Data de publicação
2011
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A definição comummente aceite de pirataria, seja qual for o período histórico de enquadramento, corresponde à prática violenta de assaltos marítimos conduzidos por grupos dotados de uma organização interna mais ou menos sofisticada, embora sempre desprovidos da tutela e da orientação estratégica de um Estado. Significa isto que existe uma diferença elementar relativamente ao corso, mas também que é muito estreita a linha de separação entre as duas actividades. Daí a relativa facilidade de observação, em múltiplos espaços e temporalidades, de casos de corsários que extrapolaram os limites da sua jurisdição e cometeram ilegalidades, susceptíveis de serem conotadas com pirataria, e perfeitos salteadores que acabaram por ser perdoados e reintegrados ao serviço do poder naval das respectivas nações.
Descrita desta forma se entende que a pirataria exija condições específicas de desenvolvimento. Desde logo tripulações apetrechadas e motivadas, seja pela ambição de alcançar fortuna fácil, pelo desejo de viver sem constrangimentos demasiado limitativos ou pela necessidade de escapar ao braço da Justiça. Tão ou mais importantes são outros dois factores, de âmbito geopolítico e geoeconómico, a saber, a localização das operações ou dos portos de abrigo dos piratas em áreas dotadas de uma autoridade fraca ou omissa, portanto favorável à impunidade dos mesmos, e simultaneamente associadas a fontes de riqueza, seja por via de produção local ou do cruzamento de importantes rotas marítimas.
A história de Portugal na época medieval e até nos primórdios da Idade Moderna, enquanto o processo expansionista esteve confinado aos cenários norte-africano e atlântico, não se coadunou com a emergência de fenómenos significativos de pirataria tendo súbditos nacionais como protagonistas. A fixação lusa na Ásia marítima, a partir dos inícios do século XVI, ditou mudanças nessa realidade, essencialmente por força da incapacidade material e humana para fazer alastrar o domínio da Coroa a toda aquela vasta superfície, acrescendo os muitos e apetecíveis produtos que animavam os tráficos marítimos do Oceano Índico.
Conquanto se revelem parcas nos comentários, as crónicas e a documentação avulsa atestam algumas ocorrências relacionadas com fugas de navios, determinadas pelos próprios capitães ou por motins desencadeados pelas tripulações, bem como situações de portugueses que abandonavam o serviço régio, congregando-se depois para a realização de presas. A este propósito refira-se a existência de uma comunidade especial, os chamados Feringis (palavra de origem persa, significando literalmente Francos) do reino birmane do Arracão. Desde meados de Quinhentos até ao ano de 1666, centenas de portugueses e de luso-descendentes viveram radicados em cidades vizinhas das bocas do rio Ganges, entre as quais avultava a de Chatigão, a partir das quais desferiam ofensivas marítimas de pilhagem contra as terras do Bengala, entretanto conquistada pelo Império Mogol. Tais acometimentos eram realizados sob o patrocínio explícito do reino do Arracão, em função dos seus altos objectivos políticos, militares e, claro, económicos, pelo que não será deveras apropriado designá-los de piratas. Ainda assim, importa evocá-los como exemplo marcante dos portugueses que se subtraíram ao controlo oficial e se dedicaram à depredação marítima.
Os palcos eleitos para a concretização de assaltos por parte de piratas portugueses eram diversos. Apesar de serem, naturalmente, mais procuradas as zonas situadas a leste do Cabo Comorim, como o Golfo de Bengala e o Mar da China, onde a influência do Estado Português da Índia se encontrava bastante diluída, também se verificaram casos junto à costa de Melinde (na costa oriental africana), ao largo da Arábia do Sul e inclusive perto da boca do Mar Vermelho, onde era frequente a presença de armadas portugueses que se dedicavam a acções de corso.
A agenda destes súbditos desalinhados em nada era coincidente com a das autoridades portuguesas, mas a política de castigos que lhes eram aplicados não era uniforme. Quando eram capturados ou até quando se apresentavam voluntariamente, os homens socialmente menos qualificados eram sujeitos a penas de morte, de degredo e de marcação de ferros no rosto enquanto aqueles que pertenciam ao estrato nobiliárquico conseguiam, geralmente, aceder ao perdão. Tenha-se presente que os nobres que tinham a cargo comandos navais do Estado da Índia não feriam apenas os interesses oficiais quando desviavam embarcações para a prática não autorizada de presas. Sucedia o mesmo quando, no decurso de missões regulares e oficiais, se apropriavam indevidamente de parte dos espólios apreendidos, lesando a Coroa no pagamento do quinto que lhe era devido; violavam salvo-condutos de navegação - os cartazes - concedidos às entidades aliadas; ou subvertiam os propósitos pacíficos das missões que lhes eram confiadas e que estavam inscritos nos regimentos de viagem que lhes tinham sido entregues.
