14.º Rei de Portugal.
Filho de D. Afonso V, nascido a 3 de Maio de 1455, a sua primeira intervenção pública relevante verificou-se em 1471, quando tomou parte activa na conquista de Arzila, onde foi armado cavaleiro. A Expansão portuguesa terá continuado a concitar o interesse de D. João, a ponto de, três anos depois, ter sido incumbido da administração dos interesses portugueses nas paragens da Guiné. Aproveitando o término do contrato de arrendamento comercial com Fernão Gomes, D. Afonso V dava, assim, despacho a várias questões: acentuava o papel da Coroa no controlo da empresa ultramarina; associava o filho ao poder; e assegurava-lhe independência económica.
A actividade de D. João na matéria ultrapassava as simples esferas da organização da presença portuguesa e da exploração económica. Era-lhe também exigida a defesa da hegemonia naval e comercial portuguesa. As circunstâncias cedo o obrigaram a agir nesse sentido, pois, em Dezembro de 1474, morto Henrique IV de Castela, coroada a sua irmã Isabel, a Católica, e sacrificadas as aspirações ao trono da sua filha Joana, dita a Beltraneja, D. Afonso V dispôs-se a defender militarmente os direitos da sobrinha. Por seu turno, os Castelhanos aproveitaram o pretexto da guerra travada na Península para rivalizarem com os Portugueses na Guiné.
Nos anos seguintes, várias expedições marítimas largaram dos portos andaluzes, movendo uma concorrência indesejável. D. João fez abater sobre os transgressores uma perseguição sem quartel. O braço-de-ferro acabou por se resolver a contento dos interesses portugueses, beneficiando da superioridade técnica das embarcações e da experiência de navegação oceânica acumulada ao longo de décadas.
O sucesso influenciou as negociações de paz, que conduziram ao estabelecimento do tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-1480). As disposições centrais do convénio respeitavam à demarcação dos espaços extra-europeus tutelados por cada uma das potências. Portugal abdicou da soberania sobre as Canárias, garantindo o direito de as suas esquadras se socorrerem das ditas ilhas como ponto de escala. Em contrapartida, os Reis Católicos reconheceram a supremacia lusa sobre os domínios situados a sul das Canárias. Desta forma, salvaguardaram-se os interesses vitais portugueses e ficou revelada a existência de um plano consequente de expansionismo.
D. Afonso V regozijava-se com a acção do príncipe, pelo que lhe confirmou a doação do senhorio da Guiné, a 4 de Maio de 1481. Decorridos pouco mais do que três meses, o rei morreu subitamente, determinando a entronização de D. João, a 31 de Agosto. Sob os auspícios do novo monarca, a Coroa assumiu, em definitivo, a coordenação e o patrocínio das actividades ligadas à Expansão. Fê-lo selectivamente, privilegiando os rumos cuja exploração prenunciava o cumprimento de objectivos cimeiros: recolher dividendos económicos, ampliar a cristandade africana, encontrar o Preste João e estabelecer a rota marítima de acesso à Índia. Não reunindo condições para tanto, a presença portuguesa em Marrocos ocupou uma posição secundária. Entre 1481 e 1495, pouco mais se fez ali do que gerir o legado de D. Afonso V. A excepção consistiu na tentativa gorada de erigir a fortaleza da Graciosa (1489). Na verdade, os interesses portugueses em Marrocos tornaram-se subsidiários dos tratos realizados na África Negra, visto que lá se adquiriam os cavalos e os têxteis desejados mais a Sul. Não obstante, D. João II jamais alienou o direito de Portugal à conquista do reino de Fez, fazendo-o consagrar nos tratados de Alcáçovas e de Tordesilhas e requerendo uma bula de cruzada, que lhe foi facultada em 1488.
Ainda enquanto príncipe, D. João anteviu o peso determinante que a zona da Mina poderia vir a ter no crescimento das rendas da Coroa e na afirmação do poder central, pelo que concebeu a instalação de uma fortaleza naquela área. Prova-o o breve de concessão de indulgência a todos aqueles que ali viessem a morrer, o qual foi exarado pela cúria papal a 11 de Setembro de 1481, escassos dias depois da aclamação de D. João II. Daí que tenha sido já como rei que despediu a armada de Diogo de Azambuja. As obras da fortaleza de S. Jorge da Mina ficaram concluídas no ano seguinte.
Em 1482, sob o comando de Diogo Cão, retomou-se o descobrimento da costa ocidental africana. A nova fase das navegações reflectia a dependência estrita do processo relativamente à Coroa, mormente, através da imponência das armadas, da prática de levantar padrões de pedra, que traduziam a posse do território, e do renovado espírito de proselitismo religioso.
A expansão do Cristianismo sempre foi vista como uma das consequências dos Descobrimentos, mas só durante o reinado de D. João II é que foram realizadas as primeiras acções tendentes à evangelização sistemática dos gentios africanos. Quer o envolvimento sistemático de clérigos europeus, quer a formação de um corpo sacerdotal de raça negra, constituíram originalidades, imputáveis ao rei. Para D. João II, a dilatação da fé tinha também consequências políticas favoráveis, dada a influência que poderia exercer sobre dirigentes africanos. A estratégia foi ensaiada junto do rei do Benim e de um príncipe dos Jalofos, de nome Bemoim, embora com fracos resultados. Destino mais promissor estava reservado à evangelização do Congo, o primeiro reino africano a adoptar o Cristianismo como religião oficial. Autores da catequização do território, iniciada em 1491, foram ministros da Igreja e jovens indígenas que haviam sido antes acolhidos e educados em Portugal.
