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2017
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Nascido, em 1520, no Porto, ingressou na Companhia de Jesus em 1541. Dois anos depois obteve o grau de doutor em Cânones pela Universidade de Coimbra. Irmão do futuro patriarca da missão etíope, D. João Nunes Barreto, chegado à Índia em 1556, foi em 1551 que Belchior Nunes Barreto embarcou para o mesmo destino.
Dizendo ser portador de uma carta do geral da Companhia, Inácio de Loyola, pela qual era nomeado vice-provincial de Francisco Xavier, a chegada de Belchior Nunes a Goa causou grande impacto. Na realidade, apenas trouxera uma missiva do Padre Simão Rodrigues nomeando-o vice-provincial. Contudo, Rodrigues não tinha jurisdição sobre a Índia, pelo que a sua indigitação como vice-provincial ficou congelada até Francisco Xavier tomar posição oficial. Considerando que Belchior Nunes não tinha a necessária experiência asiática, Xavier nomeou-o para reitor do Colégio de Baçaim, retirando-o da reitoria do Colégio de São Paulo de Goa, que ocupara temporariamente. Autorizou ainda a sua sucessão como provincial em caso do seu falecimento, mas apenas caso os Padres Gaspar de Barzeus e Manuel de Morais falecessem. Tal verificou-se efectivamente a partir de Outubro de 1553, devido aos sucessivos óbitos de Xavier, Barzeus e Morais.

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Arquivo Distrital de Évora, Santa Casa da Misericórdia de Évora, Cod. 1777


Já na qualidade de provincial jesuíta da Índia, presidiu às exéquias de Xavier, em Cochim e Goa, ficando em posse de diversos bens pessoais deste. Por acordo com o vice-rei D. Afonso de Noronha (1550-1554), partiu com Fernão Mendes Pinto, então nomeado embaixador ao daímio de Bungo, com a missão de entregar um presente do vice-rei àquele senhor japonês. Começando por aportar a Macau, Nunes Barreto procurou, sem sucesso, negociar com as autoridades chinesas a libertação dos cativos portugueses acusados de pirataria. Ao mesmo tempo defrontou-se com a não autorização destas autoridades para a missionação na China. Foi nesse contexto que redigiu uma descrição da China. Embarcou, em Junho de 1556, para o Japão. A opção do provincial jesuíta de viajar para o Extremo Oriente foi bastante criticada desde o início, sobretudo pelas implicações da sua ausência na Índia. Apesar do fascínio que a civilização nipónica lhe despertou nos curtos três meses que ali estanciou, foi ali que tomou conhecimento da indigitação do Padre D. Gonçalo da Silveira como provincial jesuíta da Índia, com quem aliás aprendera filosofia no Reino.
Após entregar o presente do vice-rei e forçado pelas circunstância a regressar à Índia, em 1557, continuou a deter uma palavra fundamental nos rumos da Companhia na Ásia passando a ser conhecido pelas suas intervenções político-religiosas. Nomeado reitor do Colégio de Cochim desde 1557 ocupou este lugar até 1567. A partir deste cargo e no contexto da primeira devassa de Cochim e Goa, de 1557, a que o governador Francisco Barreto (1555-1558) se procurou opor, Nunes Barreto apoiou explicitamente o provincial Silveira no seu pedido de que a Inquisição fosse enviada para Goa. Com este secundou também a posição da necessidade de nomeação de um arcebispo de Goa, com
plenos poderes para lidar com a vacatura do bispado desde o falecimento do bispo de Goa, D. Juan de Albuquerque.


Já após o afastamento do provincial Silveira e sua substituição pelo Padre António de Quadros, foi designado como representante dos jesuítas na sempre adiada jornada à Etiópia. Apesar deste facto, desde cedo, oscilou entre a crítica e a aprovação da acção de Quadros, motivo pelo qual não deve ser descartada a hipótese de ter pretendido de novo ocupar o cargo de provincial. Aquando da chegada do primeiro arcebispo de Goa, D. Gaspar de Leão Pereira, em 1560, Nunes Barreto não hesitou em acusar este de esfriar a Cristandade quando Leão se opôs à realização de solenes baptismos em massa pelos jesuítas de Goa. A sua intervenção junto de Lisboa e Roma foi fundamental para as ordens dirigidas ao arcebispo no sentido de alterar a sua política e relacionamento com os jesuítas. Desde a chegada, também em 1560, do primeiro bispo de Cochim, D. Jorge Temudo tornou-se especialmente próximo deste, o qual não actuava sem ouvir o seu conselho.
Após o falecimento do Padre D. Gonçalo da Silveira na corte do Monomotapa, Belchior Nunes Barreto voluntariou-se para continuar a sua missão naquele local, mas acabaria por não partir devido a ordens de Lisboa e Roma de não intervenção na região. A sua partida para uma missão em Socotorá, a Madagáscar e sobretudo à China foi também negada. Em causa estava o seu provimento como superior jesuíta da missão etíope. Deveria, por isso, acompanhar o seu irmão, D. João Nunes Barreto, quando este partisse para a Etiópia, o que nunca chegou a suceder devido ao falecimento do patriarca. em 1562. No caso da embaixada à China, em preparação durante o vice-reinado de D. Francisco Coutinho, 3º conde de Redondo (1561-1564), nem os argumentos da sua anterior experiência no Celeste Império foram suficientes para que fosse autorizado a partir. Na realidade, quando a autorização de Roma chegou, já a embaixada partira há muito.