Bibliografia:
PELÚCIA, Alexandra, Corsários e Piratas Portugueses. Aventureiros nos Mares da Ásia, Lisboa, Esfera dos Livros, 2010.
Descrita desta forma se entende que a pirataria exija condições específicas de desenvolvimento. Desde logo tripulações apetrechadas e motivadas, seja pela ambição de alcançar fortuna fácil, pelo desejo de viver sem constrangimentos demasiado limitativos ou pela necessidade de escapar ao braço da Justiça. Tão ou mais importantes são outros dois factores, de âmbito geopolítico e geoeconómico, a saber, a localização das operações ou dos portos de abrigo dos piratas em áreas dotadas de uma autoridade fraca ou omissa, portanto favorável à impunidade dos mesmos, e simultaneamente associadas a fontes de riqueza, seja por via de produção local ou do cruzamento de importantes rotas marítimas.
A história de Portugal na época medieval e até nos primórdios da Idade Moderna, enquanto o processo expansionista esteve confinado aos cenários norte-africano e atlântico, não se coadunou com a emergência de fenómenos significativos de pirataria tendo súbditos nacionais como protagonistas. A fixação lusa na Ásia marítima, a partir dos inícios do século XVI, ditou mudanças nessa realidade, essencialmente por força da incapacidade material e humana para fazer alastrar o domínio da Coroa a toda aquela vasta superfície, acrescendo os muitos e apetecíveis produtos que animavam os tráficos marítimos do Oceano Índico.
Conquanto se revelem parcas nos comentários, as crónicas e a documentação avulsa atestam algumas ocorrências relacionadas com fugas de navios, determinadas pelos próprios capitães ou por motins desencadeados pelas tripulações, bem como situações de portugueses que abandonavam o serviço régio, congregando-se depois para a realização de presas. A este propósito refira-se a existência de uma comunidade especial, os chamados Feringis (palavra de origem persa, significando literalmente Francos) do reino birmane do Arracão. Desde meados de Quinhentos até ao ano de 1666, centenas de portugueses e de luso-descendentes viveram radicados em cidades vizinhas das bocas do rio Ganges, entre as quais avultava a de Chatigão, a partir das quais desferiam ofensivas marítimas de pilhagem contra as terras do Bengala, entretanto conquistada pelo Império Mogol. Tais acometimentos eram realizados sob o patrocínio explícito do reino do Arracão, em função dos seus altos objectivos políticos, militares e, claro, económicos, pelo que não será deveras apropriado designá-los de piratas. Ainda assim, importa evocá-los como exemplo marcante dos portugueses que se subtraíram ao controlo oficial e se dedicaram à depredação marítima.
Os palcos eleitos para a concretização de assaltos por parte de piratas portugueses eram diversos. Apesar de serem, naturalmente, mais procuradas as zonas situadas a leste do Cabo Comorim, como o Golfo de Bengala e o Mar da China, onde a influência do Estado Português da Índia se encontrava bastante diluída, também se verificaram casos junto à costa de Melinde (na costa oriental africana), ao largo da Arábia do Sul e inclusive perto da boca do Mar Vermelho, onde era frequente a presença de armadas portugueses que se dedicavam a acções de corso.
A agenda destes súbditos desalinhados em nada era coincidente com a das autoridades portuguesas, mas a política de castigos que lhes eram aplicados não era uniforme. Quando eram capturados ou até quando se apresentavam voluntariamente, os homens socialmente menos qualificados eram sujeitos a penas de morte, de degredo e de marcação de ferros no rosto enquanto aqueles que pertenciam ao estrato nobiliárquico conseguiam, geralmente, aceder ao perdão. Tenha-se presente que os nobres que tinham a cargo comandos navais do Estado da Índia não feriam apenas os interesses oficiais quando desviavam embarcações para a prática não autorizada de presas. Sucedia o mesmo quando, no decurso de missões regulares e oficiais, se apropriavam indevidamente de parte dos espólios apreendidos, lesando a Coroa no pagamento do quinto que lhe era devido; violavam salvo-condutos de navegação - os cartazes - concedidos às entidades aliadas; ou subvertiam os propósitos pacíficos das missões que lhes eram confiadas e que estavam inscritos nos regimentos de viagem que lhes tinham sido entregues.
Bibliografia:
PELÚCIA, Alexandra, Corsários e Piratas Portugueses. Aventureiros nos Mares da Ásia, Lisboa, Esfera dos Livros, 2010.