Data de publicação
2015
Categorias
Arzila é uma vila norte-africana voltada para o oceano (coordenadas 35° 28' N 6° 2' O) e actualmente situada no Reino de Marrocos. O seu nome deriva do castelhano, que por seu lado assenta na forma árabe de Acila ou Azila. Já num portulano de 1318 surge o nome Arzila.
Afigura-se difícil descortinar os primeiros tempos de existência de Arzila, uma vez que não é certo que a área da actual vila tenha sido habitada de forma contínua desde o período do Império Romano. É possível que as referências clássicas a uma Julia Constantina Zilil ou Zilis sejam, de facto, referências à vila que mais tarde viria a ser apodada de Arzila, mas tal não é certo.
Do século IX datam os primeiros vestígios concretos de ocupação da área de Arzila em questão. Tudo indica que as tribos berberes autóctones ali terão erguido um ribat (torre de vigia) por forma a garantir o controlo das aproximações de navios à costa, uma vez que os desembarques de Normandos – envoltos eles mesmos em lendas – eram uma ameaça real à segurança da povoação. No século X Arzila surge já descrita pelos cronistas árabes como uma pequena cidade amuralhada, com a existência na área de poços de boas águas e de campos cerealíferos, condições que levaram ao proliferar de mercados e bazares no interior do perímetro amuralhado.
Até ao séc. XIII Arzila viveria um período de declínio, uma vez que as dinastias árabes Almorávida e Almôada pouco uso fizeram do porto natural que a vila oferecia. No entanto, é neste século, com a ascensão dos Merínidas, que a vila volta a ganhar importância, desta feita a nível comercial, aproveitando as boas condições naturais do seu porto de mar para levar a cabo trocas comerciais com vários pontos da Europa, nela circulando comerciantes genoveses, catalães, castelhanos e maiorquinos, justamente até ao dealbar do século XV.
Em meados do século XV a vila viria a atrair as atenções da Coroa portuguesa, que desde 1415, com a conquista de Ceuta, vinha intervindo na região. Em 1464, após o fracasso de nova tentativa de conquista de Tânger, D. Afonso V decidiria tentar a conquista de Arzila. Por forma a prevenir um ataque os governantes da vila decidiram render-se, mas as forças portuguesas acabaram por não se conseguir aproximar da mesma devido a fortes chuvadas que aumentaram o caudal do rio Doce, ficando sem efeito a rendição.
Contudo em 1471 D. Afonso V voltaria a África, e desta feita conquistaria Arzila pela força. Começou por enviar à vila enquanto espiões Vicente Simões e Pêro de Alcáçova, disfarçados precisamente de mercadores, para que estes avaliassem o alvo e a melhor forma de o atacar. A 20 de Agosto de 1471 a armada portuguesa aportaria ao largo de Arzila, começando nesse mesmo dia o cerco, tendo desde logo perecido mais de 200 combatentes nos vários naufrágios provocados por uma tempestade. No segundo dia de cerco uma bombarda conseguiria abrir uma brecha nos muros da vila, cuja construção de taipa e tijolo se revelava insuficiente para conter o disparo da artilharia. A 24 de Agosto a vila seria conquistada, justamente na altura em que se negociava a rendição da mesma. Conta-nos Rui de Pina que pelo arraial português terá corrido o rumor de que a vila já havia sido penetrada pelas forças sitiantes. Este rumor motivaria o derradeiro ataque da hoste portuguesa, que seria lançado sem para tal ser dada ordem pelo rei. Nenhum combatente queria perder a entrada na vila, pois tal significava a perda do saque, objectivo que motivaria a grande maioria dos guerreiros portugueses. Como tal, na ânsia do saque – a que podemos, certamente, acrescentar o desejo da fidalguia de mostrar o seu valor marcial perante o rei e deste obter por isso uma mercê – Arzila seria atacada, não conseguindo resistir ao ímpeto do avanço dos sitiadores. Entrada a vila, o ataque ao castelo e à mesquita resultariam num banho de sangue, e no cômputo total terão perecido cerca de 2000 muçulmanos e sido aprisionados 5000, sendo que do lado português apenas se revela o nome dos mortos de maior nomeada, o conde de Monsanto, D. Álvaro de Castro e o conde de Marialva, D. João Coutinho. Conquistada Arzila começou então a reeorganização do espaço de acordo com os modelos administrativos portugueses de então. Antes, porém, D. Afonso V rezou no interior da mesquita, e aí armou cavaleiro o príncipe D. João, futuro D. João II, junto dos corpos dos condes defuntos, num acto de profunda simbologia cavaleiresca. No dia 25 a mesquita seria convertida em igreja, ostentando a partir de então o nome de Nossa Senhora da Assunção. Mais tarde o nome seria alterado para São Bartolomeu. D. Henrique de Meneses, conde de Valença e capitão de Alcácer Ceguer, seria nomeado primeiro capitão de Arzila – um ofício que de resto se manteria até ao abandono da vila no século XVI, sendo que no exercício do mesmo se tenham celebrizado sobretudo membros da linhagem dos Coutinho. Muhammad al-Shayk, governante de Arzila e aspirante ao trono de Fez, ainda tentou recuperar a vila – na altura do cerco encontrava-se com o seu exército a cercar Fez, situação aproveitada pelos Portugueses – mas acabou por chegar a acordo com D. Afonso V, reconhecendo o rei de Portugal enquanto senhor das vilas que possuía na região, além de se estabelecerem tréguas por 20 anos.
