Celebrado a 4 de Setembro de 1479, na vila Alentejana de Alcáçovas, e ratificado em 6 de Março de 1480 na antiga capital Visigótica de Toledo, o Tratado de Alcáçovas-Toledo pôs fim ao conflito ibérico, que se desenrolara entre 1475 e 1479, devido à disputa da sucessão do Reino de Castela.
Este tratado distinguiu-se, entre os múltiplos assinados entre Portugal e os seus vizinhos castelhanos ao longo dos séculos, devido ao seu papel marcante na História dos Descobrimentos e da Expansão portuguesa.
De facto, este foi o primeiro tratado a incluir disposições que definiam não só as relações entre os Reinos na Península, como também reconheciam zonas de influência nos espaços extra-europeus, que os reinos ibéricos vinham explorando no decorrer das décadas anteriores.
O conflito dinástico foi espoletado pela morte do rei Henrique IV de Castela, em 1474. A sucessão do trono disputada entre a sua irmã Isabel, esposa de Fernando II de Aragão, e Joana, a Beltraneja, filha do falecido rei.
Iniciou-se assim um conflito civil entre facções nobres que apoiaram cada uma das pretendentes, contando Isabel com o apoio aragonês.
Numa tentativa de conquistar a Coroa castelhana, o rei português Afonso V apoiou o partido da Beltraneja, assumindo-se como seu futuro esposo e liderando uma invasão de Castela, que culminou, em Março de 1476, com a inconclusiva batalha de Toro. Após este confronto, e face ao ascendente de Isabel e dos seus apoiantes, as forças portuguesas viram-se em desvantagem estratégica e foram obrigadas a retirar, regressando ao seu território.
O conflito arrastou-se durante os anos seguintes, enquanto Afonso V procurou, sem sucesso, o auxílio francês para as suas pretensões, deram-se incursões militares de parte a parte, e os Reis Católicos, Fernando e Isabel consolidaram o seu poder em Castela. O impasse levou a que, com o tratado de paz assinado em 1478 entre Luís XI de França e Fernando II de Aragão, que pôs definitivamente termo à perspectiva de intervenção francesa, se tenha iniciado o processo de resolução negociada do confronto.
Este conflito notabilizou-se igualmente por ter sido o primeiro a nível europeu a estender-se ao palco ultramarino. A situação no Atlântico em 1475 era caracterizada por uma limitada presença castelhana em algumas das ilhas Canárias. A soberania portuguesa pelo seu lado, abrangia não só algumas ilhas dos arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo-Verde, mas embarcações portuguesas navegavam e comerciavam também no Golfo da Guiné, avançando progressivamente para Sul.
Ao longo de décadas, Portugal procurou o reconhecimento internacional das descobertas efectuadas pelas viagens de exploração. Esta necessidade acentuou-se no reinado de Afonso V, com os lucros cada vez maiores do comércio da Guiné, procurando-se eliminar a possibilidade de concorrência externa, nomeadamente castelhana, e criar uma exclusividade, marítimo-comercial portuguesa. Os esforços diplomáticos, junto do Papado, levaram à promulgação de diversas bulas, entre as quais se destaca a Romanus Pontifex, de 1455. A Santa Sé reconhecia, desta forma, à Coroa Portuguesa, direitos de exclusividade na navegação, comércio e domínio das regiões não cristãs recentemente descobertas.
Este monopólio via-se ameaçado pelas ocasionais iniciativas castelhanas de penetração nos negócios do Golfo da Guiné e de contestação da exclusividade portuguesa na região. O deflagrar da guerra em 1475 levou a um agudizar desta conjuntura, com Fernando e Isabel a darem o apoio régio às tentativas da navegação castelhana de subverter a política de hegemonia naval e desafiar o controle português sobre o comércio africano.
Assim, acompanhando o desenrolar do conflito na Península Ibérica, desencadeou-se uma guerra de corso nas ilhas Atlânticas e no mar da Guiné. Contrariamente ao que aconteceu no cenário Ibérico, no mar os portugueses conseguiram manter o ascendente, devido à sua maior experiência e conhecimento do oceano. No entanto a guerra corsária entre os dois reinos cessou com a assinatura do Tratado de Alcáçovas-Toledo.
O primeiro passo para pôr fim ao conflito foi dado através de um encontro que decorreu discretamente na vila de Alcântara, em Março de 1479. D. Beatriz, a duquesa de Viseu, em representação da família real portuguesa, deslocou-se à vila castelhana para se encontrar com Isabel. Tia e sobrinha debateram durante uma semana os fundamentos do acordo. Desta forma, a duquesa pôde acautelar os interesses atlânticos da sua Casa.
Depois, no Verão desse ano, iniciaram-se as negociações formais para pôr fim ao conflito que se arrastava. Para tal reuniram-se na vila alentejana de Alcáçovas representantes de ambas as partes, tendo elaborado dois tratados. Enquanto o Tratado das "Terçarias de Moura" resolveu a questão dinástica de sucessão à Coroa castelhana em favor de Isabel I, o Tratado de Alcáçovas-Toledo pretendeu pôr fim definitivo às disputas entre os Reinos de Portugal e Castela.
No que à Península dizia respeito este tratado retomou o status quo anterior, acordando a devolução mútua de terras conquistadas e prisioneiros capturados. Quanto à expansão ultramarina as disposições do tratado, onde se denota a influência do príncipe herdeiro, o futuro D. João II, demarcaram, pela primeira vez, zonas de influência.
Desta forma a Coroa portuguesa abandonou todas as pretensões sobre as ilhas Canárias, que ficaram sob influência castelhana. Castela, por sua vez, reconheceu a Portugal o direito de submeter o reino de Fez, em Marrocos, e a posse dos arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo-Verde. De maior importância foi o reconhecimento da soberania e exclusividade da navegação portuguesa em todas as terras descobertas e por descobrir.
Ficava consequentemente confirmado o monopólio português no comércio da Costa da Mina e do Golfo da Guiné. A hegemonia portuguesa foi deste modo salvaguardada através do reconhecimento da Santa Sé, que confirmou o tratado em 1481 através da bula Aeterni regis, e do acordo bilateral com o principal rival em potência, o reino de Castela.
O Tratado de Alcáçovas-Toledo representou assim, não só uma primeira divisão do espaço ultramarino em esferas de influência, antevendo o Tratado de Tordesilhas de 1494, mas também uma formalização do programa expansionista português, criando condições para o seu desenvolvimento durante o reinado de D. João II.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo Oliveira e, "D. Afonso V e o Atlântico - a base do projecto expansionista de D. João II", in Mare Liberum, nº 17, Junho de 1999, pp. 39-71. Idem, D. Manuel I, um príncipe do Renascimento, Lisboa, Temas & Debates, 2007. RADULET, Carmen M., "Os descobrimentos portugueses e o Tratado de Alcáçovas", in Portugal e o Mundo, dir. Luís de Albuquerque, vol. II, Lisboa, Alfa, 1989, pp. 13-25.
Data de publicação
2009
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Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia
Legenda da imagem
Vista de Toledo, Espanha