Data de publicação
2016
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Rui de Pina (1440?-1522). Escrivão, notário público, diplomata e cronista português, nascido e falecido na cidade da Guarda. Autor de extensa obra cronística realizada ao serviço de D. João II e de D. Manuel, a sua produção escrita manteve-se envolta em polémica desde o século XVI, com base nas duras críticas de Damião de Góis na Crónica de D. Manuel (1566). Ligado à casa do futuro D. João II, já em 1481 desempenhava o cargo de seu escrivão da câmara. Participou em várias embaixadas, nomeadamente a Castela em 1482, como secretário de João da Silveira, barão de Alvito, enviado para negociar o casamento do príncipe D. Afonso com a primogénita dos Reis Católicos; nesse mesmo ano aí voltou, com reclamações sobre as Terçarias e, em 1483, acompanhado do confessor régio, para tratar da sua anulação. Em 1485, fez parte da embaixada chefiada por D. Pedro de Noronha, mordomo-mor do rei, para prestar obediência ao novo papa Inocêncio VIII. Em 1493, deslocou-se a Barcelona para se entrevistar com os reis Fernando e Isabel, no contexto da chegada de Colombo às Américas e da demarcação das terras que culminaria no Tratado de Tordesilhas (1494). Foi grande a proximidade de Rui de Pina com D. João II, participando do conselho de Estado e de todas as cerimónias régias de relevo, e assistindo, em 1483, à execução do duque de Bragança em Évora. Em 1490, D. João II concedeu-lhe uma tença de 9 600 reais para escrever os feitos dos reis de Portugal. Não se tratava de o prover no ofício de cronista-mor, mas de “ uma mera comissão delRey D. João que empregava e favorecia todos os talentos e trabalhos úteis” (José Correia da Serra, “Introducção” à “Chronica do Senhor Rey D. Duarte”, in Collecção…, I, 1790, pp. 62-63). O então cronista-mor era o já idoso e prestigiado Vasco Fernandes de Lucena, a quem Rui de Pina servira como secretário na embaixada ao papa, onde Lucena proferiu uma oração de obediência centrada no processo expansionista português (Lucena, 1988). Foi testamenteiro de D. João II e assistiu à sua morte no Alvor, em 25 de Setembro de 1495. Após a ascensão de D. Manuel, manteve a confiança do novo monarca, que confirmou as mercês de D. João II, e lhe concedeu novas benesses. A 24 de Junho de 1497, Rui de Pina foi provido no ofício de cronista-mor e guarda-mor da Torre do Tombo e da Livraria régia, por desistência de Lucena, nomeando-o D. Manuel “ coronista moor das Coronicas e couzas passadas, e presentes […]”, com o ordenado anual de 12 000 reais (José Correia da Serra, ibidem, p. 64). Foi ainda sob sua orientação que se iniciou o projecto da “Leitura Nova”, embora viesse em breve a ser substituído nessa tarefa por Tomé Lopes (Gomes, 1993, p. 597).

A vasta obra cronística de Rui de Pina divide-se em dois grupos principais: as crónicas dos reis da dinastia de Avis - Crónicas de D. Duarte, D. Afonso V e de D. João II, sendo que as duas últimas estavam já terminadas em 1504; e um conjunto de crónicas dos reis da primeira dinastia, com excepção de D. Afonso Henriques, a cargo de Duarte Galvão, que a concluiria em 1505 – as Crónicas de D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV. Com excepção desta última, publicada em 1653, todas as outras permaneceram manuscritas até ao século XVIII. Estas crónicas dos reis da 1ª dinastia, juntamente com a crónica de D. Afonso Henriques, foram sucessivamente apresentadas pelos seus editores a partir do século XVII como fazendo parte de uma mais vasta Crónica Geral do Reino. Rui de Pina trabalhou ainda, por encomenda de D. João III, na crónica de D. Manuel, até à conquista de Azamor, em 1513 (Góis, IV, cap. 37). O conjunto desta produção cronística é profundamente desigual. As três crónicas dos reis de Avis são de concepção mais cuidada e documentada, e a narrativa, em particular na crónica de D. João II, mais viva e coesa, sobretudo se comparadas com as crónicas dos primeiros monarcas, de “ maior concisão e modéstia literária” (Gomes, 1993, p. 597), ou mesmo de “ feição esquemática, linear, seca, com um carácter fundamentalmente enumerativo” (Ferreira, 1979, p. 82). Estas profundas diferenças de composição e estilísticas seriam, aliás, um dos argumentos de fundo para a acusação de furto e apropriação de materiais alheios para compor as suas crónicas.

