Data de publicação
2013
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Os escassos elementos escritos sobre a região de Baçaim na Antiguidade evidenciam a importância dos centros portuários de Galiana (Kalyan) e Sopara (Supara), superados nesta função por Taná durante a Idade Média. Os vestígios de santuários escavados na rocha, mormente na ilha de Salsete, comprovam a ocupação do espaço por comunidades monásticas budistas desde o século I a.C.. A zona parece ter escapado em grande medida à confrontação militar posterior ao desmembramento do império Gupta. Aquando do advento dos portugueses no Índico, Taná perdera já grande parte do fulgor, tendo sido substituída por Baçaim como centro político da região. Esta era, contudo, uma escápula marginal do sultanato do Guzerate, gozando de grande autonomia política. Terá sido por isso que Bahâdur Shâh acedeu a concedê-la aos cristãos em 1534, aliviando a pressão naval que estes vinham exercendo sobre os seus domínios e permitindo-lhe concentrar-se nas guerras terrestres com o emergente império mogor.
O Estado da Índia incorporou, então, pela primeira vez, uma possessão com significativa profundidade territorial. Depois das conquistas de Manorá e Asserim em 1556, o território totalizou cerca de 2.500km2, distribuídos por uma faixa costeira de 115 km de comprimento e 30 km de largura, englobando cerca de 350 aldeias, repartidas em seis caçabés e seis praganas, além da grande e próspera ilha de Salsete.
Na exploração económica do território foram mantidas as circunscrições fundiárias preexistentes, bem como as relações campesinas e obrigações que lhe eram inerentes; os detentores de aldeias deveriam prestar auxílio militar ao soberano, participando na defesa da possessão com cavalo e vivendo obrigatoriamente em Baçaim. A esmagadora maioria dos antigos concessionários foi, porém, rapidamente substituída por portugueses e seus aliados indianos, servidores da Coroa na Ásia, combatentes nos cercos de Diu, casados e membros da baixa nobreza. Este paradigma de ocupação territorial levou a que os portugueses, depois de resistirem com sucesso à reacção das elites muçulmanas lesadas pelos novos senhores de Baçaim, alargassem ainda mais os seus domínios, com a incorporação das terras de Damão, constituindo a Província do Norte do Estado da Índia.
Durante o seu primeiro século em Baçaim, os portugueses gozaram de uma situação de estabilidade territorial. Apenas duas incursões abalaram seriamente a área vital do distrito, em 1593-94 e 1613-15, por forças do sultanato de Ahmadnagar, já que o cerco de Chaul de 1570-71 lhe tocou marginalmente. Os equilíbrios e rivalidades entre o Grão-Mogor e os sultanatos do Decão foram decisivos para que esta zona costeira se mantivesse salvaguardada, bem como as relações amistosas entre Goa e o império. Nobres deste potentado chegaram a atacar domínios lusos, mas sempre fora da jurisdição de Baçaim, servindo o distrito de Damão como tampão destas investidas, tal como Chaul polarizou as atenções dos sultões Nizâmshâhi. As regiões sertanejas do território sofreram incursões do pequeno reino dos Mahaved Kolis, mas estas destinavam-se a obrigar os produtores a ceder-lhe parte dos rendimentos agrícolas, o que não logrou duradouramente. Quanto aos corsários malabares são escassas as notícias das suas acções naquela orla marítima. Assim, durante este período a jurisdição de Baçaim manteve apreciável estabilidade territorial.
Este contexto político-militar favoreceu a apropriação portuguesa do espaço, embora se tenham consagrado claramente dois programas distintos de colonização segundo a área considerada, coincidentes aliás com distintos padrões de segurança. Por um lado, a faixa costeira, entre os caçabés de Agaçaim e Baçaim, a Norte, e Bombaim e Caranjá, a Sul, incluindo a ilha de Salsete, era o espaço vital e obrigatoriamente inviolável do distrito, onde era expectável que a população não se limitasse apenas a cumprir as obrigações fiscais devidas à Coroa, mas integrasse a sociedade portuguesa cristã. Por outro lado, as praganas sertanejas eram zonas mais permeáveis a pequenas incursões externas e o Estado pugnava, essencialmente, para que o reconhecimento do domínio português se traduzisse na manutenção do afluxo à cidade das suas receitas fundiárias.
