Data de publicação
2009
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A conquista da cidade marroquina de Ceuta, tomada em 1415 por uma expedição comandada pelo próprio rei D. João I, é comummente considerada como momento fundador da expansão ultramarina portuguesa. Devido a esta importância primordial, a conquista de Ceuta tem sido tema de intenso debate na historiografia portuguesa ao longo dos séculos. As razões que fundamentaram a vontade de conquistar um território fora da Península, tal como as razões que levaram à escolha de Ceuta, são ainda hoje debatidas.

É, no entanto, ponto assente que é possível integrar a conquista de Ceuta numa genealogia de incursões cristãs no Norte de África ao longo dos séculos anteriores. Estes ataques, de que são exemplo as incursões dos Normandos da Sicília, no século XII, ou a expedição Castelhana contra Tetuão, em 1399, baseavam-se contudo em saques, destruição de ameaças corsárias e ocupações temporárias de portos, e não em ocupações permanentes como a que viria a ocorrer em Ceuta.

Para os Reinos Ibéricos a legitimidade destas incursões militares contra os muçulmanos do Norte de África advinha não só do conflito multissecular de reconquista da Península, mas também do facto de essa região ter sido património ancestral da Monarquia Visigótica, de que os reinos cristãos da Península se consideravam herdeiros. Esta situação explica que, pelo acordo de Sória em 1291, Castela e Aragão tenham dividido entre si o território que lhes caberia, respectivamente, conquistar em Marrocos.

Em Portugal, os primeiros traços de um efectivo interesse por investidas militares no Norte de África surgiram durante o reinado de D. Afonso IV a quem, em 1341, foi concedida uma bula de cruzada. No entanto, a concretização destes projectos foi sendo adiada à medida que os esforços do Reino se orientaram predominantemente para os conflitos com Castela.

Esta situação apenas se alterou em 1411, com a assinatura em Ayllón de um tratado de paz entre Portugal e Castela. A paz alcançada em Ayllón motivou, contudo, novos desafios para a Coroa Portuguesa. Por um lado, a nova dinastia de Avis necessitava de encontrar formas de consagrar a sua legitimidade e de assegurar a sua afirmação política perante a Cristandade. Por outro, a nobreza, sobretudo os filhos secundogénitos, viam a sua possibilidade de alcançar honras, mercês e proveitos bloqueada pela conjuntura de paz, tornando-se um grupo social inquieto, sendo necessário encontrar novos campos de intervenção militar, que não a guerra com Castela.

Perante estas circunstâncias a recuperação dos projectos de cruzada, baseando-se num conflito contra os muçulmanos, que nunca havia cessado, tornou-se premente, interessando sobretudo à nobreza militar. Estes projectos orientaram-se sobretudo em torno de duas possibilidades de conquista, o Reino Nasrida de Granada ou o Reino Merínida de Fez, onde se situava Ceuta. A conquista de Granada apresentava, no entanto, o problema de ser claramente uma intrusão na área de reconquista castelhana. Por sua vez, o ataque a Ceuta beneficiava das dificuldades internas que os Merínidas vinham sofrendo ao longo das décadas anteriores. A cidade tinha igualmente a virtualidade de poder servir tanto de testa-de-ponte para uma eventual conquista do Reino de Fez, como de posto avançado numa estratégia de cerco e isolamento do Reino de Granada.

A conquista de Ceuta apresentava ademais a vantagem de visar um local estratégico para o domínio do estreito de Gibraltar, controlando as rotas comerciais que ligavam o Mediterrâneo à Europa Ocidental. Apesar de Ceuta ser igualmente um porto receptor do comércio saariano, comércio esse que deixou largamente de frequentar a cidade após a conquista portuguesa, o principal interesse económico da conquista da cidade seria a defesa quer das rotas marítimas que cruzavam o estreito, quer das pescas junto à costa atlântica de Marrocos. Os grupos mercantis portugueses e estrangeiros viam assim como vantajosa a conquista da cidade, que poderia igualmente servir como ponto de apoio aos mercadores cristãos e base de combate às actividades dos corsários muçulmanos.