Foi Damião de Góis quem, ao publicar a Cronica do Felicissimo Rei D. Emanuel, em 1566, lançou um duro requisitório contra Pina, acusando-o de ter plagiado Fernão Lopes na composição das crónicas mais antigas incluindo a crónica de D. Duarte; para o episódio de Tânger, Pina ter-se-ia servido de Zurara (Góis, IV, 1955, caps. 37 e 38). Góis, em certa medida acompanhado por João de Barros, ergueu, pois, as bases de um processo histórico que durante séculos pesou sobre a memória de Rui de Pina enquanto historiador, sendo que hoje a severidade dessa crítica, a que o próprio Herculano aderiu e se prolongou no século XX, tende a ser matizada e recontextualizada pela historiografia. Como sintetizou Lindley Cintra a propósito deste debate, “ deveríamos definitivamente banir a classificação de “plágio” e “plagiar” para um género de trabalho a que o próprio Fernão Lopes se entregou” (cit. por Serrão, 1972, p. 111). Traço marcante é, no conjunto das crónicas dedicadas aos reis de Avis, o escasso relevo de referência às viagens portuguesas de navegação e conquista. Na Crónica de D. Duarte, Rui de Pina não refere as viagens africanas ou atlânticas; na de D. Afonso V refere as viagens henriquinas da seguinte forma: “ Acharam-se e povoaram-se as ilhas da Madeira e os navios henriquinos alcançaram a Serra Leoa”. A excepção é o pormenorizado relato sobre o Congo na Crónica de D. João II; mas não refere a viagem de Bartolomeu Dias e só ao de leve evoca as diligências do monarca para encontrar o reino do Preste João. Sendo que a tese do sigilo imposto por D. João II em torno do processo expansionista, defendida por Jaime Cortesão para procurar explicar tão parcas referências é hoje insustentável, é um facto que Rui de Pina, apesar da proximidade com os monarcas e da documentação ao seu dispor, não lhe conferiu a importância que lhe deram, poucas décadas depois, historiadores como João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda, marcando uma profunda e decisiva inflexão na historiografia portuguesa. Rui de Pina manteve os seus cargos até à sua morte, ocorrida em 1522. Entre outros filhos deixou Fernão de Pina (c. 1499-??) que lhe sucedeu nos ofícios de cronista-mor e de guarda-mor da Torre do Tombo.

Bibliografia
Referências bibliográficas Ferreira, Maria Emília Cordeiro – “Rui de Pina”, in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, V, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1979, pp. 81-83. Góis, Damião de - Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, nova edição conforme a primeira de 1566, IV, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1955. Gomes, Rita Costa – “Rui de Pina”, in Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, org. e coord. de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Lisboa, Editorial Caminho, 1993, pp. 597-598. Lucena, Vasco Fernandes de – Oração de Obediência ao Sumo Pontífice Inocêncio VIII dita por […], ed. fac-similada, com nota bibliográfica de Martim de Albuquerque e tradução portuguesa de Miguel Pinto de Meneses, Lisboa, Inapa, 1988. Serra, José Correia da – “Introducção” à “Chronica do Senhor Rey D. Duarte”, in Colleccção de Livros Ineditos de Historia Portugueza, dos Reinados de D. João I, D. Duarte,D. Affonso V e D. João II, Lisboa, Academia Real das Sciencias, I, 1790, pp. 61-66. Serrão, Joaquim Veríssimo – A Historiografia Portuguesa. Doutrina e Crítica, I – Séculos XII-XVI, Lisboa, Verbo, 1972.