Data de publicação
2009
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A localização de Malaca (2° 15' N, 102° 15' E), na encruzilhada de rotas que ligam o Golfo de Bengala ao Mar de Java e ao Mar da China, não explica a sua fundação em final do século XIV, nem o seu sucesso económico ao longo do seguinte. Embora o Estreito de Malaca seja mais praticável do que a costa sudoeste de Samatra e o Istmo de Kra, o tráfego, ao atrair a pirataria, tornava-o perigoso, dependendo o sucesso daquela via da organização de poderes capazes de promover a estabilidade política e de assegurar o policiamento. Tal foi o caso do chamado império de Srivijaya (sécs. VII-XIII), sediado em Palembang, no sueste de Samatra, o qual conseguiu criar uma nova e prestigiada ordem regional, da qual Malaca viria a reivindicar-se herdeira.

Ligada à renovação da navegação e ao ressurgimento da procura chinesa de produtos da Ásia do Sueste, a fundação de Malaca, em 1394, não foi também alheia à pirataria, já que, no seu começo, Malaca terá sido um porto de piratas. Segundo o Sejarah Melayu ('Anais Malaios') e a Suma Oriental de Tomé Pires, o primeiro rei de Malaca, Paramesvara, um príncipe exilado, da linhagem dos reis de Srivijaya, foi escolhido por um grupo de piratas nómadas orang laut, os «ciganos do mar», que haviam acabado de fundar um novo estabelecimento no rio de Malaca.

Na época das grandes expedições chinesas do almirante Zheng He (1403-33) ao Índico ocidental, Malaca, furtando-se à suserania do Sião, tornou-se tributária dos Ming e, ao mesmo tempo, fez a sua integração na rede islâmica, quando o segundo rei de Malaca se converteu ao Islão, em 1414, adoptando o título de Iskandar Syah (r.1414-24). Tal deveu-se à pressão dos ulama e do sultão de Pasai. A conversão de Iskandar tem sido considerada também um expediente para atrair mercadores muçulmanos, designadamente guzerates.

Malaca depressa suplantaria Pasai, mergulhado em guerras civis, acolhendo muitos dos seus mercadores. A cidade conheceria um grande impulso sob o sultão Muzaffar Syah (r. 1446-59), que estendeu a influência de Malaca sobre Kedah e Patani, no norte da Península Malaia, e, para sul, até Singapura e às ilhas de Riau-Lingga, bem como sobre Indragiri, Kampar e outros portos em Samatra. Estreitou as relações com a China e seu filho, Mansur Syah (r. 1458-1477), casou com uma princesa chinesa e colocou um familiar no trono de Pahang.

O sucesso do sultanato de Malaca alicerçou-se numa política liberalizante nos planos económico e religioso, baseada em liberdades e garantias consagradas na legislação vigente, compilada nas Undang-Undang Melaka, ou «Leis de Malaca», incluindo as «leis marítimas». O sucesso do porto de escala residia ainda no permanente desassoreamento do ancoradouro fluvial, franqueando o acesso a grandes navios do Golfo de Bengala e da costa do Coromandel com tecidos destinados ao vasto mercado do sueste asiático insular e arroz para o abastecimento da cidade. Uma diversidade de outros produtos afluía em grandes quantidades, avultando a pimenta de Samatra e de Sunda, o cravo das ilhas Molucas, a noz-moscada de Banda e porcelanas e sedas chinesas.