Por fim, o próprio saque, que seria obtido da conquista de uma cidade portuária tão rica como Ceuta, surgia como um factor apelativo, acrescentando-se ao reforço da posição política e diplomática do Reino de Portugal, face à Santa Sé e ao conjunto da Res Publica Christiana, que adviria do sucesso da guerra ao infiel.

O projecto de conquista de Ceuta era, desta forma, não só um prolongamento natural da reconquista do Algarve, como resultava de uma conjugação de interesses na sociedade portuguesa, ao nível político, económico, social e religioso, tendo germinado no seio da Coroa Portuguesa ao longo de alguns anos, contando sobretudo com o apoio dos Infantes. Os anos seguintes terão sido anos de debate e de preparação, tendo sido necessário financiar a expedição, reunir embarcações e mantimentos e recrutar os efectivos militares. O reconhecimento do objectivo terá sido levado a cabo por uma missão diplomática enviada à Sicília, que passou por Ceuta avaliando as suas defesas. Apesar de os preparativos que se tomavam no Reino para uma expedição militar, o objectivo desta foi mantido em segredo até aos últimos momentos.

No Verão de 1415 a armada encontrava-se pronta para zarpar do porto de Lisboa, tendo a partida sido atrasada pela morte, a 19 de Julho, da Rainha D. Filipa. A expedição acabou por levantar âncora no dia 25 de Julho. Desconhece-se o número exacto de navios e de homens que a compunham, mas tudo indica que os valores se cifrariam em dezenas de embarcações e alguns milhares de soldados.

A armada rumou primeiramente ao Algarve, tendo sido apenas em Lagos, no dia 28 de Julho, que o objectivo da empresa foi finalmente divulgado. Afectada por calmarias, a expedição apenas abandonou o Algarve nos primeiros dias de Agosto. Dispersas por uma tempestade, algumas embarcações avistaram Ceuta no dia 13 de Agosto, antes de a armada se ter reagrupado em Algeciras, reunindo-se o conselho para determinar a forma de investida sobre a cidade, enquanto esta, avisada do ataque iminente, era reforçada por efectivos militares das vizinhanças.

O desembarque decorreu no dia 21 de Agosto, com o assalto à praia de Almina, tendo os defensores muçulmanos sido facilmente derrotados. Perante a debandada das forças inimigas, a vanguarda do exército português, liderada pelos infantes D. Duarte e D. Henrique, prosseguiu a sua ofensiva, conseguindo penetrar as defesas da cidade, antes de ser reforçada pelo corpo principal da expedição. Após algumas horas de combate nas ruas, a cidade foi controlada pelos atacantes, tendo o castelo sido abandonado sem luta pelos seus defensores.

No final do dia 21 de Agosto de 1415 Ceuta encontrava-se efectivamente conquistada pelas forças portuguesas. A semana seguinte, assistiu, com a presença de D. João I, à sacralização da grande Mesquita, convertida em igreja, e ao ritual solene de armar cavaleiros os infantes e muitos dos fidalgos que haviam participado na batalha. A conquista originou, no entanto, um debate sobre se a cidade deveria ser ocupada permanentemente ou abandonada após o saque. Face a esta situação prevaleceu a vontade régia, favorável à primeira opção, dado que, para D. João I, a conquista de uma cidade no seio do território muçulmano era uma forma de consagração da nova dinastia, facto que o levou a intitular-se "Senhor de Ceuta".

Decidida a manutenção da praça, a sua capitania foi entregue, após a recusa de figuras como o condestável Nuno Álvares Pereira e o marechal Gonçalo Vasques Coutinho, a D. Pedro de Meneses, conde de Viana, comandando uma guarnição de 2500 homens.

A notícia da conquista, levada a cabo pelo rei de Portugal, foi rapidamente divulgada cumprindo, neste sentido, o seu objectivo de elevação do peso do Reino, perante a Santa Sé e perante os Reinos da Cristandade.

Bibliografia:
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