Data de publicação
2009
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Topónimo de plausível origem flamenga em memoração do 1.º Capitão do Donatário da Ilha do Faial, Josse Van Huertere, Horta identifica o burgo primevo daquela ilha que o tempo e a benevolência manuelina elevou a concelho em finais de Quatrocentos e a que D. Pedro IV, já em tempo de afirmação liberal vitoriosa, concedeu estatuto de cidade no ano de 1833.

Aglomerado principal de uma ilha de pequenas dimensões no arquipélago dos Açores, não teve de disputar com outro qualquer a primazia da dignidade municipal, concentrando ao longo das centúrias as prerrogativas do poder concelhio e as várias instâncias da administração, nomeadamente o Almoxarifado criado em 1520. Como nas demais ilhas, aí se fixou uma aristocracia menos bafejada pela fortuna, a estruturar uma sociedade estratificada o que, no decorrer dos tempos e à sombra de um comércio florescente, não impediu a afirmação de uma apreciável burguesia dinâmica dando lugar a uma comunidade de traços mercantis, avivados pela presença de cônsules de diversas nações, favorecida por uma navegação em crescendo. Aconchegada no recato abrigado da mais desafogada e segura das baías do arquipélago, a relevância estratégica da sua posição cedo impôs a Horta como escala essencial no quadro das rotas do Atlântico, sobretudo no regresso dos veleiros originados nas Índias e no Brasil sulcando a "volta do largo" até à altura das Flores, prosseguindo depois para o ancoradouro faialense na demanda de segurança e de mais abundantes recursos de refresco e aguada. Mesmo quando se impunha a escala por Angra, por força do estatuto da Provedoria das Armadas ali estabelecida na década de vinte do século XVI, ainda assim a Horta continuou a dispensar os seus préstimos e a prodigalizar os seus oportunos socorros numa época em que as limitações da arte de navegar e da tecnologia impunham a sua procura. É a esta valia da Horta, alcançada pelas virtudes do seu porto, que se deverá a escolha dos estrategas de D. Pedro para na pequena vila de então se instalasse o estaleiro destinado a preparar os meios de desembarque da expedição das tropas reunidas nos Açores e que haveriam de levar à praia do Mindelo o arranque da causa liberal contra as tropas miguelistas.

Para o desenvolvimento da Horta como burgo portuário por excelência, a par da sua localização privilegiada no Atlântico, importa ter em conta um elemento essencial, sobretudo numa economia muito carente de meios de pagamento - o apreciado vinho "verdelho" produzido nos campos de lava da vizinha ilha do Pico. Sendo certo que a ilha do Faial, com as restantes ilhas, modelou a sua agricultura no quadro das culturas dominantes que desde os primórdios do povoamento se impuseram no arquipélago, designadamente com os cereais e o pastel até meados do século XVI, a verdade é que o sucesso da economia faialense, até à década de Cinquenta do século XIX, vai basear-se num produto que lhe é alheio mas que as vicissitudes da colonização primitiva e os acasos da titularidade das benesses de concessão régia, mais as condicionantes da geografia, tornaram dependente dos proprietários residentes na Horta, jogando o seu porto papel insubstituível no escoamento do vinho cuja designação, impropriamente, chegou a ganhar fama e proveito sob o rótulo de "vinho do Faial". Na extensão do oceano que se estende das costas do Brasil e das Antilhas e portos das velhas colónias britânicas do Leste Americano, até aos confins do Báltico onde avultavam Riga, Arcangel e S. Petersburgo, as pipas de vinho embarcadas no porto da ilha do Faial fizeram os prazeres das mesas abastadas e o desafogo dos negociantes e armadores da Horta.

Esta prevalência da componente portuária não se desvaneceu com a crise surgida a meados do século XIX, com o desaparecimento dos vinhedos e, depois, das quintas de laranjas, já que a pujança da actividade baleeira da frota americana no Atlântico, sobretudo após a pacificação das relações com a Inglaterra em 1814, fez do porto da Horta verdadeira base de operações recebendo, ao longo do século XIX, centenas de navios na busca de reabastecimento e reparações ou na contratação de tripulantes, ou ainda na baldeação do "azeite de baleia" com destino aos portos da Costa Leste dos EUA. Este século XIX faialense é, principalmente por via do seu porto, a vários títulos, o verdadeiro "Século de Ouro" da ilha do Faial, tendo dado fama e bons rendimentos a quantos mercadores e ship's chandlers fizeram desta ilha do Atlântico a sede dos seus negócios, como bem se comprova pela longa e proveitosa presença da família Dabney na ilha do Faial, que aqui assegurou a função consular em nome da jovem Republica Americana entre 1806 e 1892.

