Data de publicação
2009
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3.º bispo de Cabo Verde
Natural de Vila Viçosa; professou em 1528 como cónego regrante de S. Agostinho; em 1545, já com idade avançada obteve a dignidade de bispo de Ópia, coadjutor do de Coimbra; fazia parte do círculo cortesão de D. João III, factor que terá sido influente na sua escolha como bispo. Fortunato de Almeida informa que foi apresentado em 1547 à cúria romana. Ignora-se a data da sua confirmação por Roma e o momento da sua chegada a Cabo Verde, embora alguns indícios apontem para que esta última tenha ocorrido c. de 1551. O seu episcopado de c. de 20 anos caracteriza-se por um grande dinamismo que decorre da conjunção das consequências do concílio de Trento e dos tempos de bonança económica que Cabo Verde conhecia como um dos principais entrepostos negreiros do Atlântico. Dado que o primeiro bispo de Cabo Verde não vieira residir e que o seu antecessor, D. João Parvi teve um ministério in loco de pouco mais de um ano, D. Francisco da Cruz é um dos mais activos impulsionadores da diocese de Cabo Verde. Este bispo fez-se acompanhar de uma comitiva considerável de clérigos reinóis. Os actos mais visíveis do episcopado foram a construção da igreja da Misericórdia e a fundação da respectiva irmandade e hospital, de que este bispo ficou como padroeiro e o início da construção, c. de 1560 do volumoso complexo episcopal (sé, paço e aljube) lado esquerdo da cidade no modesto bairro de S. Sebastião. O plano concebido para a Sé Catedral era verdadeiramente descomunal para o exíguo espaço físico da cidade. Este grandioso edifício de três naves, semelhante à sé catedral de Angra do Heroísmo, seria construído com materiais importados do reino e exigiu vultuosos recursos financeiros, pelo que o bispo alcançou do reino um considerável financiamento por via da fazenda de Santiago. Misericórdia e Sé encontram-se interligadas, já que à morte de D. Francisco as obras da sé e do paço peiscopal foram embargadas, pelo que a igreja da Misericórdia, irá ser o templo catedral até finais do séc. XVII quando as obras foram terminadas por D. Fr. Vitoriano Portuense. Os moradores contribuíram com generosas contribuições para a construção da misericórdia mas sobretudo para a irmandade, dotada de inúmeros bens de alma. Os santiaguenses argumentavam que a catedral ficava fora da parte nobre da cidade e que teriam de se deslocar para ouvir os ofícios divinos, além de a sua construção exigir uma vultuosa despesa «por ser fabricada com demasiada grandura». As obras pararam após a morte do bispo e foram suspensas por decisão régia de 1592 com o argumento de que os corsários que haviam atacado a Ribeira Grande se haverem fortificado entre as suas altas paredes. Em período de abastança financeira na alfândega local, o bispo não teve grandes dificuldades em ver aumentadas as dotações financeiras da Igreja e do clero em geral. Entre 1568 e 1572, a diocese é agraciada com cerca de 20 alvarás que aumentavam as côngruas de diversas dignidades e ofícios da sé, pregadores da vila da Praia e da vila de S. Filipe no Fogo, além de todos os 10 vigários e capelães curados da ilha de Santiago, cujas igrejas passavam também a ser dotadas de montantes autónomos para as respectivas fábricas. Por ordens de 1569 e 1571 estes pagamentos deviam preceder todas as outras despesas do almoxarifado. D. Francisco da Cruz foi ainda responsável pelo crescimento do corpo clerical catedralício, criando diversos ofícios na sé, como o porteiro da maça, coadjutor, mestre de capela, organista, capelães para o coro, moços do coro, onerando significativamente a folha de pagamentos dos eclesiásticos. Este episcopado coincidiu com a aplicação em Portugal dos decretos do concílio de Trento que logo foram transpostos em 1570 para a diocese de Cabo Verde com os decretos da criação do seminário, do provimento dos eclesiásticos por