Data de publicação
2011
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De modo genérico, corso corresponde a uma actividade de combate e assalto marítimo conduzida debaixo da tutela de um poder de natureza institucional, visando a perseguição de interesses rivais e a retaliação de agressões do mesmo género. Considerando esta acepção, o corso teve uma expressão precoce em Portugal, visto que, desde o século XII, se realizaram ataques marítimos contra objectivos muçulmanos, reforçando-se claramente esta disposição a partir do reinado de D. Dinis (1279-1325), quando se criou o primeiro dispositivo oficial de guerra naval, colocado sob a alçada do almirante Manuel Pessanha, de origem genovesa, e o rei se referiu à existência de corsários por si patrocinados. Dada a amplitude geográfica das redes comerciais a que o Reino estava associado e a distância a que estavam situados os principais focos de oposição islâmica, implantados no Norte de África, as práticas portuguesas de corso tanto decorriam no Mar das Éguas (balizado entre o Sul da Península Ibérica e a costa atlântica de Marrocos) como no estreito de Gibraltar ou no Mediterrâneo Ocidental.

A conquista de Ceuta, em 1415, permitiu reforçar a capacidade operacional portuguesa neste âmbito, sendo conhecidas as missões corsárias confiadas a armadas que largavam daquele porto marroquino e estavam sob a dependência do capitão da fortaleza, D. Pedro de Meneses, bem como dos infantes D. Pedro e D. Henrique, os quais gozavam de licenças expressas da Coroa para o efeito. O espírito corsário acabou mesmo por presidir à génese dos Descobrimentos, uma vez que as tripulações sucessivamente enviadas pelo infante D. Henrique, a partir de 1422, para tentar dobrar o Cabo Bojador compensavam invariavelmente o fracasso geoestratégico através do cometimento de assaltos à navegação muçulmana. Mesmo depois de Gil Eanes ter vencido o medo do Cabo em 1434, o ambiente corsário prevaleceu durante mais catorze anos, até o Infante D. Henrique decidir que as relações comerciais pacíficas com as populações da costa ocidental africana se deveriam sobrepor aos ataques perpetrados contra as respectivas aldeias. Seria já após a morte de D. Henrique, entre 1475 e 1479, que o movimento de exploração do Atlântico e do litoral africano contíguo daria novo pretexto aos Portugueses para dinamizarem acções de corso, desta feita abrindo-se caça, geralmente bem sucedida, às embarcações castelhanas que tentaram afrontar o monopólio luso de acesso à região da Guiné.

A assinatura do tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-180) veio sanar o conflito e consolidar a hegemonia e os direitos monopolistas portugueses no Atlântico Sul. O prosseguimento dos Descobrimentos durante o reinado de D. João II (1481-1495) teve como principal consequência a confirmação da exequibilidade do plano de alcançar a Índia por via de uma passagem marítima no Sudoeste Africano, cabendo a D. Manuel I a ventura de o concretizar por intermédio da expedição comandada por Vasco da Gama (1497-1499).

Foi neste contexto que se começou a prefigurar um novo palco de intervenção corsária para os navios e capitães d'el-rei. Com efeito, o Gama alcançou pleno sucesso do ponto de vista da exploração geográfica e do encontro do principal centro indiano exportador de pimenta (Calecute), mas as relações com o soberano local e a comunidade mercantil islâmica revelaram-se tensas o bastante para suscitar dúvidas sobre o futuro das relações bilaterais. Agravava o panorama a circunstância de as principais rotas comerciais do Índico estarem sob controlo de muçulmanos, naturalmente, indisponíveis para ceder primazia aos Portugueses. Assim se compreende que Pedro Álvares Cabral, capitão-mor da segunda armada enviada por D. Manuel I à Índia, no ano de 1500, tenha sido instruído para interceptar todas as velas muçulmanas que fossem detectadas.

