desde os geógrafos da Antiguidade, como Ptolemeu no século II d.C., até aos autores medievais, como Sacrobosco no século XII d.C., o pensamento geográfico e cosmográfico foi marcado por interdições espaciais, quer ao nível da geografia física, quer ao nível das mentalidades. O mundo habitável era entendido como uma simples parcela de uma realidade maior, impossível de ser explorada e conhecida, marcada por oceanos intransponíveis e terras inabitáveis. Os limites do mundo habitado constituíam verdadeiras barreiras conceptuais, estreitamente ligadas ao sagrado, que assombravam o imaginário dos europeus. O imaginário geográfico moldava e influenciava, assim, de forma indelével a construção de um entendimento do Mundo. Este entendimento era por sua vez caracterizado por uma visão compartimentada e hierárquica que opunha um mundo conhecido e ordenado, ao caos do desconhecido onde os elementos naturais se extremavam. Perante esta dicotomia, o mar surgia como uma fronteira.
Pela sua posição costeira, na passagem para o mundo desconhecido da África Subsaariana, caracterizada como sendo uma zona tórrida e inabitável, o Cabo Bojador constituiu tradicionalmente uma destas barreiras sacras que povoavam o imaginário geográfico da Idade Média tardia. A navegação para lá desta latitude era considerada perigosa, senão mesmo impossível. Para tal contribuíram, em grande medida, os ventos e correntes que, em conjunto com os baixios e falésias, tornavam arriscada a tradicional navegação costeira.
Perante estas dificuldades, a passagem do Cabo em 1434, representou o corolário de um processo moroso, impulsionado pelo patronato do Infante D. Henrique. São, de facto, mencionadas diversas tentativas fracassadas de ultrapassar este obstáculo, de encontrar uma passagem segura através de uma região interdita, ao longo de mais de uma década, antes da bem sucedida expedição de Gil Eanes. O feito, atingido através de uma navegação afastada da costa que permitiu evitar os maiores perigos do local, representou um verdadeiro salto conceptual uma vez que não só eram levantadas as interdições mentais associadas do Cabo Bojador, como se provava igualmente que o mar a sul desta região era navegável e não um mundo de caos que, povoado por monstros, fervia.
A passagem do Cabo Bojador veio, então, a constituir um passo fundamental no longo e progressivo processo de remissão dos medos tradicionais associados ao imaginário herdado da Antiguidade perante o conhecimento adquirido através das navegações de exploração ultramarina. Tornou-se, desta forma, um marco num processo de evolução, no tempo longo, das representações mentais do desconhecido e da geografia terrestre. A dobragem do Cabo permitiu igualmente a continuação das navegações portuguesas na costa ocidental africana, que viriam a ganhar cada vez maior dimensão ao longo das décadas subsequentes.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo, Henrique, o Infante, Lisboa, Esfera dos Livros, 2009. RANDLES, W. G. L., "La signification cosmographique du passage du cap Bojador" in Studia, nº 8, 1961, pp. 221-256.