oposição, devendo ser sujeitos a exame pelo sínodo diocesano e das visitações deverem ser efectuadas anualmente. Destes decretos, só o segundo viria a ter plena aplicação local, já que o seminário só abriria em 1866 em S. Nicolau e que as visitações se verificariam à medida da existência de ligações marítimas regulares entre as ilhas. Este episcopado corresponde à fase mais efectiva da formação e implantação da hierarquia e estruturas materiais da Igreja da diocese de Cabo Verde, mormente em Santiago, mostrando-se por esta altura o corpo eclesiástico muito coeso e cooperante com o bispo. D. Francisco faleceu em c. 1571 ficando sepultado na igreja da Misericórdia junto ao altar de S. Francisco. D. Francisco viu corresponder na lenda o elevado estatuto que adquiriu na história local, sendo-lhe atribuídos os epítetos de «Santo» e «Venerável» pois já muito velho ensinava doutrina às crianças e teologia aos doutos; a lenda encerra também alguns atributos de santidade, pois quando a sua sepultura foi aberta vinte anos depois, o corpo foi achado incorrupto, exalando um suave aroma. Como epitáfio do bispo ficará a rude frase de que em Cabo Verde «ali obrou coisas notáveis, tanto que até os animais brutos lhe obedeciam».
Bibliografia:
Anónimo (1784), Notícia Corográfica e Cronológica do Bispado de Cabo Verde, edição e notas de António Carreira, Lisboa, Instituto Caboverdeano do Livro, 1985. ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 685. PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SANTOS, Maria Emília Madeira; SOARES, Maria João, "Igreja, Missionação e Sociedade", História Geral de Cabo Verde, vol. II, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INCCV, 1995, pp. 384-390. SOUSA, António Caetano de, Catálogo dos bispos das igrejas de Cabo Verde, S. Tomé e Angola in Colleçam dos documentos, estatutos e memórias da Academia real da História Portugueza que neste anno de 1722 se compuzerão e se imprimirão por ordem dos seus censores, Lisboa, Pascoal da Sylva, 1722.
Natural de Vila Viçosa; professou em 1528 como cónego regrante de S. Agostinho; em 1545, já com idade avançada obteve a dignidade de bispo de Ópia, coadjutor do de Coimbra; fazia parte do círculo cortesão de D. João III, factor que terá sido influente na sua escolha como bispo. Fortunato de Almeida informa que foi apresentado em 1547 à cúria romana. Ignora-se a data da sua confirmação por Roma e o momento da sua chegada a Cabo Verde, embora alguns indícios apontem para que esta última tenha ocorrido c. de 1551. O seu episcopado de c. de 20 anos caracteriza-se por um grande dinamismo que decorre da conjunção das consequências do concílio de Trento e dos tempos de bonança económica que Cabo Verde conhecia como um dos principais entrepostos negreiros do Atlântico. Dado que o primeiro bispo de Cabo Verde não vieira residir e que o seu antecessor, D. João Parvi teve um ministério in loco de pouco mais de um ano, D. Francisco da Cruz é um dos mais activos impulsionadores da diocese de Cabo Verde. Este bispo fez-se acompanhar de uma comitiva considerável de clérigos reinóis. Os actos mais visíveis do episcopado foram a construção da igreja da Misericórdia e a fundação da respectiva irmandade e hospital, de que este bispo ficou como padroeiro e o início da construção, c. de 1560 do volumoso complexo episcopal (sé, paço e aljube) lado esquerdo da cidade no modesto bairro de S. Sebastião. O plano concebido para a Sé Catedral era verdadeiramente descomunal para o exíguo espaço físico da cidade. Este grandioso edifício de três naves, semelhante à sé catedral de Angra do Heroísmo, seria construído com materiais importados do reino e exigiu vultuosos recursos financeiros, pelo que o bispo alcançou do reino um considerável financiamento por via da fazenda de Santiago. Misericórdia e Sé encontram-se interligadas, já que à morte de D. Francisco as obras da sé e do paço peiscopal foram