Data de publicação
2009
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As «tábuas astronómicas», cuja origem remonta certamente à Antiguidade, tinham por único objectivo fixar o lugar ocupado no céu pelo Sol e pelos planetas do sistema solar (o Sol era então considerado um planeta) e também as chamadas estrelas fixas mais visíveis e mais facilmente reconhecíveis. Na Idade Média proliferaram e basta uma breve consulta às fontes documentais da cultura na corte aragonesa dos séculos XIV e XV (Rubio y Lluch, Documents per la Historia de la Cultura Catalana Mig-Eval, 2 volumes, Barcelona, 1921 e 1928) para se ter uma ideia de como eram correntes; compreende-se porquê: a actividade astrológica era muito intensa e os astrólogos necessitavam das tábuas. Ficaram célebres, entre as tábuas peninsulares (e para apenas referirmos as que mais nos interessam): a) As ditas afonsinas, ou «alfonsinas». Que o rei Afonso X de Castela, cognominado o Sábio, mandou compilar a astrónomos judeus e árabes, segundo supomos ao tempo em que também promoveu a redacção dos célebres Libros del Saber de Astronomia, verdadeira enciclopédia da ciência e da prática astronómica medieval; as tábuas afonsinas andaram desencaminhadas e por isso o editor dos Libros apensou a estes, fraudulentamente, o que quis fazer passar por elas, ou seja: b) As tábuas dos chamados Almanaques Portugueses de Madrid, preparadas em Coimbra por meados do século XIV, mas seguindo o modelo de um almanaque de Tortosa, como mostrou Millàs Vallicrosa; c) As tábuas catalãs ditas do «Rei Pedro o Cerimonioso», que o mesmo Millàs Vallicrosa publicou em 1962, com um profundo estudo introdutório, com «cânones» ou notas explicativas devidas aos astrónomos da corte aragonesa Dalmau ses Planes (muito citado na documentação da época) e Père Gilbert. As tábuas tinham geralmente a mesma estrutura: indicavam os chamados «lugares» dos planetas (incluindo neles o Sol, como já se disse), equivalente à longitude celeste actual, para vários anos de um ciclo, variável com o planeta (no caso do Sol era de quatro anos), e tábuas complementares referentes a vários fenómenos celestes, nomeadamente relativos à Lua ou ao valor da declinação celeste de um astro observado na eclíptica de que se conhecia o «lugar»; são desta estrutura os almanaques portugueses acima referidos. Todavia, quando na náutica se introduziram as observações astronómicas que a revolucionaram, e em especial a observação de altura meridiana do Sol para, com o conhecimento da declinação solar, se poder calcular a latitude do lugar em que se operava, não foi a qualquer dessas tábuas do passado a que se recorreu, mas sim às do Almanach Perpetuum do judeu astrólogo Abraão Zacuto, que foram publicadas em Leiria no ano de 1496, aliás com mais de uma tiragem (e tendo uma delas as notas prévias e explicativas em castelhano, tradução do também hebraico José Vizinho). Este almanaque, como de hábito, permitia o acesso à declinação solar que interessava aos pilotos e navegadores através da consulta de uma das quatro tábuas do «lugar» do Sol, seguida do recurso à aludida tábua de declinações; a consulta a esta última exigia, por via de regra, operações de aritmética que eram exigíveis para interpolação; essas operações, hoje elementares, não podiam então ser executadas através de algoritmo acessível e estariam, por tal razão, fora do alcance da maioria dos pilotos e homens do mar. Por isso se recorreu ao expediente de encarregar do cálculo prévio das declinações astronómicas qualquer técnico competente, para as executar sem delongas ou dificuldades; assim nasceram as tábuas de declinações solares para o uso náutico, que são de dois tipos: a tábua solar única, ou seja, só para um ano, mas que podia ser usada abusivamente para anos sucessivos sem grandes erros, e as tábuas quadrienais, que acompanhavam as tábuas dos lugares do astro para o mesmo período de quatro anos e em rigor, não respeitado aliás, deviam igualmente ser substituídas no final do período para que tinham sido preparadas; foram as tábuas deste último tipo, bastante mais perfeitas, as que prevaleceram. Das tábuas solares únicas (primeiro tipo) há na cópia no Guia Náutico de Munique (c. 1509) e no Livro de Francisco Rodrigues (c. 1513), a segunda com erros evidentes; as tábuas quadrienais expandiram-se por muitas cópias, mas é o Livro de Marinharia de André Pires (edição de Luís de Albuquerque, Coimbra, 1963) que contém fragmentos das mais antigas, referentes aos quadriénios 1493-1496 e 1497-1500; todavia, foram as tábuas quadrienais do Guia Náutico de Évora (c. 1516), calculadas por Gaspar Nicolas, autor da primeira aritmética publicada em Portugal e em língua portuguesa (em 1519), aquelas que maior divulgação tiveram, encontrando-se reproduzidas em muitos manuscritos, textos e até em folhas de atlas dedicadas ao registo de dados cosmográficos.

Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores