Data de publicação
2011
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As interacções comerciais e culturais entre Portugal e as cidades italianas desde a Idade Média levou a uma rede de conhecimento que abrangeu grandes distâncias. O impacto cultural e político da Expansão portuguesa assim como o conhecimento cosmográfico relacionado com as navegações portuguesas estavam entre os interesses centrais desta rede, sobretudo devido à necessidade geo-política concreta de dividir o domínio dos oceanos e a organização do comércio de especiarias. A este propósito, o lento processo cultural de redefinir, corrigir e expandir a imago mundi - um assunto essencial tanto para as cidades italianas como para Portugal - era sobretudo o resultado dos movimentos de homens e conhecimento cosmográfico entre Portugal, Espanha, várias cidades italianas, especialmente Veneza e Florença, e a itinerante Santa Sé. A partir do final do Quattrocento, várias cidades alemãs e francesas começaram a participar (sobretudo Nuremburgo e Saint-Dié des Vosges com Martin Waldseemüller e Matthias Ringman).

Ao analisar as abundantes colecções de documentos nos arquivos portugueses e italianos, respectivamente (mais especificamente os que têm origem em Florença, Veneza, Génova e no Vaticano), tornam-se evidentes duas tendências predominantes.

No decurso do século XV, os estudos cosmográficos Florentinos e Venezianos eram encomendados (através das companhias comerciais que funcionavam entre Itália e Portugal) pela corte portuguesa, assim como por altos dignitários da Igreja.

A partir de princípios do século XVI, o contrário acontece: são agora as cortes italianas que tentam adquirir, recorrendo frequentemente para tal à espionagem, o padrão real, os novos mapas do mundo sintéticos, desenhados pelos cosmografos e navegadores de embarcações portuguesas - assim como espanholas - da altura. Estes documentos eram um relato sintético das suas viagens marítimas, para além das fronteiras existentes do mundo conhecido e habitado deste período, frequentemente acompanhados de narrações escritas.

O século XV
No que respeita a primeira tendência, exemplos paradigmáticos do movimentos de pessoas, bens e conhecimento são as encomendas, em Veneza, de um mappamundi, a ser desenhado pelo monge camaldulense, Fra Mauro, a pedido de D. Afonso V em 1457, assim como um códice da Geographia de Ptolomeu, com ilustrações de Piero del Massaio, encomendada pelo Bispo do Algarve, Álvaro Afonso, em 1461. São igualmente notáveis, a este respeito, os acontecimentos biográficos do Infante D. Pedro (1392-1449), do Veneziano Andrea Bianco (activo circa 1430-1460), de Alvise Ca' da Mosto (1432-1488), também conhecido como Cadamosto, e do genovês Antonio da Noli.

Em 1457, uma embaixada portuguesa a Veneza, Milão e Roma negociava a participação das milícias portuguesas nas cruzadas para Constantinopla, proclamadas pelo Papa Calisto III (1455-58) em 1453. A embaixada era encabeçada por João Fernandes da Silveira (circa 1420-1484), chanceler-mor de D. Afonso V (1438-1481), que encomendou uma cópia de um mappamundi monumental para a corte portuguesa ("la Maiestad del Senhor di Portogallo") a Fra Mauro, a converso (um irmão leigo) do mosteiro Camaldolense de San Michele di Murano na lagoa Veneziana. O mapa foi enviado para Lisboa a 24 de Abril de 1459, através do nobre veneziano Stefano Trevisan. Intitulado cosmographus incomparabilis pelos seus contemporâneos, Fra Mauro era um dos melhores cartógrafos do seu tempo. Um dos seus mappamundi, hoje na Biblioteca Marciana em Veneza, é considerado a mais completa e complexa representação do mundo a meados do século XV.

Dois anos após a encomenda do mappamundi, vários "embaixadores do rei de Portugal", aparentemente no contexto da mesma embaixada a Itália levada a cabo por Silveira, entrevistaram o humanista-cientísta, Paolo dal Pozzo Tascanelli (1397-1482). O cavaleiro florentino Francesco Castellani menciona este facto nas suas Ricordanze (memórias):

I remember that on the day...of July I lent Andrea di Bochacino for master Paolo of master Domenico dal Pozo Toscanelli my large decorated mappamundo, completely finished ; he took...his servant and was supposed to return it to me except when doing so he had it for several days and showed it to some ambassadors of the king of Portugal; and so Andrea and master Paolo promised to return it to me. [Recordo que no dia … de Julho emprestei a Andrea di Bochacino para o mestre Paolo do mestre Domenico dal Pozo Toscanelli o meu grande mappamundo decorado, completamente terminado; ele levou…seu criado e era suposto devolvê-lo, mas manteve-o consigo durante vários dias e mostrou-o a uns embaixadores do rei de Portugal; e então Andrea e o mestre Paolo prometeram devolverem-no.]

Embora não exista mais nenhuma informação directa relativa ao encontro entre Toscanelli e os embaixadores portugueses, esta terá sido provavelmente devida a assuntos cosmográficos que foram discutidos com a ajuda de um "grande mappamundo decorado, completamente terminado". A relação à encomenda a Fra Mauro é óbvia.

O Infante D. Pedro, irmão do Infante D. Henrique (1394-1460), foi um dos primeiros portugueses a navegar nestas redes culturais na era da exploração. D. Pedro viajou extensivamente pela Europa entre 1425 e 1428 e, no seu regresso a Lisboa, conseguiu trazer de Veneza um livro manuscrito de Marco Polo que foi impresso em Lisboa em 1502.

Andrea Bianco é um dos mais importantes cartógrafos do século XV. Era um comitus, ou seja, um oficial de navio a bordo das galeras Venezianas, que serviu treze vezes no muda di Fiandra. O muda di Fiandra era a mais espectacular das oito frotas de galeras que partiam regularmente de Veneza no princípio do século XV: no final da primavera, quatro ou cinco das mais sólidas galeras produzidas no Arsenale de Veneza partiam para uma viagem de pelo menos dois anos simultaneamente para Portugal (Lagos, Faro e Lisboa), Inglaterra (Southampton e Londres) e Flandres.

Em 1448, quando se encontrava em Londres, Bianco desenhou um mapa náutico (hoje em dia na Biblioteca Ambrosiana em Milão, F. 260, inf. 1) que é a mais completa e actualizada síntese cartográfica das navegações portuguesas ao longo da costa africana de meados do século quinze antes da expedição atlântica narrada por Alvise Cadamosto. A carta náutica de Bianco regista topónimos que foram introduzidos no conhecimento Ocidental após a expedição guiada pelo navegador português Aires Gomes da Silva que chegou ao cabo roxo e ao cabo dos mastos na costa ocidental de África em 1446, usando mapas portugueses que se perderam. É importante sublinhar que este documento veneziano juntamente com o seu contemporâneo mappamundi veneziano desenhado por Fra Mauro (ca 1450) constitui a primeira referência da existência de uma tradição cartográfica portuguesa ligada à primeira fase da expansão portuguesa.

Tal como Andrea Bianco, Cadamosto e Noli eram mercadores nas rotas para a Flandres e para Inglaterra. Atraídos pela expectativa de lucro durante uma paragem em Portugal, puseram-se ao serviço do Infante D. Henrique (1394-1460), participando em pelo menos duas expedições à região do sudeste Africano. Entre 1455 e 1456 chegaram ao arquipélago de Cabo Verde e exploraram os rios de Gâmbia e Senegal ao longo da costa africana. Antonio da Noli permaneceu em Portugal, enquanto Cadamosto regressou a Chioggia, perto de Veneza. Em 1463, escreveu um relato das viagens que tinha completado, Delle navigazioni di Alvise da Ca' da Mosto, gentiluomo venezian (As viagens de Alvise da Ca' da Mosto, um cavalheiro italiano). As suas páginas constituem a primeira descrição europeia, em primeira-mão, de experiências de navegação e comércio ao longo da costa de África para além do mundo da antiguidade. Este Veneziano fez um relato completo desse momento da expansão europeia, incluindo o papel do Infante D. Henrique nela. Descreveu, por exemplo, o negócio de escravos, que não era mencionado por outras crónicas portuguesas, como a famosa Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné por Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), redescoberta em Paris por Ferdinand Denis e publicada em 1841 pelo Visconde de Santarém. A escravatura também não é discutida em reconstruções hagiográficas do século XVI, como o trabalho de Giovanni Battista Ramusio, no qual o Infante D. Henrique é descrito como um humanista motivado apenas pela curiosidade científica e o interesse religiosos nas Cruzadas contra os Muçulmanos.

Deve-se, no entanto, salientar que durante o período que inclui os primeiros setenta anos da expansão portuguesa (1430-ca 1500), muitos documentos relativos à feitura de mapas, relatos manuscritos de viagens marítimas, assim como a provas documentais retiradas de materiais italianos impressos, provaram ser fontes pouco válidas para uma melhor compreensão desta fase crucial da história portuguesa.

A este propósito, vale a pena mencionar a situação relativa à documentação sobre Bartolomeu Dias, uma das grandes figuras da navegação portuguesa e o primeiro a chegar ao extremo sul de África. As fontes portuguesas não mencionam de todo a sua viagem de 1487-88 ao Cabo da Boa Esperança: esta não é mencionada nem na Crónica del rei D. João II de Rui de Pina e Garcia de Resende nem noutros documentos portugueses contemporâneos. Apenas as crónicas e escritos posteriores, de meados do século XVI, tais como o Tratado dos descobrimentos de António Galvão, e a primeira Década de João de Barros deitam alguma luz sobre esta personalidade central das navegações portuguesas. Até recentemente, a única certeza no que concerne a biografia de Bartolomeu Dias era que tinha morrido no Atlântico em 1500 no naufrágio de um navio da frota de Pedro Álvares Cabral; a frutífera pesquisa de Luisa d'Arienzo no arquivo florentino de Spedale degli Innocenti (em particular nos livros de contabilidade da companhia comercial Cambini, essenciais para um estudo detalhado da presença de toscanos em Portugal e da presença de portugueses no Mediterrâneo) contribuiu para este conhecimento. Os registos do Spedale permitem reconstruir, com grande riqueza de detalhes, as experiências de navegação e de pirataria de Bartolomeu Dias e Gil Eanes, um outro navegador importante ao serviço de D. João II.

Bartolomeu Dias, "recebedor no armazém da Guiné e Mina", equipou a frota de Vasco da Gama e viajou por numerosas vezes em galeões para o porto de Pisa, que estava envolvido no comércio com as companhias Cambini e Marchionni em Florença. A navegação para portos do Mediterrâneo e os negócios que Dias e Eanes negociaram com as companhias florentinas em Lisboa e na Toscânia mostram como as relações entre os mais importantes desse período eram próximas. Foi o caso de Bartolomeo Marchionni, que chegou a Portugal em 1468, como agente dos Cambini e atingiu rapidamente um poder financeiro sem igual. Estabeleceu relações com os governantes portugueses a quem concedeu muitos empréstimos, participando activamente em transacções comerciais na Guiné e nas viagens de descoberta. Estas relações ajudam a explicar porque motivo as viagens dos portugueses Diogo Cão (1482 e 1485) e Bartolomeo Dias foram registadas de imediato nos planisférios florentinos de Henricus Martellus Germanus.

Também o relato e as compilações de navegações portuguesas no Oceano Índico de Piero Vaglienti são particularmente importantes para a história da expansão portuguesa. Piero Vaglienti (1438-1514) era um mercador de Florença-Pisa e o autor de A Story of His Times [Uma história dos seus tempos], escrita na forma de crónica no final do século XV. Coligiu numa espécie de antologia cartas e relatos, numerosos e detalhados, da navegação e do comércio português nas Indias que chegaram a Florença, vindos de Lisboa, através da comunidade de comerciantes florentinos, transcrevendo-os para um códice autógrafo preservado na Biblioteca Riccardiana de Florença.

