Data de publicação
2009
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Área Geográfica
(Kannanur ou Kannur), cidade portuária situada no norte da costa do Malabar, foi o local de instalação de uma das primeiras feitorias portuguesas na região, mantendo-se sob domínio português durante mais de século e meio. Localiza-se no actual estado do Kerala na Republica da Índia em 11º 51'19.00º N e 75º 21'41.82º L.

O Malabar detinha um importante papel enquanto região produtora e exportadora de especiarias, como a pimenta. Ao nível político era caracterizado, em finais do século XV, por um mosaico de pequenos reinos. Apesar de maioritariamente hindus, estes abrigavam importantes comunidades de mercadores islamizados.

Entre estes estados encontrava-se o Reino de Kolathunad, cujos rajás pertenciam à família Kolathiri. Com raízes ancestrais, este reino, organizava-se em torno do Monte Eli. Era uma região naturalmente propicia às escalas dos navios que chegavam e partiam da costa do Malabar.

Destacado porto comercial deste reino na viragem para o século XVI, a cidade de Cananor, situada a curta distância de Valarpattanam, centro político e cerimonial de Kolathunad, era, no entanto, obscurecido ao nível regional pela hegemonia do principal entreposto de especiarias do Malabar, a cidade de Calicute.

Foi este o quadro geral encontrado pelos Portugueses quando chegaram à região. Avistada pela armada de Vasco da Gama durante a sua viagem, em 1498, Cananor foi visitada pela primeira vez por uma armada portuguesa em Janeiro de 1501, com a chegada das embarcações de Pedro Álvares Cabral, em resposta ao convite do soberano local. A armada de João da Nova, no final desse mesmo ano, efectivou a presença portuguesa na cidade com o estabelecimento de uma feitoria reorganizada no ano seguinte por Vasco da Gama, que lá deixou como feitor Gonçalo Gil Barbosa.

O estabelecimento comercial português procurava aproveitar a oportunidade de desviar o comércio de especiarias de Calicute. De facto, a região de Cananor apresentava alguma abundância de especiarias, principalmente gengibre e cardomomo, sendo que a pimenta, apesar de considerada a melhor do Malabar, era bastante escassa. Era igualmente um porto relativamente importante de importação de cavalos para os exércitos do Império de Vijayanagar. O comércio da cidade era, antes da chegada dos Portugueses, dominado por mercadores muçulmanos, os Mappilas ou "Mouros da Terra", descendentes de casamentos entre mercadores árabes ou persas e mulheres locais, normalmente originárias de castas inferiores. Estes detinham o domínio do comércio intra-asiático, nomeadamente com o arquipélago das Maldivas, e cedo fizeram sentir junto do soberano Kolathiri a sua oposição à presença portuguesa na cidade de Cananor.

Foi esta rivalidade entre Portugueses e Mappilas que levou a que, em Outubro de 1505, a armada do futuro vice-rei D. Francisco de Almeida se demorasse na cidade de Cananor. Perante o quadro de tensão apresentado pelo feitor, D. Francisco de Almeida encetou negociações com o soberano local para a construção de uma fortaleza que pudesse defender a feitoria. A fortificação começou a ser erguida, ainda em 1505, no espaço correspondente a um longo promontório que se projectava sobre o mar, dominando a baía, alguma distância a leste da cidade de Cananor. Neste local foi erguida uma muralha, à qual foi acrescentado um fosso, defendendo o corpo da feitoria-fortaleza de ataques a partir de terra.

O conjunto fortificado, denominado forte de Santo Ângelo, encontrava-se já firmemente implantado no local quando, entre Maio e Agosto de 1507, foi submetido a um duro cerco. Este decorreu de uma sucessão dinástica na dinastia Kolathiri que colocou no trono um herdeiro sensível aos interesses do Samorim de Calicute e da comunidade Mappilla de Cananor. O assédio apenas foi debelado com a chegada de reforços que levaram este soberano a assumir uma posição conciliatória com os Portugueses.

O conflito latente com os mercadores muçulmanos de Cananor, agudizado pela posição ambígua dos soberanos hindus de Kolathunad, tornou-se desde cedo um dado estrutural da fixação portuguesa na região, influenciando o desenvolvimento urbano da cidade. A Cananor portuguesa era, consequentemente, organizada em torno da fortaleza. Esta era dominada pela torre de menagem, junto da qual se encontrava a residência do capitão. O forte foi reforçado em 1526, por ordem do governador Lopo Vaz Sampaio. A leste do corpo central da fortaleza, entre esta e a muralha exterior defendida pelo fosso, encontrava-se a zona habitacional da cidade que, no século XVII, seria composta por cerca de quarenta famílias de "casados" portugueses e trinta de "casados da terra", cristãos nativos. A ocidente, na extremidade do promontório, encontrava-se o cais e alguns edifícios de relevo, nomeadamente o hospital e os armazéns de mantimentos e munições, e uma ermida. Estendendo-se para fora das muralhas da cidade portuguesa, encontrava-se uma área mista, contendo principalmente população luso-indiana ou cristianizada, e uma pequena aldeia piscatória hindu.

A cidade nativa de Cananor, designada "bazar dos mouros" nas fontes portuguesas, encontrava-se no centro da baía a alguma distância da fortaleza portuguesa. Caracterizava-a a realização de um mercado diário, a que acorriam mercadores de diversas origens, mantendo uma actividade portuária paralela à da feitoria portuguesa. Os mercadores da comunidade Mappilla desta cidade conseguiram, ao longo do século XVI, montar uma rede comercial hegemónica sobre o porto de Cananor e os arquipélagos das Laquedivas e das Maldivas. A sua riqueza e importância levaram a que a cidade surgisse como uma nova centralidade política na costa do Malabar, sendo que, em meados do século XVI, Cananor e a região costeira em seu redor deixaram de obedecer aos soberanos Kolathiri, dando origem à primeira dinastia muçulmana da região, a dos Ali Rajás.

Cananor era desta forma uma cidade composta por espaços profundamente diferenciados sendo que a tensão latente entre portugueses e muçulmanos, apesar de nem sempre ter levado a conflitos directos, se manteve ao longo dos cento e sessenta anos de presença portuguesa. Apesar desta tensão, a posição da cidade enquanto entreposto comercial de média importância manteve-se, sendo que os portugueses se ocupavam do comércio de especiarias, sobretudo gengibre, a longa distância e os mercadores muçulmanos dominavam as redes comerciais inter-indianas. A importância de Cananor enquanto porto de importação de cavalos persas para o império de Vijayanagar foi, no entanto, eclipsada pelo domínio de Goa sobre este comércio a partir da década de 1520.

A presença portuguesa em Cananor manteve-se até à segunda metade do século XVII. A cidade acabaria por ser tomada pelos neerlandeses em 1663, ano em que caiu igualmente a cidade de Cochim, pondo fim à influência comercial português na costa do Malabar.

Bibliografia:
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