Data de publicação
2009
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A cidade de Ormuz, localizada a 27º03’N, 56º27’E., situa-se na ilha de Djârun, em pleno Estreito de Ormuz. Entre o século XIV e os inícios do século XVII foi um dos mais importantes empórios comerciais asiáticos e a cabeça do reino homónimo.
A Ormuz conhecida pelos portugueses foi fundada em inícios do século XIV, mas a história do reino era muito mais antiga. Originalmente a capital localizava-se na margem do rio Minab, alguns quilómetros no interior do território persa. A primeira referência a esta cidade surge no século II, na obra Indica, de Arriano. Já neste período a praça tinha uma grande relevância comercial (devido à sua ligação fluvial ao Golfo Pérsico), a qual aumentou após a conquista islâmica, no século VII. Porém, as repetidas incursões mongóis, no século XIII, destruíram a prosperidade de Ormuz e levaram em 1302, a população a abandonar a cidade e a mudar-se para a ilha de Djârun. A partir da nova posição a cidade rapidamente afirmou a sua predominância comercial e política no Estreito, estendendo a sua influência a várias ilhas do Golfo Pérsico, das quais se destaca o Bahrein, e a alguns territórios e cidades costeiras, como Mascate e Soar. Por Ormuz passaram a transitar não só a rota que ligava a Ásia à Europa, via Alepo, mas também um importante conjunto de rotas intra-asiáticas, conectando regiões tão distantes entre si como a Mesopotâmia, a Pérsia, o Bengala, a Índia ou a Insulíndia.
Chegados à Índia em 1498, os portugueses rapidamente perceberam a importância de Ormuz. Logo em 1505, D. Manuel I ordenou ao vice-rei D. Francisco de Almeida para intentar o estabelecimento de relações diplomáticas com o reino ormuziano. A submissão da praça fazia parte do plano luso que visava dominar as rotas comerciais passantes pelo Golfo Pérsico e Mar Vermelho, limitando a concorrência destas à recém-estabelecida rota do Cabo, além de reduzir os proventos comerciais dos poderes muçulmanos do Levante, dominadores dos lugares santos.
Em 1507, Afonso de Albuquerque, então capitão-mor do mar da Arábia, liderou uma expedição para submeter a cidade. A armada seguiu junto à costa árabe, onde tomou e destruiu várias praças sob controlo ormuziano. Chegada à ilha de Djârun, a cidade foi rapidamente submetida, ficando então estabelecido entre Albuquerque e o rei local um acordo de paz que previa a construção de uma fortaleza lusa dentro dos limites da cidade e o pagamento de páreas no valor de 15 000 xerafins. No entanto, este tributo redundou num mal-entendido entre as duas partes. Enquanto os portugueses entendiam que este pagamento comportava a assunção de um laço vassálico do rei de Ormuz como subordinado do monarca de Portugal, para os mouros as páreas não eram mais que um imposto de livre-trânsito comercial sem qualquer atributo político. Afonso de Albuquerque escolheu também manter o monarca ormuziano no trono, de forma a não hostilizar ainda mais a população muçulmana da cidade e a manter as ligações vassálicas entre os vários xeques locais, servindo o rei como intermediário entre estes e as autoridades portuguesas. Alcançado o acordo, o capitão ordenou aos seus homens o início das obras para a construção da fortaleza. Todavia, face à morosidade da obra, à pouca honra e lucro pessoal alcançável por aquele acto e ao autoritarismo de Afonso de Albuquerque, vários capitães da armada decidiram revoltar-se e partir para dar caça aos navios muçulmanos na embocadura do Mar Vermelho. Perante esta situação não restou outra opção ao capitão-mor do que partir, deixando a fortaleza por concluir.
Apesar deste primeiro insucesso, Afonso de Albuquerque perseverou no seu objectivo e, em 1515, aproveitando as dissensões internas que grassavam naquele reino, regressou a Ormuz, agora como governador do Estado Português da Índia. A cidade foi submetida com facilidade. Os portugueses exigiram o pagamento de todas as páreas que entretanto haviam deixado de ser pagas e concluíram a fortaleza deixada incompleta oito anos antes. O rei de Ormuz foi novamente mantido no trono, desvanecendo-se quaisquer dúvidas sobre o seu estatuto de vassalo do monarca português.