Na apropriação do território destacaram-se, desde os primeiros tempos, os missionários do Padroado, na prática encarregues pela Coroa de criar nesta possessão um grupo social que se identificasse com o domínio luso. Os religiosos espalharam-se por inúmeras aldeias do distrito, marcando indelevelmente a paisagem rural com as suas igrejas, assegurando um verdadeiro controlo sobre a população em zonas onde a administração régia não chegava, sendo o elevado número de baptismos entre os indianos o factor central da sua influência. Paralelamente, em muitas épocas o Estado parece ter confiado mais nos membros das congregações religiosas, nomeadamente nos jesuítas, que nos seus oficiais designados para o território, confiando-lhes áreas tradicionalmente pertencentes ao foro civil. As vastas atribuições de que foram investidos acarretaram obviamente uma remuneração, pelo que os religiosos foram dos principais beneficiários das receitas régias do distrito e, no caso dos inacianos, dos maiores concessionários de parcelas fundiárias, em benefício das suas várias missões asiáticas. Todo este protagonismo determinou, portanto, que os missionários alcançassem um estatuto de líderes da administração portuguesa em Baçaim.
Um grupo pertencente a uma segunda vaga de foreiros de Baçaim, mais proeminente e detentora de altos cargos na administração do Estado da Índia, especialmente no Norte, partilhou este estatuto com os membros das ordens religiosas. Efectivamente radicados em Baçaim, sobretudo a partir das últimas décadas do século XVI, estes fidalgos aproveitaram a debilidade da máquina administrativa régia para alargar progressivamente as suas concessões e reforçar o seu protagonismo local. Os limites do seu poder enquanto grupo acabaram por radicar na pouca permanência de muitos indivíduos como foreiros de Baçaim, pela transacção de terras como bem económico, destinado à satisfação de dívidas ou à contratação de matrimónios, e na relativa dispersão dos bens fundiários régios.
Quanto à Coroa, centrou-se em Baçaim preferencialmente na dimensão militar, nomeadamente na construção e reparação de fortificações e no provimento de oficiais e soldados. Inicialmente os investimentos foram escassos, combinando-se o aparelho administrativo típico das possessões portuguesas costeiras no Índico com a estrutura preexistente, mais adequada à defesa de um território, fazendo-se amplo uso de peonagem indiana. No âmbito dos conflitos militares supracitados, o esforço militar do Estado redobrou-se, com a construção da cerca de Baçaim, a melhoria do dispositivo defensivo da ilha de Salsete e o incremento de estruturas perecíveis para defesa do sertão. Reforçaram-se também os contingentes militares de Manorá e Asserim, posições no interior que eram consideradas vitais para a protecção deste distrito e da parte meridional do de Damão. No entanto, a capacidade defensiva do território permaneceu com inúmeras carências, pela irregularidade dos investimentos em infra-estruturas, a ineficácia na administração de verbas que lhe eram dedicadas em benefício de diversos níveis de poder local e pelo absentismo dos moradores em cumprir as suas obrigações militares. O contexto político favorável inibiu um corte com esta situação.
O Estado preocupou-se também, naturalmente, com a questão financeira. Para Goa, as principais valias de Baçaim eram a produção de bens alimentares e a construção naval. O facto de sustentar uma parte não negligenciável de súbditos da Coroa através de rendas fundiárias, remunerando assim um conjunto de militares disponíveis para as necessidades ou de religiosos responsáveis pelas mais prestigiadas missões do Padroado, foi também um aspecto assaz relevante na lógica redistributiva da capital. Além disso, Baçaim rendeu sempre uma soma considerável, destacando-se como uma das praças do Estado da Índia com receita e saldo contabilístico mais positivo, sem que para isso tivesse sido alterado substancialmente o quadro tributário preexistente. O balanço de contas da feitoria local permitiu, por isso, que aí fossem consignadas amiúde variadas despesas gerais.
O sucesso económico de Baçaim assentou nos avultados rendimentos agrícolas da área sob sua jurisdição, sobretudo nos foros pagos pelos concessionários das explorações fundiárias, já que o porto esteve longe de se afirmar como uma escápula relevante nos fluxos mercantis do Índico, como Diu ou Chaul. Ainda assim, satisfeitos os tributos régios, raramente os proprietários drenaram os seus avultados excedentes de arroz para Goa, como aqui se pretendeu periodicamente, exportando-os antes com maiores lucros para os mercados circunvizinhos, nomeadamente do Guzerate. Já os fornecimentos alimentares a praças sitiadas na primeira metade de Seiscentos, como Mombaça ou Mascate, foram um contributo importante para ultrapassar uma época de grandes desafios para as possessões portuguesas orientais. O fornecimento de madeira e a dinâmica local de construção naval, sobretudo de pequenos navios de tipologia asiática para as frotas dos mares da Ásia, ajudou a Coroa a suprir a sua grande carência de meios navais para as suas operações.
