Data de publicação
2016
Por ocasião das comemorações do VI Centenário da conquista de Ceuta, tem sido reinvocada a incontornável fonte informativa que é a carta-memorial (cuaderno lhe chamava o seu autor) datada de 23 de Abril de 1415, da pena do perspicaz observador Ruy Diaz de Vega, que, no início da primavera de 1415, enviara a Portugal Fernando de Antequera, rei de Aragão e Sicília (1412-1416) e corregente de Castela, receoso do eventual destino, para o seu reino da Sicília, da frota que em Portugal se preparava. Sabemos que, recebida a incumbência em Valência de Alcântara, na noite de 9 de Abril, parte célere para Portugal e que no dia 16 já beija a mão de D.João I e o saúda em nome do rei, da rainha e dos infantes aragoneses, à saída da missa em Santa Maria dos Mártires, em Sacavém. Atendendo, sem dúvida, à sua qualidade, D.João dá-lhe pousada e o escrivão da puridade Gonçalo Lourenço de Gomide vai buscá-lo para comer. Conhecemos vários dos seus passos da sua permanência, que se alongou três meses, da audiência régia que lhe é concedida logo a 18 de Abril, até à escrita, em Santarém, em 28 de Julho, da que é presumivelmente a última carta desta sua missão, posterior pois à partida da frota para Ceuta, na qual dá notícia do enterro de D.Filipa de Lancastre, falecida vítima da peste em 19, e na qual anuncia o seu regresso.

Mas, quem é este Ruy Diaz de Vega, enviado diplomático, mencionado pela historiografia como um espião, e de quem não se referem dados sobre a sua identidade para além de ser castelhano? br>
Não temos dúvidas de que se trata dum cavaleiro da Ordem de Alcântara. Com efeito, por um lado, ele acusa ao rei a recepção da carta “en la villa de Valençia de Alcantara, que es de mj señor el jnfante don Sancho, vuestro fijo”, aludindo obviamente ao jovem infante D.Sancho, 32º mestre desta Ordem, de 1408 a 1416. Por outro lado, encontramos, neste período, dois primos homónimos e membros da mesma, em Alcântara, quer em 17 de Setembro de 1385 (“Ruy Diaz de Vega, hijo del Maestre Don Ruy Diaz, e Ruy Diaz de Vega su primo”), um mês e três dias precisos depois da batalha de Aljubarrota onde participara o mestre alcantarense, Gonzalo Núñez de Guzmán, quer em 1394. O nosso Ruy Diaz é provavelmente o filho e homónimo do 26º mestre da Ordem, de 1371 a 1375, que virá a ser comendador de Herrera na mesma, pelo menos entre 1408 e 1416, estando portanto vivo em 1415.

A linhagem dos de la Vega, posteriormente representada pelos duques do Infantado, é uma das mais importantes do norte da península hispânica na Idade Média, sendo o provável pai do nosso Ruy Diaz de Vega, o referido mestre Ruy Diaz, filho e neto respectivamente, segundo Francisco de Rades (aduzido naCronica da Orden de Alcantara de Torres y Tapia, v.II, p.132), de Diego Lasso de la Vega e de Ruy Perez de la Vega, o pai de Garcilaso I de la Vega, adiantado mor e meirinho mor de Castela, e chanceler mor de Afonso XI, assassinado em 1328 (ascendência do mestre contestada, por Roberto Muniz, Medula histórica cisterciense, t.VII, p.343, que o considera irmão de Fernan Sanchez de Vega, pai de Elvira Iñiguez de Vega). Ruy Diaz, imposto como mestre à Ordem de Alcântara por Henrique II Trastâmara, é referido por alguns genealogistas antigos como irmão de Inês Diaz de las Vegas, identificada, não sem contestação, como a Elvira Íñiguez (de la Vega), amante de Henrique II, referida no testamento deste de 1374, e mãe de D.Afonso, conde de Noronha e Gijon, que casou em 1375 com Isabel de Portugal, filha ilegítima de D.Fernando I de Portugal. A confirmar-se esta hipótese, por entre várias quebras de bastardia, Ruy Diaz de Vega, o enviado de 1415, seria primo direito de D.Afonso de Noronha e Gijon marido de Isabel, sobrinha de D.João I.

Bibliografia:
Archivo de la Corona de Aragón, Cartas reales, caja nº1, Fernando I, nº3 [Original da carta-memorial de 23 de Abril de 1415]. Publicada pela primeira vez, em texto integral, in JAVIER DE SALAS, Dos cartas sobre la Expedición a Ceuta en 1415, in O Instituto, v. 81º, Coimbra, 1931, p.318-336 e in Monumenta Henricina, v.II, Coimbra, 1960, p.132-147, doc.57, cuja transcrição seguimos. Archivo de la Corona de Aragón, Registro 2.406- folio 127, publ.in MH, v.II, p.131, doc.56; Registro 2.406, folio 124, publ.in MH, v.II, p.146 (18), Registro 2.408, folio 5, publ.in MH, v.II, p.146-147, doc.58, Cartas Reales, Fernando I, caja nº6, nº969, publicado in JAVIER SALAS, op.cit., p.336 e in MH, II, p.166-168, doc.71. Bullarium ordinis militaris de Alcántara, olim S.Juliani del Pereiro […], Madrid, 1759, Scriptura XIV, p.176. MUNIZ, Fr.Roberto, Medula histórica cisterciense, t.VII, Origem, progresos, méritos e prerrogativas de la inclita milícia de Alcantara, de la Orden de Cister: con un catalogo genealógico de sus maestres, Valladolid, 1789, p.343 RADES Y ANDRADE, Francisco de, Chronica de las tres órdenes y cauallerias de Sanctiago, Calatraua y Alcantara: en la qual se trata de su origen y successo, y notables hechos en armas de los maestres y caualleros de ellas: y de muchos senores de título y otros nobles que descienden de los maestres: y de muchos otros linajes de España Toledo, 1572, p.31. TORRES Y TAPIA, Alonso de, Cronica de la Orden de Alcantara, v.II, Madrid, 1763, p.132, 182, 201 e 236.