O códice de Vaglienti constitui uma das mais importantes provas documentais sobre a navegação portuguesa. Inclui as expedições de Vasco da Gama contadas por Girolamo Sernigi (1497-98, 1502); as viagens de Giovanni da Empoli, que viajou com Afonso de Albuquerque (1502-4 e 1510-14) por Francesco Corbinelli; um Relato sobre o Reino do Congo pelo cronista português Rui da Pina; as famosas Cartas a Soderini, atribuídas a Américo Vespúcio; e uma descrição da expedição à Índia levada a cabo por Tristão da Cunha (1507). Os trinta e seis relatos/cartas coligidos por Vaglienti - incluindo pelo menos um par de cópias únicas nas quais a tradução italiana substitui completamente o original português que se perdeu - fornecem provas em primeira mão sobre os protagonistas principais durante este momento crucial na história portuguesa e europeia, incluindo a sua recepção no ambiente comercial toscano e florentino.

Nos textos organizados por Vaglienti e nas suas anotações às cartas, o mercador florentino demonstra claramente o seu entendimento sobre o papel das viagens portuguesas na história mundial e sobre as suas consequências desfavoráveis para o comércio Veneziano. A abertura de uma nova rota para as especiarias através da actividade de Vasco da Gama e de outros navegadores portugueses acabou com a supremacia veneziana no comércio de especiarias, modificando o equilíbrio de poder no mundo comercial e também entre os próprios estados italianos. Num texto comemorativo, dirigido a D. Manuel I (1469-1521), Vaglienti escreveu:

The spices had or used to go to Cairo by the Red Sea route, [the king of Portugal] nowadays has brought them to Lisbon, so that he has taken from the sultan a yearly income of 500 or 600 thousand ducats, and as much again from the Venetians, and he has brought each thing to the port of Lisbon, his port and the place belonging to His Majesty. [As especiarias costumavam ir para o Cairo pela rota do Mar Vermelho, [o rei de Portugal] trouxe-as hoje em dia para Lisboa, tendo tirado ao sultão um rendimento anual de 500 ou 600 mil ducados, a outro tanto dos venezianos, e trouxe cada uma dessas coisas para o porto de Lisboa, o seu porto e o local que pertence a Sua Majestade.]

Neste Elogio, Vaglienti atribui ao florentino Toscanelli a responsabilidade por ter mostrado a D. Afonso V (através do mercador florentino Bartolomeo Marchionni, que estava na corte portuguesa) o modo de evitar a rota do Cairo e de estabelecer uma ligação directa entre o comércio de especiarias e Lisboa:

of such a thing and activity is the main reason our Florentine medical doctor, who had first lost much of time with histology and heavenly signs, saw and recognized that there was not a single person on the Earth who was better able to make and set in motion this voyage than his majesty the king of Portugal: and this was maestro Pagholo del Pozo Toschanelli, a singular person, who advised one of our Florentines who was in his court named Bartolomeo Marchiane of this matter, and he recommended it to His Majesty so that he that would be praised by the entire world, and the spiceries that s hould have or used to go to Cairo through the Red Sea…from there brought to Lisbon. [tal coisa e actividade é a pricipal razão pela qual o nosso médico florentino, que tinha primeiro perdido muito tempo com histologia e sinais divinos, viu e reconheceu que não havia uma única pessoa na Terra que tivesse maior capacidade para fazer e organizar esta viagem que sua majestade o rei de Portugal: e este foi o mestre Pagholo del Pozo Toschanelli, uma pessoa singular, que aconselhou um dos nossos florentinos que estava na corte chamado Bartolomeo Marchiane para este assunto, e recomendou-o a Sua Majestade para que ele que seria elogiado pelo mundo inteiro, e as especiarias que costumavam ir para o Cairo pelo Mar Vermelho…de lá trazidas para Lisboa.]

Segundo Vaglienti, através da mediação de Marchionni, as recomendações de Toscanelli teriam chegado à corte portuguesa, por intermédio do clérigo português Fernão Martins. Numa famosa carta dirigida a Fernão Martins, enviada de Portugal no princípio de 1474, supostamente acompanhada por um agora perdido mapa, Toscanelli tinha expressado a sua opinião sobre a navegação ocidental, mas também oriental (que era mais importante para os interesses portugueses). Escrita em latim, a carta foi transcrita por Colombo em várias páginas da sua cópia de Historia rerum ubique gestarum de Pio II, impressa em Veneza em 1477 e arquivada na Biblioteca Columbina de Sevilha.

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Alexandra Pelúcia
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Vista da Praça da Senhoria, Florença, Itália