Todas estas realidades se comprometeram seriamente com a alteração do cenário político-militar em meados do século XVII. Foi a época de destruição do sultanato de Ahmadnagar, pelo avanço aparentemente inquebrantável do império mogor para Sul, destruindo a ordem favorável aos portugueses da centúria anterior. Coincidiu simultaneamente com a emergência de um novo poder terrestre, os maratas, mais aguerridos e vizinhos dos portugueses e com interesses claramente divergentes dos do Estado da Índia. No mar, depois dos corsários malabares e dos empreendimentos mercantis de outras nações europeias, os portugueses passaram a contar com o desafio temerário dos omanitas. Foi, porém, com a cessão de Bombaim aos britânicos em 1665, como recompensa pelo apoio dado no pós-Restauração, que se materializou o verdadeiro cerco geo-estratégico ao distrito, neste ano amputado pela primeira vez de uma das suas parcelas, já que os objectivos destes também cedo se revelaram antagónicos aos dos portugueses. A alteração drástica de contexto lançou novos desafios à colonização lusa de Baçaim, assente em estruturas, dinâmicas, protagonistas e, também, vícios e carências há muito estabelecidas. Assim, em 1739, ante a impassibilidade cúmplice dos britânicos, os maratas atacaram e conquistaram o território, pondo fim a cerca de dois séculos de domínio português. Este deixou marcas nas gentes e na terra que perduraram até aos nossos dias e que enformam a metrópole de Mumbai.
Bibliografia - COUTO, Dejanirah, “A Fortaleza de Baçaim”, in Oceanos, nº28, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 105-18. - CUNHA, J. Gerson da, Notes on the History and Antiquities of Chaul and Bassein, 2ª edição, Nova Deli, Asian Educational Services, 1993 [1ª edição, Bombay, Thacker Vining & Co., 1876]; - GOMES, Paulo Varela e Walter Rossa, “O primeiro território: Bombaim e os Portugueses”, in Oceanos, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, nº41, pp. 210-224. - PEREIRA, A. B. Bragança, “Os Portugueses em Baçaim”, in O Oriente Português, nº7-9, Comissão Arqueológica da Índia Portuguesa, 1935, pp. 97-315. - TEIXEIRA, André, Baçaim e o seu território: política e economia (1534-1665). Doutoramento em História, especialidade em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010.
O Estado da Índia incorporou, então, pela primeira vez, uma possessão com significativa profundidade territorial. Depois das conquistas de Manorá e Asserim em 1556, o território totalizou cerca de 2.500km2, distribuídos por uma faixa costeira de 115 km de comprimento e 30 km de largura, englobando cerca de 350 aldeias, repartidas em seis caçabés e seis praganas, além da grande e próspera ilha de Salsete.
Na exploração económica do território foram mantidas as circunscrições fundiárias preexistentes, bem como as relações campesinas e obrigações que lhe eram inerentes; os detentores de aldeias deveriam prestar auxílio militar ao soberano, participando na defesa da possessão com cavalo e vivendo obrigatoriamente em Baçaim. A esmagadora maioria dos antigos concessionários foi, porém, rapidamente substituída por portugueses e seus aliados indianos, servidores da Coroa na Ásia, combatentes nos cercos de Diu, casados e membros da baixa nobreza. Este paradigma de ocupação territorial levou a que os portugueses, depois de resistirem com sucesso à reacção das elites muçulmanas lesadas pelos novos senhores de Baçaim, alargassem ainda mais os seus domínios, com a incorporação das terras de Damão, constituindo a Província do Norte do Estado da Índia.