Desde a sua chegada ao Índico, os portugueses interessaram-se por Malaca, já mencionada por Álvaro Velho no anexo ao seu Roteiro da viagem de Vasco da Gama. A sua importância comercial foi reportada, embora com numerosas imprecisões, em 1506, pelo embaixador veneziano em Lisboa. As primeiras notícias haviam despertado os castelhanos para a eventualidade de Malaca recair no hemisfério que lhes coubera no Tratado de Tordesilhas, o que levou o rei D. Manuel, em 1505, a instruir o vice-rei D. Francisco de Almeida para «descobrir» Malaca e aí «assentar trato». Como este não o fizesse, o rei insistiu, enviando de Lisboa, em 1508, uma armada composta por quatro navios sob o comando de Diogo Lopes de Sequeira, que chegou a Malaca em Setembro de 1509. Inicialmente bem acolhida, a missão portuguesa acabaria hostilizada pelo sultão que, agindo sob pressão dos mercadores guzerates, a principal comunidade estrangeira, sequestrou o feitor Rui de Araújo e 14 companheiros. Antecipando este desfecho, D. Manuel despedia, em 1510, nova armada de quatro navios sob o comando de Diogo Mendes de Vasconcelos, que o governador Afonso de Albuquerque reteve em Goa. Juntando-lhe dezena e meia de navios, Albuquerque cercou Malaca a 1 de Julho de 1511, que atacou a 25, tomando-a a 24 de Agosto, contando com a colaboração das comunidades chinesa e keling, a segunda mais importante, composta por mercadores hindus do Coromandel. O sultão de Malaca, Mahmud Syah (r. 1488-1511), fugiu pelo sertão, estabelecendo-se depois em Johor, salvaguardando parte das suas possessões no Estreito. Herdeiro de Malaca, o sultanato de Johor haveria de permanecer um dos principais rivais da praça portuguesa de Malaca, apesar de períodos de relacionamento amigável ao longo do século XVI, desempenhando um importante papel na queda de Malaca às mãos dos holandeses, em 1641.

Afonso de Albuquerque demoliu a Grande Mesquita e levantou no local uma fortaleza ou torre de vários sobrados, 'A Famosa', lançando os rudimentos da nova administração da cidade, pela qual o cargo de bendahara, primeiro-ministro sob o sultanato, foi entregue a Nina Chatu, líder da comunidade keling, e o de tumenggung, ou ministro da justiça, se tornou chefe dos muçulmanos, embora mais tarde viesse a ser desempenhado por cristãos nativos de sangue real. Albuquerque despoletou ainda contactos diplomáticos com reinos pagãos vizinhos, de forma a assegurar uma rede regional de alianças.

A importância do entreposto malaio foi sintetizada na frase lapidar do seu segundo capitão, Jorge de Albuquerque: «mallaqua nam tem nada de seu e tem todollas cousas que a no mundo». Após a conquista portuguesa, dado o êxodo da comunidade guzerate e os problemas internos ligados à ocupação, a cidade passou por um período de retracção, que duraria até fins da década de 1520 e permitiu a ascensão de portos rivais, como o Aceh. O movimento do porto recuperou e cresceu lentamente, sendo pontualmente interrompido por guerras e cercos levados a cabo pelo Aceh e por Johor, por vezes com apoio de Japará e outros portos javaneses. Sofreu 9 cercos em pouco mais de meio século (1537, 1547, 1551, 1568, 1573, 1574, 1575, 1581,1587 e 1593). Exceptuando os períodos de guerra, acolhia anualmente entre 30 a 40 grandes navios do Coromandel e de Bengala, bem como várias centenas de juncos de Java e ainda embarcações dos portos de Samatra e do Estreito, do Golfo do Sião e do Mar da China. Criada em 1545, a alfândega portuguesa de Malaca tornar-se-ia numa das principais fontes de receita do Estado da Índia. A composição social da cidade foi-se alterando significativamente ao longo do século XVI. O número de 'casados' portugueses cresceu de uma dezena, em 1514, para 40, em 1532, e 60 oito anos depois, atingindo uma centena em 1580. No século XVII, são referidos 200 a 600, consoante o sempre variável critério de inclusão social neste grupo que compreendia 'casados brancos' e 'cristãos casados'.

Os repetidos cercos obrigaram a fortificar a cidade, numa configuração pentagonal pontuada por baluartes e portas, que se veio acrescentar à tranqueira em Upeh. A cartografia de Manuel Godinho de Erédia, mestiço de Malaca, mostra a continuidade entre o período pré-português e a cidade luso-malaia de início do século XVII, na sua maior parte construída em madeira e situada extra-muros, nomeadamente os dois grandes subúrbios de Upeh e de Hilir. No primeiro, que estendia por uma frente marítima a NW, residia a comunidade keling, enquanto em Hilir, a sul do rio, predominavam os malaios. A cidade portuguesa intra-muros era ocupada pelo complexo militar e administrativo.