embargadas, pelo que a igreja da Misericórdia, irá ser o templo catedral até finais do séc. XVII quando as obras foram terminadas por D. Fr. Vitoriano Portuense. Os moradores contribuíram com generosas contribuições para a construção da misericórdia mas sobretudo para a irmandade, dotada de inúmeros bens de alma. Os santiaguenses argumentavam que a catedral ficava fora da parte nobre da cidade e que teriam de se deslocar para ouvir os ofícios divinos, além de a sua construção exigir uma vultuosa despesa «por ser fabricada com demasiada grandura». As obras pararam após a morte do bispo e foram suspensas por decisão régia de 1592 com o argumento de que os corsários que haviam atacado a Ribeira Grande se haverem fortificado entre as suas altas paredes. Em período de abastança financeira na alfândega local, o bispo não teve grandes dificuldades em ver aumentadas as dotações financeiras da Igreja e do clero em geral. Entre 1568 e 1572, a diocese é agraciada com cerca de 20 alvarás que aumentavam as côngruas de diversas dignidades e ofícios da sé, pregadores da vila da Praia e da vila de S. Filipe no Fogo, além de todos os 10 vigários e capelães curados da ilha de Santiago, cujas igrejas passavam também a ser dotadas de montantes autónomos para as respectivas fábricas. Por ordens de 1569 e 1571 estes pagamentos deviam preceder todas as outras despesas do almoxarifado. D. Francisco da Cruz foi ainda responsável pelo crescimento do corpo clerical catedralício, criando diversos ofícios na sé, como o porteiro da maça, coadjutor, mestre de capela, organista, capelães para o coro, moços do coro, onerando significativamente a folha de pagamentos dos eclesiásticos. Este episcopado coincidiu com a aplicação em Portugal dos decretos do concílio de Trento que logo foram transpostos em 1570 para a diocese de Cabo Verde com os decretos da criação do seminário, do provimento dos eclesiásticos por oposição, devendo ser sujeitos a exame pelo sínodo diocesano e das visitações deverem ser efectuadas anualmente. Destes decretos, só o segundo viria a ter plena aplicação local, já que o seminário só abriria em 1866 em S. Nicolau e que as visitações se verificariam à medida da existência de ligações marítimas regulares entre as ilhas. Este episcopado corresponde à fase mais efectiva da formação e implantação da hierarquia e estruturas materiais da Igreja da diocese de Cabo Verde, mormente em Santiago, mostrando-se por esta altura o corpo eclesiástico muito coeso e cooperante com o bispo. D. Francisco faleceu em c. 1571 ficando sepultado na igreja da Misericórdia junto ao altar de S. Francisco. D. Francisco viu corresponder na lenda o elevado estatuto que adquiriu na história local, sendo-lhe atribuídos os epítetos de «Santo» e «Venerável» pois já muito velho ensinava doutrina às crianças e teologia aos doutos; a lenda encerra também alguns atributos de santidade, pois quando a sua sepultura foi aberta vinte anos depois, o corpo foi achado incorrupto, exalando um suave aroma. Como epitáfio do bispo ficará a rude frase de que em Cabo Verde «ali obrou coisas notáveis, tanto que até os animais brutos lhe obedeciam».
Bibliografia:
Anónimo (1784), Notícia Corográfica e Cronológica do Bispado de Cabo Verde, edição e notas de António Carreira, Lisboa, Instituto Caboverdeano do Livro, 1985. ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 685. PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SANTOS, Maria Emília Madeira; SOARES, Maria João, "Igreja, Missionação e Sociedade", História Geral de Cabo Verde, vol. II, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INCCV, 1995, pp. 384-390. SOUSA, António Caetano de, Catálogo dos bispos das igrejas de Cabo Verde, S. Tomé e Angola in Colleçam dos documentos, estatutos e memórias da Academia real da História Portugueza que neste anno de 1722 se compuzerão e se imprimirão por ordem dos seus censores, Lisboa, Pascoal da Sylva, 1722.