Data de publicação
2009
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Designa-se por "acomodação cultural" ou por "inculturação", o esforço levado a cabo por muitos missionários no sentido de valorizarem os elementos das culturas nativas que tentavam converter ao Cristianismo. A evangelização dos séculos XV e XVI, assim como a dos séculos seguintes, decorreu essencialmente à sombra dos impérios coloniais, pelo que muitas das comunidades que foram nascendo na América e na Ásia, e mais tarde em África, surgiam no seio de uma comunidade colonial. Foi o caso de quase todas as que despontaram no âmbito da expansão espanhola, e foi também o que sucedeu nos pequenos núcleos urbanos do Império Português. Nessas zonas, em que se estabeleciam os principais centros missionários e se concentrava a maioria do clero, era possível reproduzir o quotidiano civil e religioso da Europa, e eram os nativos que se tinham de adaptar aos hábitos dos conquistadores; esta facilidade foi um factor inibidor de um maior interesse da Igreja pelas civilizações dos povos ultramarinos. Assim, a cristianização foi quase sempre um processo de conversão religiosa e, simultaneamente, de europeização. O Cisma que abalou a Igreja no século XVI e a reacção católica expressa no Concílio de Trento acentuaram uma visão eurocêntrica e criaram uma convicção relativamente generalizada que o sucesso da evangelização passava pela capacidade de reproduzir no Ultramar as práticas dos cristãos europeus, esquecendo, assim, que estas não eram mais que o resultado da cristianização dos ritos e cultos pagãos, conseguida havia cerca de um milénio. No entanto, nem todos os missionários trabalhavam sob a protecção das armas dos impérios, sobretudo no caso do português; com efeito, este era territorialmente descontínuo (na centúria quinhentista, mesmo a costa brasileira ainda só estava colonizada intermitentemente), pelo que se limitava a um conjunto de núcleos urbanos, fortalezas e feitorias, cuja superfície total era relativamente reduzida.

Desde cedo alguns eclesiásticos andaram em terras estranhas como foi o caso de frei Luís do Salvador, religioso de São Francisco que andou pelo Império de Vijayanagar na primeira década quinhentista. Foi, todavia, depois da chegada dos Jesuítas que a diáspora missionária se acentuou, e foram precisamente os padres da Companhia que apostaram num método de missionação diferente. Os pioneiros foram São Francisco Xavier, no Japão, e Manuel da Nóbrega, no Brasil; o primeiro aceitou vestir-se com roupagens ricas para impressionar um dáimio nipónico e o segundo adoptou melodias índias, ainda que com letras cristãs, como cantos religiosos. A acomodação cultural preocupou-se, pois, em tornar o Cristianismo o menos europeu possível; começou por questões menores, como o traje ou a alimentação dos religiosos, mas depois passou a questões mais profundas, como sucedeu no caso da China, em que Mateus Ricci aceitou participar em homenagens a Confúcio, ou no Japão, em que os nativos eram o grupo maioritário no seio da missão. O esforço de acomodação cultural não foi um modelo de trabalho assumido por todos os Jesuítas, mas apenas por uma parte, pelo que suscitou várias polémicas, mesmo dentro da Companhia. Para lá de uma longa série de dúvidas e de críticas vindas dos mais variados sectores da Igreja, este modelo provocou algumas grandes querelas missionológicas, nomeadamente a dos "ritos chineses" e a dos "ritos malabares"; nestes casos, a visão eurocêntrica perfilhada pela maioria dos membros da Igreja acabou por triunfar. Só muito mais tarde é que o modelo defendido então por uma minoria se tornaria o método oficial da Igreja católica.