D. Afonso V fora entretanto avisado de que Tânger se havia despovoado como consequência directa da conquista de Arzila, pelo que, após alguma hesitação, para lá enviou o filho do duque de Bragança e futuro marquês de Montemor ao comando de uma força de cavaleiros e peões, chegando à cidade a 28 ou 29 de Agosto. Seguir-se-lhe-ia o próprio rei, que na cidade entraria em inícios de Setembro, feliz por finalmente pisar o solo de Tânger, mas de alguma forma desapontado por não a ter conquistado. A conquista de Arzila acabaria ainda por valer a Portugal o retorno das ossadas de D. Fernando, o Infante Santo, por troca com a família de Muhammad al-Shayk, aprisionada no seguimento da conquista.
A vida em Arzila era em tudo semelhante à das restantes praças norte-africanas em mãos portuguesas. A sobrevivência de Arzila dependia dos abastecimentos marítimos vindos do reino e da Andaluzia, além dos saques e pilhagens que pautavam um quotidiano marcado por cavalgadas contra aldeias próximas. A situação de encravamento em território inimigo atingia pontos extremos em determinadas alturas, como foi o caso do cerco de 1508, em que as forças do reino de Fez conquistaram a vila, mantendo-se a resistência, liderada pelo capitão de Arzila e conde de Borba D. Vasco Coutinho, no castelo. Apenas armadas de socorro vindas do reino e de Castela permitiriam a manutenção da praça. Este cerco levaria mesmo a uma série de obras de modernização das defesas da mesma, ordenada por D. Manuel I, e nas quais trabalharam alguns dos melhores arquitectos do período, caso de Diogo Boytac. De resto no século XVI seriam várias as campanhas de modernização das defesas, face à crescente ameaça que constituía a modernização dos exércitos do reino de Fez. Ainda no século XV se abandonara boa parte da vila que fora conquistada, uma vez que os moradores e fronteiros portugueses ali residentes eram em muito menor número, sendo por volta de 500 em 1495. Como tal erguera-se um atalho – um muro – que passava a separar a vila nova da vila velha, sendo esta última abandonada.
O domínio português de Arzila duraria, continuamente, até 1549-1550, altura em que a vila seria despovoada no seguimento da pragmática política de D. João III de abandono das praças norte-africanas face às crescentes dificuldades que resultavam da conquista do reino de Fez por parte do reino de Marrocos, finalizada precisamente em 1549. Em 1577 Arzila voltaria a mãos portuguesas, entregue a D. Sebastião quando este partira para a jornada de Alcácer Quibir, sendo que se manteve em mãos portuguesas até 1589, altura em que Felipe I de Portugal, pressionado por problemas em várias frentes no seu vasto império, a entregou ao reino de Marrocos.
Bibliografia:
BRAGA, Paulo Drumond, «A Expansão no Norte de África», in Nova História da Expansão Portuguesa, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II, A Expansão Quatrocentista, Editorial Estampa, 1998, pp. 237-360; CORREIA, Jorge, Implantação da cidade portuguesa no Norte de África: da tomada de Ceuta a meados do século XVI, Porto, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2008. DUARTE, Luís Miguel, «África», in Nova História Militar de Portugal, coord. de José Mattoso, vol. I, Lisboa, Circulo de Leitores, 2003, pp.392-441; LOPES, David, A Expansão em Marrocos, Lisboa, Teorema, 1989. LOPES, David, História de Arzila durante o domínio português: 1471-1550 e 1577-1589, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1924. PINA, Rui de, «Chronica do Senhor D. Affonso V», in Idem, Crónicas de Rui de Pina: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D. Dinis, D. Afonso IV, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, introdução e revisão de M. Lopes Almeida, Porto, Lello&Irmão, 1977, pp. 587-881.
