Data de publicação
2010
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Nascido em Lisboa, no Paço da Alcáçova, a 7 de Junho de 1502, foi o primogénito do casamento de D. Manuel I com a rainha D. Maria. Jurado como herdeiro da Coroa pelas Cortes que reuniram na capital, em Agosto daquele mesmo ano, veio a ser aclamado rei seis dias após o falecimento do pai, a 19 de Dezembro de 1521.

D. João III foi o primeiro soberano português a nascer, crescer e governar no contexto de uma mundividência pautada pelo conhecimento de quatro continentes e pela dinamização de múltiplos fluxos de trocas à escala global. Enquanto príncipe nunca esteve formalmente associado ao exercício do poder, tendo sido inclusive próximo do grupo de oposição política a D. Manuel I. Dado este posicionamento se compreende que um dos primeiros marcos do seu reinado tenha correspondido à apreensão e destruição da esmagadora maioria dos exemplares da "Carta das Novas", cuja impressão fora ordenada por D. Manuel I com o duplo intuito de divulgar a recente chegada dos Portugueses à Etiópia e de mobilizar a sociedade lusa para o relançamento da guerra contra o Islão.

O esvaziamento de parte da carga ideológica a que a Expansão Portuguesa sempre estivera associada traduziu-se, a longo prazo, na subalternização de Marrocos, no quadro das prioridades do Império, e no reajustamento da presença portuguesa naquela região. Fora na recta final do governo de D. Manuel I que as dificuldades se começaram a manifestar ali. Ao problema estrutural da dispersão e do isolamento dos estabelecimentos portugueses, desprovidos para mais de domínios no interior que lhes servissem de escudo protector, juntaram-se a crescente influência dos Otomanos no Norte de África e, sobretudo, o movimento de reunificação política e territorial empreendido pelos Saadidas a partir da zona do Suz. O desenvolvimento das responsabilidades militares assumidas pela Coroa na Ásia e no Atlântico e os encargos crescentes suportados pela Fazenda Real adensavam o quadro que predispunha D. João III a estimular o debate em torno da questão do recuo em Marrocos. A vontade do rei apenas teve condições para se impor em 1541, face à agudização da crise provocada pela perda de Santa Cruz do Cabo de Gué. Ainda nesse ano consumou-se o abandono de Safim e de Azamor, repetindo-se a acção em 1550, relativamente a Arzila e a Alcácer Ceguer. A presença portuguesa ficou então confinada às praças de Ceuta, Tânger e Mazagão.

Por comparação, em termos gerais, a situação vivida na Ásia marítima durante o período joanino correspondeu a uma expansão activa. É certo que os primeiros tempos foram perturbados pela incerteza quanto à inclusão das ilhas de Maluco na área de influência portuguesa e pela instabilidade governativa do Estado da Índia, favorecida sucessivamente pelas mortes de D. Vasco da Gama e de D. Henrique de Meneses e pela disputa de poder entre Pêro de Mascarenhas e Lopo Vaz de Sampaio. A compra das chamadas ilhas das especiarias à Coroa de Castela, acordada no Tratado de Saragoça, em 1529, e o embarque de Nuno da Cunha, em 1528, a fim de ocupar o topo da hierarquia portuguesa na Ásia permitiram, num e noutro caso, obviar problemas.

Dinâmicas de consolidação e de crescimento marcaram a história do Estado da Índia nos anos seguintes. Goa adquiriu, em definitivo, a partir do ano de 1530, o estatuto de capital dos estabelecimentos e interesses portugueses que se disseminavam a leste do cabo da Boa Esperança. A rede cresceu tanto em amplitude como em profundidade, começando a esboçar-se uma tendência para a territorialidade e para um aumento concomitante do peso dos rendimentos baseados na exploração da terra. Para tanto contribuíram a instalação em Baçaim e Diu, autorizada pelo sultão indiano do Guzerate entre 1534 e 1535, e a anexação das terras firmes vizinhas da ilha de Goa, Bardês e Salcete, negociada com o sultão de Bijapur em 1543.

As expectativas de desenvolvimento de uma hegemonia marítima e comercial no Mar Arábico e nas áreas limítrofes continuaram a ser alimentadas em paralelo. Manifestações disso foram os conflitos que opuseram os Portugueses à coligação formada pelo Samorim de Calecut, pelos corsários mappillas (muçulmanos naturais da costa indiana do Malabar) e pelo rei cingalês de Sitawaka. No rescaldo das principais operações, em 1539, a autoridade lusa espraiava-se, sem contestação evidente, desde o Malabar até ao mar de Ceilão, com benefícios concomitantes nos planos da geoestratégia e do tráfico mercantil. Tal demonstração de força ajuda, de resto, a perceber melhor a capacidade de resistência, demonstrada, naquele mesmo ano, face ao cerco de Diu, organizado por uma armada otomana em colaboração com forças guzerates. A resposta portuguesa traduziu-se, em 1541, na realização de uma expedição ao Mar Vermelho, dirigida pelo governador D. Estevão da Gama, que alcançou a zona do Suez sem causar, porém, danos de monta. Estava então definido um quadro de empate geoestratégico, decorrente da incapacidade otomana em afastar os Portugueses da Índia e da inoperância lusa para sufocar a rota comercial do Mar Vermelho (em especial desde que, em 1538, a Sublime Porta estendera a sua autoridade até Adém, no Estreito de Meca). O segundo cerco de Diu, ao qual D. João de Castro fez frente em 1546, já não contou com a assistência otomana, ficando o ónus da ofensiva inteiramento a cargo do sultanato do Guzerate.