Malaca seria ainda uma importante base para a diáspora missionária na Insulíndia e no Extremo-Oriente, nomeadamente em Solor e Larantuca, nas Molucas, na China e no Japão. Erigida diocese em 1558, o seu primeiro bispo, Fr. Jorge de Santa Luzia, iniciou o apostolado em 1561. Além da igreja matriz de N.ª S.ª da Anunciada, convertida em Sé, existiam a igreja da Misericórdia, a de S. Tomé, a igreja e o convento de S. Domingos (1554), e a dos jesuítas, com o respectivo colégio de S. Paulo (1568).

O monopólio da coroa sobre as especiarias e os numerosos exemplos de práticas monopolistas e coercivas por parte dos capitães, que adoptaram um padrão de gestão não muito diferente das prerrogativas dos reis malaios, permitiram aos portugueses instalar um sistema monopolista, teoricamente bastante estrito, num porto que fora fundado como um espaço de liberdade comercial e de confiança, onde as práticas mercantis haviam alcançado um elevado grau de desenvolvimento e sofisticação, marcado por baixos direitos aduaneiros, economia monetária, sistema financeiro e mutualista desenvolvido e tolerância religiosa.

Na segunda metade do século XVI, o controlo sobre o Estreito de Malaca passaria a ser partilhado entre três grandes rivais: o sultanato do Aceh, no extremo norte, os portugueses de Malaca, na secção central, e o sultanato de Johor, no extremo sul. Este equilíbrio precário, baseado numa diplomacia activa, especialmente da parte dos portugueses, entre os quais os casados de Malaca desempenharam um papel de primeiro plano, terminaria com a chegada dos holandeses. Na nova correlação de forças, Malaca viu-se votada a um crescente isolamento por parte dos poderes regionais, que preferiam a parceria dos recém-chegados. A acção naval do vice-rei Martim Afonso de Castro salvou a cidade do cerco holandês de 1606, mas não alterou a situação, o mesmo acontecendo com o fracasso da iniciativa filipina de reunir em Malaca, em 1616, uma grande armada luso-castelhana sob o comando do governador das Filipinas, D. Juan de Silva, destinada a combater os holandeses.

Na sequência do cerco de 1629, e apesar de o sultão Iskandar Muda do Aceh ter sido batido por Nuno Álvares Botelho, a cidade decaiu, não mais recuperando. A situação tornar-se-ia crítica a partir do bloqueio instaurado, em 1636, pelo governador-geral da VOC em Batávia, Antonio van Diemen. Em Janeiro de 1641 caiu em poder dos holandeses após prolongado assédio. Havia nela 20 mil cristãos portugueses, mestiços e naturais.

Bibliografia:
LOBATO, Manuel, «Malaca», História dos Portugueses no Extremo Oriente, A. H. de Oliveira Marques (dir.), 1.º vol., t. II, «De Macau à periferia», Fundação Oriente, Lisboa, 2000, pp. 13-74. PINTO, Paulo J. S., Portugueses e Malaios. Malaca e os Sultanatos de Johor e Achém (1575-1619), Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Lisboa, 1997. IDEM, "Os casados de Malaca, 1511-1641: estratégias de adaptação e de sobrevivência", Blogue de História Lusófona, VI, Jun. 2011, pp. 141-156. SUBRAHMANYAM, Sanjay, "Commerce and Conflict: Two Views of Portuguese Melaka in the 1620s", Journal of Southeast Asian Studies, XIX, l (1988), pp. 62-79. THOMAZ, Luís Filipe Ferreira Reis, «Malaca e suas Comunidades Mercantis na Viragem do século XVI», De Ceuta a Timor, Difel, Lisboa, 1994, pp. 513-534. IDEM, Os Portugueses em Malaca (1511-1580), Dissertação de licenciatura, Faculdade de Letras da Universidade e Lisboa, vol. I, 1964 (dactil.).