Afigura-se difícil descortinar os primeiros tempos de existência de Arzila, uma vez que não é certo que a área da actual vila tenha sido habitada de forma contínua desde o período do Império Romano. É possível que as referências clássicas a uma Julia Constantina Zilil ou Zilis sejam, de facto, referências à vila que mais tarde viria a ser apodada de Arzila, mas tal não é certo.
Do século IX datam os primeiros vestígios concretos de ocupação da área de Arzila em questão. Tudo indica que as tribos berberes autóctones ali terão erguido um ribat (torre de vigia) por forma a garantir o controlo das aproximações de navios à costa, uma vez que os desembarques de Normandos – envoltos eles mesmos em lendas – eram uma ameaça real à segurança da povoação. No século X Arzila surge já descrita pelos cronistas árabes como uma pequena cidade amuralhada, com a existência na área de poços de boas águas e de campos cerealíferos, condições que levaram ao proliferar de mercados e bazares no interior do perímetro amuralhado.
Até ao séc. XIII Arzila viveria um período de declínio, uma vez que as dinastias árabes Almorávida e Almôada pouco uso fizeram do porto natural que a vila oferecia. No entanto, é neste século, com a ascensão dos Merínidas, que a vila volta a ganhar importância, desta feita a nível comercial, aproveitando as boas condições naturais do seu porto de mar para levar a cabo trocas comerciais com vários pontos da Europa, nela circulando comerciantes genoveses, catalães, castelhanos e maiorquinos, justamente até ao dealbar do século XV.
Em meados do século XV a vila viria a atrair as atenções da Coroa portuguesa, que desde 1415, com a conquista de Ceuta, vinha intervindo na região. Em 1464, após o fracasso de nova tentativa de conquista de Tânger, D. Afonso V decidiria tentar a conquista de Arzila. Por forma a prevenir um ataque os governantes da vila decidiram render-se, mas as forças portuguesas acabaram por não se conseguir aproximar da mesma devido a fortes chuvadas que aumentaram o caudal do rio Doce, ficando sem efeito a rendição.
Contudo em 1471 D. Afonso V voltaria a África, e desta feita conquistaria Arzila pela força. Começou por enviar à vila enquanto espiões Vicente Simões e Pêro de Alcáçova, disfarçados precisamente de mercadores, para que estes avaliassem o alvo e a melhor forma de o atacar. A 20 de Agosto de 1471 a armada portuguesa aportaria ao largo de Arzila, começando nesse mesmo dia o cerco, tendo desde logo perecido mais de 200 combatentes nos vários naufrágios provocados por uma tempestade. No segundo dia de cerco uma bombarda conseguiria abrir uma brecha nos muros da vila, cuja construção de taipa e tijolo se revelava insuficiente para conter o disparo da artilharia. A 24 de Agosto a vila seria conquistada, justamente na altura em que se negociava a rendição da mesma. Conta-nos Rui de Pina que pelo arraial português terá corrido o rumor de que a vila já havia sido penetrada pelas forças sitiantes. Este rumor motivaria o derradeiro ataque da hoste portuguesa, que seria lançado sem para tal ser dada ordem pelo rei. Nenhum combatente queria perder a entrada na vila, pois tal significava a perda do saque, objectivo que motivaria a grande maioria dos guerreiros portugueses. Como tal, na ânsia do saque – a que podemos, certamente, acrescentar o desejo da fidalguia de mostrar o seu valor marcial perante o rei e deste obter por isso uma mercê – Arzila seria atacada, não conseguindo resistir ao ímpeto do avanço dos sitiadores. Entrada a vila, o ataque ao castelo e à mesquita resultariam num banho de sangue, e no cômputo total terão perecido cerca de 2000 muçulmanos e sido aprisionados 5000, sendo que do lado português apenas se revela o nome dos mortos de maior nomeada, o conde de Monsanto, D. Álvaro de Castro e o conde de Marialva, D. João Coutinho. Conquistada Arzila começou então a reeorganização do espaço de acordo com os modelos administrativos portugueses de então. Antes, porém, D. Afonso V rezou no interior da mesquita, e aí armou cavaleiro o príncipe D. João, futuro D. João II, junto dos corpos dos condes defuntos, num acto de profunda simbologia cavaleiresca. No dia 25 a mesquita seria convertida em igreja, ostentando a partir de então o nome de Nossa Senhora da Assunção. Mais tarde o nome seria alterado para São Bartolomeu. D. Henrique de Meneses, conde de Valença e capitão de Alcácer Ceguer, seria nomeado primeiro capitão de Arzila – um ofício que de resto se manteria até ao abandono da vila no século XVI, sendo que no exercício do mesmo se tenham celebrizado sobretudo membros da linhagem dos Coutinho. Muhammad al-Shayk, governante de Arzila e aspirante ao trono de Fez, ainda tentou recuperar a vila – na altura do cerco encontrava-se com o seu exército a cercar Fez, situação aproveitada pelos Portugueses – mas acabou por chegar a acordo com D. Afonso V, reconhecendo o rei de Portugal enquanto senhor das vilas que possuía na região, além de se estabelecerem tréguas por 20 anos.