Visto como potencial aliado na conversão de África e na cruzada contra os Muçulmanos era o Preste João, cujas buscas foram intensificadas durante este reinado. Na mira de localizar o mítico soberano, bem como de encontrar novas fontes auríferas, desenvolveram-se explorações no sertão africano, através do deserto do Saara, do Sudão e dos rios Gâmbia, Senegal, Níger e Congo. Os resultados das incursões foram pouco estimulantes até meados da década de 1480, altura em que houve notícia, dada pelo rei do Benim, da existência de um poderoso dignitário, denominado Ogané, logo conotado com o Preste em razão da vassalagem que recebia de outros chefes e da cruz que usava e distribuía pelos seus dependentes.
D. João II acreditou estar à beira de contactar o líder etíope e de provar a existência de uma passagem entre o Atlântico e o Índico, nos confins meridionais de África. O Príncipe Perfeito contaria com o Preste tanto para combater o Islão como para «ter alguma entrada na Índia» (Da Ásia, I, iii, 4). Dele se esperava, talvez, que desempenhasse o papel de medianeiro na relação entre os Portugueses e os cristãos indianos, tidos como a maioria da população do Subcontinente. Da solidariedade religiosa derivaria a solidariedade económica, pelo que a comercialização das especiarias ficaria reservada aos Portugueses, em detrimento das rotas dos Muçulmanos. Após as viagens de Diogo Cão, que alcançou a Serra Parda, em 1486, D. João II enviou nova armada em 1488, desta vez capitaneada por Bartolomeu Dias, com a missão principal de encontrar a passagem para o Índico. A par, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva foram despachados para o Oriente, por via terrestre, o primeiro a fim de demandar a corte do Preste e o segundo para se inteirar do sistema de navegação e comércio do Índico. Se estas diligências não surtiram o efeito pretendido, Bartolomeu Dias teve significativo êxito. O anúncio da passagem do Cabo da Boa Esperança, feito à corte portuguesa em Dezembro de 1488, permitiu aliás que D. João II voltasse a dispensar os préstimos de Cristóvão Colombo.
O desfecho da travessia do Atlântico que Colombo acabou por empreender ao serviço de Castela produziu efeitos na planificação joanina, contribuindo para atrasar a partida da esquadra que deveria completar a rota entre Lisboa e a Índia. D. João II alimentou dúvidas quanto aos direitos da Coroa castelhana sobre as Antilhas, a ponto de indicar D. Francisco de Almeida para o comando de uma armada que deveria tomar posse das ilhas recém-descobertas. A expedição não chegou a fazer-se ao mar, embora a sua preparação tenha sido suficiente para que do reino vizinho viesse a sugestão de abertura de negociações.
A 7 de Junho de 1494 foi firmado o tratado de Tordesilhas, que assegurou a cada uma das potências um espaço definido de jurisdição. Através dos seus diplomatas, D. João II reafirmou as ambições sobre a África e a Ásia, obtendo ainda o domínio sobre 370 léguas a Oeste de Cabo Verde, área que permitiria à navegação portuguesa evoluir mais rapida e seguramente rumo a Oriente, em função da especificidade do sistema de ventos e correntes do Atlântico Sul e da convicção de que as terras que pareciam existir nessas paragens estariam sob alçada portuguesa.
Se D. João II não chegou a organizar a primeira viagem marítima à Índia não foi apenas devido aos contratempos descritos. A experiência vivida por Bartolomeu Dias demonstrara a necessidade de se construir uma armada especialmente robusta e de se realizarem explorações oceânicas, indocumentadas, que permitiriam a Vasco da Gama sair directamente para a melhor rota, usando a veladura e as embarcações mais adequadas para chegar a Calecut. Por último, em 1491, a morte acidental do príncipe D. Afonso, único varão legítimo de D. João II, concorreu para que a atenção do rei se concentrasse no problema sucessório. Morreu a 25 de Outubro de 1495, resignado a aceitar como herdeiro o primo e cunhado D. Manuel, que tratou de cumprir o plano imperial gizado por ele.
Bibliografia:
Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua Época. Actas, 5 vols., Porto, Universidade do Porto & CNCDP, 1989. FONSECA, Luís Adão da, D. João II, s.l., Círculo de Leitores, 2005. MOTA, A. Teixeira da, «A Viagem de Bartolomeu Dias e as Concepções Geopolíticas de D. João II», in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Outubro-Dezembro 1958, pp. 297-322. RESENDE, Garcia de, Crónica de Dom João II e Miscelânea, ed. Joaquim Veríssimo Serrão, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1973. THOMAZ, Luís Filipe F. R., «O Plano Imperial Joanino», in De Ceuta a Timor, s.l., Difel, 1994, pp. 149-167.
Data de publicação
2009
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Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia
Legenda da imagem
Túmulo de D. João II