Durante o seu primeiro século em Baçaim, os portugueses gozaram de uma situação de estabilidade territorial. Apenas duas incursões abalaram seriamente a área vital do distrito, em 1593-94 e 1613-15, por forças do sultanato de Ahmadnagar, já que o cerco de Chaul de 1570-71 lhe tocou marginalmente. Os equilíbrios e rivalidades entre o Grão-Mogor e os sultanatos do Decão foram decisivos para que esta zona costeira se mantivesse salvaguardada, bem como as relações amistosas entre Goa e o império. Nobres deste potentado chegaram a atacar domínios lusos, mas sempre fora da jurisdição de Baçaim, servindo o distrito de Damão como tampão destas investidas, tal como Chaul polarizou as atenções dos sultões Nizâmshâhi. As regiões sertanejas do território sofreram incursões do pequeno reino dos Mahaved Kolis, mas estas destinavam-se a obrigar os produtores a ceder-lhe parte dos rendimentos agrícolas, o que não logrou duradouramente. Quanto aos corsários malabares são escassas as notícias das suas acções naquela orla marítima. Assim, durante este período a jurisdição de Baçaim manteve apreciável estabilidade territorial.
Este contexto político-militar favoreceu a apropriação portuguesa do espaço, embora se tenham consagrado claramente dois programas distintos de colonização segundo a área considerada, coincidentes aliás com distintos padrões de segurança. Por um lado, a faixa costeira, entre os caçabés de Agaçaim e Baçaim, a Norte, e Bombaim e Caranjá, a Sul, incluindo a ilha de Salsete, era o espaço vital e obrigatoriamente inviolável do distrito, onde era expectável que a população não se limitasse apenas a cumprir as obrigações fiscais devidas à Coroa, mas integrasse a sociedade portuguesa cristã. Por outro lado, as praganas sertanejas eram zonas mais permeáveis a pequenas incursões externas e o Estado pugnava, essencialmente, para que o reconhecimento do domínio português se traduzisse na manutenção do afluxo à cidade das suas receitas fundiárias.
Na apropriação do território destacaram-se, desde os primeiros tempos, os missionários do Padroado, na prática encarregues pela Coroa de criar nesta possessão um grupo social que se identificasse com o domínio luso. Os religiosos espalharam-se por inúmeras aldeias do distrito, marcando indelevelmente a paisagem rural com as suas igrejas, assegurando um verdadeiro controlo sobre a população em zonas onde a administração régia não chegava, sendo o elevado número de baptismos entre os indianos o factor central da sua influência. Paralelamente, em muitas épocas o Estado parece ter confiado mais nos membros das congregações religiosas, nomeadamente nos jesuítas, que nos seus oficiais designados para o território, confiando-lhes áreas tradicionalmente pertencentes ao foro civil. As vastas atribuições de que foram investidos acarretaram obviamente uma remuneração, pelo que os religiosos foram dos principais beneficiários das receitas régias do distrito e, no caso dos inacianos, dos maiores concessionários de parcelas fundiárias, em benefício das suas várias missões asiáticas. Todo este protagonismo determinou, portanto, que os missionários alcançassem um estatuto de líderes da administração portuguesa em Baçaim.
Um grupo pertencente a uma segunda vaga de foreiros de Baçaim, mais proeminente e detentora de altos cargos na administração do Estado da Índia, especialmente no Norte, partilhou este estatuto com os membros das ordens religiosas. Efectivamente radicados em Baçaim, sobretudo a partir das últimas décadas do século XVI, estes fidalgos aproveitaram a debilidade da máquina administrativa régia para alargar progressivamente as suas concessões e reforçar o seu protagonismo local. Os limites do seu poder enquanto grupo acabaram por radicar na pouca permanência de muitos indivíduos como foreiros de Baçaim, pela transacção de terras como bem económico, destinado à satisfação de dívidas ou à contratação de matrimónios, e na relativa dispersão dos bens fundiários régios.
Quanto à Coroa, centrou-se em Baçaim preferencialmente na dimensão militar, nomeadamente na construção e reparação de fortificações e no provimento de oficiais e soldados. Inicialmente os investimentos foram escassos, combinando-se o aparelho administrativo típico das possessões portuguesas costeiras no Índico com a estrutura preexistente, mais adequada à defesa de um território, fazendo-se amplo uso de peonagem indiana. No âmbito dos conflitos militares supracitados, o esforço militar do Estado redobrou-se, com a construção da cerca de Baçaim, a melhoria do dispositivo defensivo da ilha de Salsete e o incremento de estruturas perecíveis para defesa do sertão. Reforçaram-se também os contingentes militares de Manorá e Asserim, posições no interior que eram consideradas vitais para a protecção deste distrito e da parte meridional do de Damão. No entanto, a capacidade defensiva do território permaneceu com inúmeras carências, pela irregularidade dos investimentos em infra-estruturas, a ineficácia na administração de verbas que lhe eram dedicadas em benefício de diversos níveis de poder local e pelo absentismo dos moradores em cumprir as suas obrigações militares. O contexto político favorável inibiu um corte com esta situação.