D. Afonso V fora entretanto avisado de que Tânger se havia despovoado como consequência directa da conquista de Arzila, pelo que, após alguma hesitação, para lá enviou o filho do duque de Bragança e futuro marquês de Montemor ao comando de uma força de cavaleiros e peões, chegando à cidade a 28 ou 29 de Agosto. Seguir-se-lhe-ia o próprio rei, que na cidade entraria em inícios de Setembro, feliz por finalmente pisar o solo de Tânger, mas de alguma forma desapontado por não a ter conquistado. A conquista de Arzila acabaria ainda por valer a Portugal o retorno das ossadas de D. Fernando, o Infante Santo, por troca com a família de Muhammad al-Shayk, aprisionada no seguimento da conquista.
A vida em Arzila era em tudo semelhante à das restantes praças norte-africanas em mãos portuguesas. A sobrevivência de Arzila dependia dos abastecimentos marítimos vindos do reino e da Andaluzia, além dos saques e pilhagens que pautavam um quotidiano marcado por cavalgadas contra aldeias próximas. A situação de encravamento em território inimigo atingia pontos extremos em determinadas alturas, como foi o caso do cerco de 1508, em que as forças do reino de Fez conquistaram a vila, mantendo-se a resistência, liderada pelo capitão de Arzila e conde de Borba D. Vasco Coutinho, no castelo. Apenas armadas de socorro vindas do reino e de Castela permitiriam a manutenção da praça. Este cerco levaria mesmo a uma série de obras de modernização das defesas da mesma, ordenada por D. Manuel I, e nas quais trabalharam alguns dos melhores arquitectos do período, caso de Diogo Boytac. De resto no século XVI seriam várias as campanhas de modernização das defesas, face à crescente ameaça que constituía a modernização dos exércitos do reino de Fez. Ainda no século XV se abandonara boa parte da vila que fora conquistada, uma vez que os moradores e fronteiros portugueses ali residentes eram em muito menor número, sendo por volta de 500 em 1495. Como tal erguera-se um atalho – um muro – que passava a separar a vila nova da vila velha, sendo esta última abandonada.
O domínio português de Arzila duraria, continuamente, até 1549-1550, altura em que a vila seria despovoada no seguimento da pragmática política de D. João III de abandono das praças norte-africanas face às crescentes dificuldades que resultavam da conquista do reino de Fez por parte do reino de Marrocos, finalizada precisamente em 1549. Em 1577 Arzila voltaria a mãos portuguesas, entregue a D. Sebastião quando este partira para a jornada de Alcácer Quibir, sendo que se manteve em mãos portuguesas até 1589, altura em que Felipe I de Portugal, pressionado por problemas em várias frentes no seu vasto império, a entregou ao reino de Marrocos.
Bibliografia:
BRAGA, Paulo Drumond, «A Expansão no Norte de África», in Nova História da Expansão Portuguesa, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. II, A Expansão Quatrocentista, Editorial Estampa, 1998, pp. 237-360; CORREIA, Jorge, Implantação da cidade portuguesa no Norte de África: da tomada de Ceuta a meados do século XVI, Porto, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2008. DUARTE, Luís Miguel, «África», in Nova História Militar de Portugal, coord. de José Mattoso, vol. I, Lisboa, Circulo de Leitores, 2003, pp.392-441; LOPES, David, A Expansão em Marrocos, Lisboa, Teorema, 1989. LOPES, David, História de Arzila durante o domínio português: 1471-1550 e 1577-1589, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1924. PINA, Rui de, «Chronica do Senhor D. Affonso V», in Idem, Crónicas de Rui de Pina: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D. Dinis, D. Afonso IV, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, introdução e revisão de M. Lopes Almeida, Porto, Lello&Irmão, 1977, pp. 587-881.
Autoria da imagem
André Teixeira