Data de publicação
2009
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Período
Área Geográfica
Fernão Lopes de Castanheda escreveu na primeira metade do século XVI sobre a presença portuguesa nos espaços asiáticos. A sua História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses é a primeira crónica da Expansão a ser impressa, sendo traduzida ainda em Quinhentos para francês, castelhano, italiano, alemão e inglês.

O cronista afirma na sua História ser filho de Lopo Fernandes de Castanheda, licenciado em leis. Este exerceu durante vários anos cargos de administração da justiça, nomeadamente o de Juiz de Fora em Estremoz (1502) e em Coimbra (1503), onde proferiu a oração de Boas Vindas a D. Manuel e D. Maria. Em Santarém, Lopo Fernandes leu, em 1525, a oração em louvor de D. João III e D. Catarina. Aqui conviveu com humanistas tão marcantes como Cataldo Sículo, que viera para Portugal em 1485 a convite de D. João II para ser professor do príncipe herdeiro D. Afonso.

O jovem Fernão estudou no Convento de S. Domingos em Santarém. No prólogo do primeiro livro da História refere a sua partida para a Índia na companhia de seu pai que iria ocupar um lugar na administração da justiça, o de ouvidor da cidade de Goa. A 18 de Abril de 1528 partiu de Lisboa, a bordo da nau de António Saldanha, na armada do governador Nuno da Cunha, decerto para ocupar um lugar de escrivão na administração local. Na mesma armada seguia o seu primo Amador Leitão.

Apesar das tempestades e do naufrágio do galeão de Bernardim da Silveira, a nau de António Saldanha, onde seguiam os Castanhedas , chegou à Índia a 24 de Outubro de 1528. Retido, devido às monções, Nuno da Cunha permaneceu em Mombaça até Março de 1529, só entrando em Goa em Outubro para dar ordem de prisão ao governador cessante Lopo Vaz de Sampaio.

A presença do cronista no Oriente é por ele discretamente referenciada na História. Para além de assinalar as vicissitudes da viagem a bordo da nau de António Saldanha, descreve o descontentamento que presenciou em Cananor, desencadeado pela prisão de Lopo Vaz de Sampaio, a mando do monarca, sinalizando os documentos que viu, comprovando os factos narrados, e os intervenientes na acção que conheceu. Estes testemunhos revelam o seu envolvimento no quotidiano goês e numa das prioridades da acção governativa de Nuno da Cunha a tomada de Diu, praça que era um das chaves de controlo das rotas do Índico e que resistia à presença portuguesa naquele espaço.

Em 1531 Castanheda acompanhou o governador na tentativa de conquista de Diu. Veladamente expõe a sua presença durante os combates, sinalizando os confrontos desencadeados nas várias frentes, assinalando, por exemplo, o fumo que emanava dos focos de incêndio provocados pela artilharia portuguesa. Nesta batalha encontrava-se igualmente um outro historiador da presença portuguesa na Ásia, Gaspar Correia, autor das Lendas da Índia. Apesar da minúcia e do cuidado de Fernão Lopes de Castanheda em mencionar aqueles que percorreram e escreveram sobre o espaço asiático, como Duarte Barbosa, Tomé Pires ou Francisco Álvares, não surgem referências na sua obra a João de Barros ou a Gaspar Correia. Com efeito, também estes não o mencionam nas suas obras sobre a Expansão, respectivamente, Ásia... e Lendas da Índia.

A primazia na escrita de uma História sobre o domínio português no espaço extra-europeu seria recompensada por D. João III. Com efeito, há muito que a coroa programava a elaboração de uma História da Expansão portuguesa. Segundo escreve João de Barros, no prólogo da Primeira Década da Ásia..., tanto D. Manuel como D. João III tinham enviado missivas a D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, a Afonso de Albuquerque que lhe sucedera, e a Nuno da Cunha, solicitando que lhe fossem enviadas informações minuciosas sobre o que acontecia no Oriente de forma a se cumprir tal objectivo. É significativo o facto de o pedido feito por D. João III a Nuno da Cunha datar de 1531, quando este tentava tomar Diu.

Contudo, só a 6 de Março de 1551 é impresso, em Coimbra, o primeiro livro da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, narrando os primeiros anos da presença portuguesa na Índia até ao ano de 1505, precedendo as outras Histórias da Expansão. Este é oferecido a D. João III que toma sob sua protecção tanto Fernão Lopes de Castanheda como a sua obra, concedendo-lhe, em 1552, o privilégio de auferir dos rendimentos resultantes da impressão e venda dos seus livros.

Castanheda terá permanecido na Índia cerca de dez anos até ao final do governo de Nuno da Cunha que seria substituído em Setembro de 1538 pelo vice-rei D. Garcia de Noronha. Nuno da Cunha partiu de Cochim em Janeiro de 1539, falecendo no caminho para Portugal a 5 de Março. Segundo Diogo do Couto, Castanheda percorreu vários espaços asiáticos, tendo regressado ao reino cerca de seis anos após a partida de seu pai para Portugal, em 1532. No Oriente conheceu as realidades económicas, sociais políticas e culturais que descreveu nos 10 livros da sua História.

Fernão Lopes de Castanheda terá ingressado na Universidade de Coimbra, sendo nomeado por D. João III, bedel da Faculdade das Artes, a 25 de Setembro de 1545. Competia-lhe acompanhar o dia-a-dia da faculdade, nomeadamente matricular os estudantes, estar presente nos vários Actos, anunciar a eleição do Reitor e outros dirigentes da Instituição, ou acompanhar o andamento das várias aulas.

Dois meses mais tarde foi nomeado guarda do Cartório da Universidade e da livraria, sendo o responsável pelo arquivar da documentação e pela entrega dos livros para leitura a quem o requeresse. Para além de garantir o correcto manuseamento dos livros, deveria entregar o material de tipografia aos impressores, zelando pela sua manutenção. Esta sua ligação possibilitou a impressão do 1º livro da História e a saída dos restantes após a autorização do monarca.

Em 1552 sai o 2º livro, onde descreve o governo do 1º vice-reinado, o de D. Francisco de Almeida, e o 3º livro sobre o governo de Afonso de Albuquerque. Já o 4º e 5º livros são impressos conjuntamente em 1553: o primeiro sobre o governo de Lopo Soares de Albergaria, e o segundo sobre o de D. Diogo Lopes Sequeira. Em 1554 foi reimpresso o 1º Livro da História …. Ainda em 1554 saiu o 6º livro sobre os governos de D. Duarte de Meneses, D. Vasco da Gama e D. Henrique de Meneses, e foi impresso o 7º livro sobre o governo de Lopo Vaz de Sampaio. Já após a morte do historiador os seus filhos acompanharam a impressão do 8º livro onde são descritos os acontecimentos ocorridos sob o governo de Nuno da Cunha. Tanto o 9º quando o 10º livros teriam sido retirados de circulação. Conhecem-se alguns capítulos do 9º que o padre Gian Pietro Maffei terá mandado copiar em Lisboa para se servir deles na sua História sobre a presença portuguesa no Oriente.

Fernão Lopes de Castanheda viveu intensamente a vida universitária coimbrã, convivendo com os mestres que admirou e citou na sua História, como o poeta Sá Miranda, ou o humanista Nicolau Grouchy, tradutor para francês do 1º livro da sua História... . A 23 de Março de 1559, Fernão Lopes de Castanheda faleceu. Segundo o biógrafo, Barbosa Machado, foi sepultado na igreja paroquial de S. Pedro de Coimbra, paredes meias com o edifício da velha Universidade.