O Estado preocupou-se também, naturalmente, com a questão financeira. Para Goa, as principais valias de Baçaim eram a produção de bens alimentares e a construção naval. O facto de sustentar uma parte não negligenciável de súbditos da Coroa através de rendas fundiárias, remunerando assim um conjunto de militares disponíveis para as necessidades ou de religiosos responsáveis pelas mais prestigiadas missões do Padroado, foi também um aspecto assaz relevante na lógica redistributiva da capital. Além disso, Baçaim rendeu sempre uma soma considerável, destacando-se como uma das praças do Estado da Índia com receita e saldo contabilístico mais positivo, sem que para isso tivesse sido alterado substancialmente o quadro tributário preexistente. O balanço de contas da feitoria local permitiu, por isso, que aí fossem consignadas amiúde variadas despesas gerais.
O sucesso económico de Baçaim assentou nos avultados rendimentos agrícolas da área sob sua jurisdição, sobretudo nos foros pagos pelos concessionários das explorações fundiárias, já que o porto esteve longe de se afirmar como uma escápula relevante nos fluxos mercantis do Índico, como Diu ou Chaul. Ainda assim, satisfeitos os tributos régios, raramente os proprietários drenaram os seus avultados excedentes de arroz para Goa, como aqui se pretendeu periodicamente, exportando-os antes com maiores lucros para os mercados circunvizinhos, nomeadamente do Guzerate. Já os fornecimentos alimentares a praças sitiadas na primeira metade de Seiscentos, como Mombaça ou Mascate, foram um contributo importante para ultrapassar uma época de grandes desafios para as possessões portuguesas orientais. O fornecimento de madeira e a dinâmica local de construção naval, sobretudo de pequenos navios de tipologia asiática para as frotas dos mares da Ásia, ajudou a Coroa a suprir a sua grande carência de meios navais para as suas operações.
Todas estas realidades se comprometeram seriamente com a alteração do cenário político-militar em meados do século XVII. Foi a época de destruição do sultanato de Ahmadnagar, pelo avanço aparentemente inquebrantável do império mogor para Sul, destruindo a ordem favorável aos portugueses da centúria anterior. Coincidiu simultaneamente com a emergência de um novo poder terrestre, os maratas, mais aguerridos e vizinhos dos portugueses e com interesses claramente divergentes dos do Estado da Índia. No mar, depois dos corsários malabares e dos empreendimentos mercantis de outras nações europeias, os portugueses passaram a contar com o desafio temerário dos omanitas. Foi, porém, com a cessão de Bombaim aos britânicos em 1665, como recompensa pelo apoio dado no pós-Restauração, que se materializou o verdadeiro cerco geo-estratégico ao distrito, neste ano amputado pela primeira vez de uma das suas parcelas, já que os objectivos destes também cedo se revelaram antagónicos aos dos portugueses. A alteração drástica de contexto lançou novos desafios à colonização lusa de Baçaim, assente em estruturas, dinâmicas, protagonistas e, também, vícios e carências há muito estabelecidas. Assim, em 1739, ante a impassibilidade cúmplice dos britânicos, os maratas atacaram e conquistaram o território, pondo fim a cerca de dois séculos de domínio português. Este deixou marcas nas gentes e na terra que perduraram até aos nossos dias e que enformam a metrópole de Mumbai.
Bibliografia - COUTO, Dejanirah, “A Fortaleza de Baçaim”, in Oceanos, nº28, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996, pp. 105-18. - CUNHA, J. Gerson da, Notes on the History and Antiquities of Chaul and Bassein, 2ª edição, Nova Deli, Asian Educational Services, 1993 [1ª edição, Bombay, Thacker Vining & Co., 1876]; - GOMES, Paulo Varela e Walter Rossa, “O primeiro território: Bombaim e os Portugueses”, in Oceanos, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, nº41, pp. 210-224. - PEREIRA, A. B. Bragança, “Os Portugueses em Baçaim”, in O Oriente Português, nº7-9, Comissão Arqueológica da Índia Portuguesa, 1935, pp. 97-315. - TEIXEIRA, André, Baçaim e o seu território: política e economia (1534-1665). Doutoramento em História, especialidade em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010.