Espraiando-se para Norte e Sul do arco formado pelo ancoradouro, a Horta ganhou uma dimensão urbana de recorte elegante, alongando-se os arruamentos para as colinas circundantes em harmonioso anfiteatro a que a presença fronteira da montanha do Pico empresta uma grandeza ímpar no arquipélago. Sobressaindo no meio do casario avultam as igrejas conventuais, recordando a presença evangelizadora de franciscanos, carmelitas e jesuítas, marcando o conjunto, contra o fundo verde da paisagem, com as suas elegantes torres a encimar templos de um porte majestosa e contrastante na mancha urbana. Testemunhas de uma época em que a ameaça corsária se fazia sentir, a lembrar as incursões isabelinas de Essex e Cumberland, erguem-se ainda os castelos Quinhentistas de S. Sebastião e de Santa Cruz, peças de uma arquitectura militar cujo significado e simbolismo dão carácter à Horta e edificações remanescentes de uma linha fortificada de mais de uma vintena de construções para protecção da ilha. Com um porte a sobressair um tanto na modéstia do casario, e em resultado das devastações do terramoto de 1926, assinala-se a construção de alguns exemplares de agradável aparência em que a inclusão de elementos de arquitectura "arte-nova" conferem graciosidade.

Com o aproximar do final do século XIX e com os progressos alcançados na tecnologia das comunicações por cabo submarino, a Horta, onde amarrou o primeiro cabo em 1893, transformou-se no espaço de poucos anos num verdadeiro centro de telecomunicações à escala mundial, ali se fixando companhias de nacionalidade inglesa, americana, alemã, francesa e italiana cuja presença, até final da década de Cinquenta do século XX, perdura nos conjuntos arquitectónicos por elas construídos para instalações técnicas e residenciais e que constituem verdadeiros marcos na paisagem urbana da Horta. Nesta transição para o século XX, o porto faialense desempenhou igualmente papel relevante como entreposto de abastecimento de carvão da navegação a vapor que cruzava o Atlântico.

No decorrer da primeira metade do século XX, para além da importância da cidade como centro de telecomunicações, a Horta, de novo devido á sua posição geográfica privilegiada, desempenhou importante papel no desenvolvimento da história da aviação. O ano de 1917 assinala um marco importante com a amaragem do NC4 no porto da Horta, concluindo a 1.ª travessia aérea do Atlântico. Vinte e dois anos depois, também com escala pela Horta, completou-se o primeiro voo regular entre os Estados Unidos da América e a Europa, operado por um dos célebres clippers da Pan American Airways, que aqui manteve as suas escalas ao longo da 2.ª Guerra Mundial durante a qual a Horta desempenhou papel como base militar dos Aliados.

Correspondendo a esta vocação secular de burgo portuário e protegida a sua baía por uma ampla doca iniciada no século XIX, a Horta continua a acompanhar os desenvolvimentos da navegação, encontrando no recreio náutico uma nova vertente com incidência económica significativa, abrigando a mais frequentada das marinas dos Açores. É ainda na actividade turística orientada para as potencialidades que o mar envolvente oferece, no enquadramento único das ilhas do Pico e de S. Jorge, que a Horta assegura a operação de uma pequena frota dedicada ao big-game fishing e ao whale-watching, desfrutando de uma posição de destaque nestas áreas da oferta turística do arquipélago.

Após as alterações políticas ocorridas em 25 de Abril de 1974 e depois de os Açores alcançarem o estatuto de Região Autónoma, estabeleceu-se na Horta a sede da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, órgão de maior dignidade do regime autonómico.

Esboçado este breve quadro a traços largos, é evidente que a história da ilha do Faial se confunde com a própria história do seu porto na orla do qual enraizou e se desenvolveu a Horta. O quotidiano desta pequena ilha e das suas gentes decorreu sempre ao ritmo e ao sabor das oscilações e vicissitudes por que passou o seu porto. Será por tudo o que dito fica que já se afirmou que a ilha do Faial, precisamente devido à importância do porto da Horta ao longo dos séculos, afirmei já que "nenhuma ilha dos Açores, como a ilha do Faial, revela uma tão persistente, ampla e íntima relação com o Atlântico ao longo da sua história, nomeadamente como testemunha e interveniente nas transformações tecnológicas essenciais que se operaram no rolar dos séculos, com verdadeiro alcance civilizacional".

Bibliografia:
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