No desfecho da estadia cabralina no subcontinente tornara-se evidente que a guerra iria acompanhar os esforços portugueses de fixação na região. Posto ao corrente da situação, D. Manuel I aceitou os custos, políticos e materiais, inerentes à decisão de manter e desenvolver a presença lusa na Ásia marítima. Perseguindo-se, em última análise, um monopólio comercial das especiarias orientais houve necessidade concomitante de gizar uma estratégia de controlo marítimo, cuja primeira aplicação coube a Vasco da Gama, em 1502, e se traduziu na instalação de uma armada portuguesa a operar em permanência no Índico Ocidental e na instituição de salvo-condutos de navegação, vulgarmente designados como cartazes, concedidos aos aliados dos Portugueses. Todos os outros ficavam, automaticamente sob mira de ataque e apresamento, sendo que a superioridade da construção naval e das tácticas de guerra marítima portuguesas garantiam, à partida, elevadas probabilidades de êxito.

Nasceu assim uma "indústria" de corso nos mares da Ásia, particularmente activa na primeira metade do século XVI, cujo contributo para a formação e estruturação do Estado Português da Índia deve ser sublinhada, mais até em termos de afirmação político-militar do que no simples plano dos ganhos financeiros. Daí que a Coroa tivesse apontado como principais frentes de assalto as zonas sensíveis das rotas de navegação do Índico Ocidental, casos da costa indiana do Malabar, a partir de onde se exportava o grosso da pimenta; das águas envolventes das ilhas Maldivas, cruzadas por uma rota pimenteira alternativa que se desenvolveu a partir da ilha de Samatra; da zona de acesso ao Mar Vermelho, para onde confluíam as embarcações oriundas dos pontos já assinalados; e da costa, também indiana, do Guzerate, onde se acometiam naus muçulmanas provenientes do Mar Vermelho. Nas áreas localizadas a leste do Cabo Comorim e da ilha Ceilão, a atitude oficial portuguesa revelou-se bem mais comedida, fosse por falta de meios, pela presença muçulmana mais esbatida ou pela clara noção de que posturas agressivas seriam incompatíveis com profícuas relações comerciais.

Servindo, essencialmente, objectivos políticos e estratégicos, a verdade é que as investidas corsárias proporcionavam dividendos materiais e, por conseguinte, estimulavam abusos, mesmo considerando que a Coroa apenas reservava para seu usufruto 1/5 das presas, dividindo-se o resto entre os oficiais e tripulações em função da qualidade de estatuto de cada um. Entre os mecanismos de prevenção e detecção de fraudes contavam-se a existência de oficiais específicos, como os quadrilheiros, escrivães e feitores das presas, a inscrição do produto dos assaltos nos chamados livros de presas, guardados a bordo dos navios, e a realização de inquéritos às tripulações após desembarque nos portos do Estado da Índia. Os problemas associados ao corso não se cingiam, todavia, ao desvio de presas, referido com alguma frequência na documentação coeva, nem eram apenas resultantes da iniciativa de subalternos. São conhecidos os casos de diversos capitães d'el-rei que, seduzidos pela perspectiva de lucros, atacaram embarcações munidas de cartazes ou desrespeitaram ostensivamente as missões que lhes tinham sido confiadas, preferindo dedicar-se a assaltos marítimos, num manifesto choque entre interesses oficiais e privados.

Bibliografia:
PELÚCIA, Alexandra, Corsários e Piratas Portugueses. Aventureiros nos Mares da Ásia, Lisboa, Esfera dos Livros, 2010. THOMAZ, Luís Filipe F. R., «Do Cabo Espichel a Macau: Vicissitudes do Corso Português», in As Relações entre a Índia Portuguesa, a Ásia do Sueste e o Extremo Oriente. Actas do VI Seminário Internacional de História Indo-Portuguesa (Macau, 22 a 26 de Outubro de 1991), eds. Artur Teodoro de Matos e Luís Filipe F. R. Thomaz, Macau-Lisboa, s.n., 1993, pp. 537-568.