Data de publicação
2009
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No período da descoberta portuguesa, os Açores ficaram dependentes da Ordem de Cristo, quer na vertente espiritual, quer na temporal. O governo temporal da Ordem de Tomar era administrado pelo Grão-Mestre, responsável pela construção, conservação e provisão de parte das igrejas insulares. As capelas-mores e as sacristias (com os respectivos paramentos e ornamentos, incluindo os sinos) eram da responsabilidade do administrador da Ordem, enquanto que o resto dos edifícios (que incluía a torre dos sinos, a pia baptismal, o cruzeiro, os confessionários, o lajeamento do edifício e do adro) era uma competência dos seculares, Competia ainda ao governador da Ordem a nomeação dos sacerdotes insulares e o respectivo sustento económico, sustentado pela arrecadação do dízimo. Esta obrigatoriedade permanecerá sempre adstrita ao governador da Ordem de Cristo e após 1495 será a dinastia de Avis a responsável por todos os sectores de cariz temporal da Igreja açoriana. No plano espiritual, competia ao Prior de Tomar a fiscalização dos preceitos religiosos, designando frades da Ordem para garantir o acompanhamento espiritual dos povoadores e escolhendo visitadores para a observação dos regulamentos canónicos.

Em 1514, com a criação da Diocese do Funchal, a tutela espiritual das ilhas açorianas é transferida para o bispo madeirense, numa fase que durará vinte anos. O desenvolvimento do arquipélago dos Açores e a política de gestão religiosa do Império ultramarino encabeçada por D. João III permite à coroa portuguesa a fundação da Diocese de Angra, sedeada na nova cidade de Angra, desvinculando-se da tutela do bispo do Funchal. A bula Aequum reputamus, de 3 de Novembro de 1534, designa o rei de Portugal como Padroeiro da diocese, com incumbências diversas, nomeadamente a apresentação ao Papa dos nomes dos bispos e a apresentação ao bispo de todas as dignidades do Cabido e dos sacerdotes das nove ilhas. Desta forma, a partir de 1534, a coroa portuguesa passa a conjugar a jurisdição temporal (como administradora da Ordem de Cristo) com os benefícios de Padroeira. Apesar da articulação entre a esfera espiritual e temporal, os reis portugueses serão, compreensivelmente, mais eficientes no cumprimento da primeira competência e menos zeladores da segunda. Esta circunstância, que se manterá operacional até ao Liberalismo, vai provocar a deterioração patrimonial de muitas igrejas e ermidas nas ilhas dos Açores, bem como múltiplas queixas por parte de um clero paroquial, economicamente dependente das receitas de um tesouro régio que privilegia outras áreas de investimento.

Além da estrutura paroquial, as fontes mais antigas referem a importância da espiritualidade franciscana, registada desde os primeiros tempo do povoamento. Logo em 1446, os franciscanos instalam-se em Santa Maria. Ao longo do século XVI, a Ordem de S. Francisco edifica sete conventos nas ilhas mais povoadas: três em São Miguel, dois na Terceira, um em Santa Maria e um no Faial. O desenvolvimento dos conventos franciscanos no arquipélago conduz a que, em 1640, a custódia açoriana seja elevada à categoria de Província. A partir de então, observa-se um novo fôlego franciscano, com a fundação de mais conventos, agora em zonas e ilhas mais periféricas: em São Miguel, os conventos de São Sebastião na vila do Nordeste (1643) e de Nossa Senhora da Ajuda, nos Fenais da Ajuda (1681); em São Jorge, o de São Diogo no Topo (1650); nas Flores, o de São Boaventura em Santa Cruz (1642); no Faial, o de Santo António na Horta (1710); e no Pico, o de São Pedro de Alcântara, em São Roque (1720).

Este dinamismo leva a que, em 1717, a Província se divida em duas custódias: a de São Miguel, com tutela sobre as duas ilhas do grupo oriental; e a da Terceira, que engloba as ilhas do grupo central e ocidental. Em suma, na primeira metade do século XVIII, os Açores possuem dezoito conventos franciscanos dispersos por todas as ilhas, com excepção da do Corvo. Em relação a outras ordens, refiramos os Carmelitas Calçados, que se instalam na Horta em 1649) e os Jesuítas, que fundam colégios em Angra (1570); em Ponta Delgada (1591) e na Horta (1648). Por sua vez, a presença de ordens religiosas femininas nos Açores foi marcada pela segunda ordem franciscana, as clarissas. Distribuíram-se por 15 conventos: seis localizados na Terceira; seis em São Miguel; dois no Faial e um em São Jorge. No decurso de Seiscentos, foi a vez das Concepcionistas fundarem dois conventos: um em Angra (1608) e outro em Ponta Delgada (1671).

A vivacidade da presença religiosa regular foi acompanhada por um dinamismo espiritual laico. A maioria dos mosteiros, conventos, recolhimentos, igrejas e ermidas açorianas foram fundadas por particulares, padroeiros com objectivos diversos, desde o encaminhamento de alguns dos seus descendentes para uma vida de celibato e recolhimento até à vontade de edificar espaços funerários familiares. Por outro lado, subsistiu uma religiosidade mais formal, que o processo de reforma católica reforçou nos Açores, a par de uma espiritualidade composta de devoções populares, como é o caso do culto à Terceira Pessoa da Trindade, que ainda hoje se mantém com grande pujança nas nove ilhas dos Açores. A centralidade do culto cristológico (comprovado pela devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, em São Miguel, ou Bom Jesus, no Pico) e da devoção mariana (exemplificada pelas romarias realizadas no período da Quaresma na ilha de São Miguel) complementam uma diversidade de comportamentos religiosos que, remontando ao século XVI, ainda hoje caracterizam a prática devocional dos açorianos.

Bibliografia:
AAVV, História dos Açores. Do descobrimento ao século XX, direcção científica de Artur Teodoro de Matos, Avelino de Freitas de Meneses e José Guilherme Reis Leite, Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 2008, três volumes. COSTA, Susana Goulart, Açores: Nove Ilhas, Uma História / Azores: Nine Islands, One History, Berkeley, University of California, 2008.
 

Autoria da imagem
Alexandra Pelúcia
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Igreja da Companhia de Jesus, Horta