O dinamismo da expansão portuguesa na Ásia durante o reinado de D. João III assentou, igualmente, nos esforços da iniciativa privada, particularmente activa no litoral chinês e no Japão. Para tanto muito contribuiu a deterioração das relações oficiais luso-chinesas, amplamente desenhada na recta final da época manuelina e perfeitamente confirmada nos inícios do governo do sucessor. Imbuído do pragmatismo que caracterizou a generalidade da sua acção política, D. João III retirou a aproximação diplomática e comercial ao Império do Meio da lista das prioridades do Estado da Índia. Quem disso retirou vantagens foram os aventureiros portugueses que passaram a circular na região, agindo à revelia das determinações emanadas tanto a partir de Pequim como de Lisboa. Riscos físicos, perdas materiais, mas também a perspectiva de grandes "negócios da China" marcavam o quotidiano desses homens. Alguns deles vieram a desembarcar, acidentalmente, na ilha japonesa de Tanegashina, em 1543. Num curto lapso de tempo, os Portugueses passaram a servir de intermediários comerciais entre a China e o Japão, beneficiando da tensão que presidia à relação entre os dois países. Os elevados proveitos obtidos acabaram por atrair de novo a atenção da Coroa para a Ásia Oriental. Foi este contexto que presidiu, nos inícios da década de 1550, à organização da Carreira do Japão, ao restabelecimento de contactos luso-chineses e, em última análise, à fixação dos Portugueses em Macau, cujos ecos já não chegaram a D. João III.

Outra marca relevante e distintiva desta gestão ultramarina correspondeu à paulatina afirmação do Brasil no contexto do Império. Durante o reinado de D. Manuel I, a importância desta área do Novo Mundo medira-se em termos subsidiários relativamente ao segmento atlântico da rota da Carreira da Índia. A Coroa nem sequer fora estimulada pelo comércio do pau-brasil, arrendado a particulares. Sucedeu que o interesse dos Franceses pelo produto também se aguçou, a ponto de terem começado a aportar no litoral brasileiro, desenvolvendo trocas e alianças com tribos locais. Nos finais da década de 1520, o grau de ameaça foi entendido como bastante sério para motivar uma intervenção a partir de Lisboa. De forma concomitante, devem ter sido equacionadas equacionadas as mais-valias económicas do território. Daí que a armada comandada por Martim Afonso de Sousa, que saiu de Portugal em finais de 1530 e se demorou no Brasil até 1533, se tenha aplicado em dar caça aos navios franceses detectados, mas também a realizar explorações na costa brasileira e na bacia do rio da Prata, a procurar metais preciosos, a ensaiar o cultivo de cana-de-açúcar e a instalar os primeiros núcleos portugueses de povoamento.

A dar consistência ao empenho régio de viabilizar a colónia esteve a introdução do regime político-administrativo das capitanias-donatarias, pensada e concretizada entre 1532 e 1534. Tal como noutras partes do Atlântico, o princípio subjacente era o de que a Coroa reservava a superintendência do processo colonizador enquanto entidades particulares tratariam de o alavancar com recurso a investimentos próprios. Durante anos a fio, o absentismo da maioria dos titulares das capitanias, a magnitude dos meios materiais necessários e a hostilidade oferecida por diversos grupos índios entravaram o desenvolvimento satisfatório do sistema.

Dada a firme intenção de promover a presença portuguesa no Brasil, em 1548 foi tomada a decisão de lá instalar um governo-geral, a qual ganhou expressão prática no ano seguinte. A Tomé de Sousa coube a missão de fundar uma capital, S. Salvador, na Baía, e de passar a organizar a ocupação e o aproveitamento do espaço através da concessão de terras em sesmaria, da construção de vias de comunicação e da organização de uma estrutura militar. A arquitectura de poderes foi completada por via do estabelecimento de outras instituições, com alçadas mais específicas, nomeadamente, a provedoria-mor da Fazenda, a ouvidoria-geral e a capitania-mor da costa.

Problemas e dificuldades continuaram a verificar-se, resultado tanto das guerras com os índios como do perigo representado pelos Franceses, que se instalaram na Baía da Guanabara em 1555, tardando cinco anos até serem expulsos. Resulta evidente, porém, o elevado grau de envolvimento da Coroa portuguesa na construção da colónia e quão importante o mesmo foi para dar viabilidade ao projecto. À data da morte de D. João III, sobrevinda em Lisboa a 11 de Junho de 1557, o Império apresentava uma nova identidade: era bipolar, consequência da atenção e da valorização simultânea dispensada pela Coroa ao Novo Mundo e à Ásia marítima. Foi sepultado na capela-mor do Mosteiro dos Jerónimos.

Bibliografia:
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