Resignado a não conseguir sair do subcontinente indiano, Nunes Barreto concentrou-se cada vez mais na sua intervenção política. Defendeu insistentemente a necessidade de jornadas espirituais e de conquista à Etiópia, Monomotapa, Amboíno e China, não se coibindo de criticar os vice-reis que não o faziam, como foi o caso de D. Francisco Coutinho. No pólo oposto, encontrava-se o “vice-rei missionário” D. Constantino de Bragança (1558-1561), cuja política missionária e memória histórica na Índia, Nunes Barreto não deixou de defender nas suas missivas. Para Nunes Barreto, tal defesa simbolizava não apenas a defesa da ortodoxia religiosa e dos baptismos em massa, mas também a desejada aliança entre missionação e conquistas que sempre defendeu como forma de manter a expansão em todas as vertentes do Estado da Índia.
Esta mesma lógica explica que, já na qualidade de vice-provincial, indigitado por António de Quadros a propósito da sua deslocação a Malaca em 1566, Nunes Barreto tenha redigido uma extensa relação da Cristandade da Índia, dirigida ao provincial
jesuíta de Portugal. Porém, sob o mote das medidas em favor da Cristandade, Nunes Barreto pretendia sensibilizar a Coroa Portuguesa para um conjunto de problemas que se viviam no Estado da Índia no âmbito da crise político-militar de 1565-75. Por esta mesma razão, a sua relação pode ser integrada e comparada com escritos contemporâneos como o Primeiro Soldado Prático, de Diogo do Couto (1564), ou as relações contemporâneas do vedor João da Fonseca (1568), do arcebispo D. Jorge Temudo (1569) e do visitador jesuíta Alessandro Vallignano (1575).
Em causa na escrita desta relação, esteve também para Belchior Nunes o seu comprometimento com a aplicação do espírito de Trento às missões na Índia. Esta situação explica a sua presença, por ordem do geral jesuíta Francisco de Borja, no Primeiro Concílio Provincial de Goa, em 1567, no qual se debateu, precisamente, a aplicação das decisões do Concílio de Trento na Índia. Já na ausência de Quadros em Malaca e enquanto seu vice-provincial, Nunes Barreto proibira os jesuítas de serem deputados da Inquisição, que tanto defendera anteriormente, numa tentativa de afastar os jesuítas das polémicas suscitadas em torno do seu excessivo poder e zelo contra-reformista.
Falecendo em Agosto de 1571, em Goa, Belchior Nunes Barreto não chegou a tomar conhecimento da sua indigitação, decidida por D. Sebastião, ainda nesse ano, para deputado da Mesa de Consciência e Ordens da Índia. A importância da actuação do jesuíta fica assim evidenciada, não apenas no cargo de provincial, na sua viagem à China e Japão, mas sobretudo nas suas intervenções na esfera política, num momento sensível de afirmação da dinâmica contra-reformista no Estado da Índia. Restam poucas dúvidas que, conjuntamente, com o Padre António de Quadros, com o teólogo Francisco Rodrigues, com D. Jorge Temudo, bispo de Cochim e posterior arcebispo de Goa, Belchior Nunes Barreto foi uma das figuras fundamentais no endurecimento político-religioso da Contra-Reforma no Estado da Índia. Talvez, por isso, e não inocentemente, após o falecimento destas figuras, em 1571, a implementação de Trento na Índia tenha sofrido uma desaceleração.

Bibliografia: CUNHA, Ana Cannas da, A Inquisição no Estado da Índia. Origens (1539-1560), Lisboa, ANTT, 1995; LOUREIRO, Rui Manuel, Fidalgos, missionários e mandarins. Portugal e a China no Século XVI, Lisboa, Fundação Oriente, 2000; O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: Olhares novos, coordenação de António Camões Gouveia, David Sampaio Barbosa e José Pedro Paiva, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa/Universidade Católica Portuguesa, 2014; SCHURHAMMER, Georg S. J., Francisco Javier. Su vida y su tiempo, tomo IV, Pamplona, Gobierno de Navarra/Compañía de Jesus – Arzobispado de Pamplona, 1992; XAVIER, Ângela Barreto, A Invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII, Lisboa, ICS, 2008.