Ao longo da primeira metade do século XVI as páreas continuaram a aumentar. Logo em 1517, o capitão da fortaleza António de Saldanha aumentou o seu valor para 25 000 xerafins, argumentando as crescentes despesas com a armada do Estreito. Em 1521-22 rebentou uma revolta contra as autoridades lusas que se estendeu da cidade até algumas praças da costa arábica. Debelada a insurreição, em 1523, o governador D. Duarte de Meneses, aumentou o valor das páreas para 60 000 xerafins, de forma a punir a população pela sublevação. Devido a novos distúrbios em 1529, o governador Nuno da Cunha, ordenou o aumento das páreas para 100 000 xerafins. Este valor era totalmente incomportável para a fazenda ormuziana, desta forma em 1542 a dívida de Ormuz para o Estado Português da Índia atingia o astronómico valor de 518 000 xerafins. Face à incapacidade das autoridades locais para pagar a dívida ou a totalidade das páreas, o governador Martim Afonso de Sousa acordou com o rei de Ormuz a cedência da alfândega ao Estado da Índia, ficando os portugueses responsáveis por parte das despesas do monarca.
Apesar da apropriação por parte do Estado Português da Índia da alfândega de Ormuz a segunda metade da década de 1540 seria marcada por grandes dificuldades. A juntar-se a uma contração do comércio asiático com graves consequências para as receitas alfandegárias lusas no Oriente, surgiu com maior veemência a ameaça turca no Golfo do Pérsico. Em 1546, os Otomanos tomaram posse de Baçorá, na foz dos rios Tigre e Eufrates. Imediatamente as autoridades portuguesas debateram a possibilidade de pôr fim ao comércio com aquela cidade, mas o grande prejuízo nas receitas comerciais de Ormuz, que tal acto acarretaria, levou à continuidade do trato. A situação no extremo ocidental do Golfo tornou-se ainda mais grave em 1550, quando os Otomanos se apossaram também de Catifa. Desta vez a ameaça turca não podia ser ignorada, e nesse mesmo ano, foi enviada uma expedição sob o comando de D. Antão de Noronha para tomar Catifa, enquanto se tentava organizar uma revolta anti-otomana na região de Baçorá. A reacção islâmica não se fez esperar e, em 1552, uma grande armada liderada por Piri Reis, foi enviada do Suez para o Golfo Pérsico. A esquadra muçulmana conseguiu tomar Mascate e colocar cerco a Ormuz durante cinco meses, porém a ameaça de reforços portugueses vindos da Índia e o esgotamento dos abastecimentos levaram ao malogro da expedição turca, definitivamente derrotada em 1554, por uma armada lusa dirigida por D. Fernando de Noronha. Os portugueses ainda mantiveram como objectivo tomar Catifa e Baçorá nos anos seguintes, mas as autoridades islâmicas locais gradualmente afirmaram a sua tradicional independência em relação ao Império Otomano e mantiveram boas relações com as autoridades lusas de Ormuz.
Na Pérsia, em 1587, subiu ao trono o jovem xá Abbas I. O novo governante rapidamente afirmou a sua posição interna e externamente, além de desencadear uma série de reformas administrativas e militares. Abbas I também impulsou as relações diplomáticas com a Europa de forma a granjear apoios militares e comerciais contra o Império Otomano. A Monarquia Hispânica, onde Portugal se encontrava integrado desde 1581, surgiu como um dos mais importantes potenciais aliados. Assim, a partir de 1599, a troca de missões diplomáticas entre Madrid e Ispahan foi praticamente permanente. Porém, apesar dessa troca de diplomatas os persas não se coibiam de atacar as possessões portuguesas no Golfo Pérsico. Logo em 1602 tomaram o Bahrein e colocaram cerco ao bandel de Comorão e em 1608, enquanto se negociava em Madrid a possibilidade de escoamento das sedas persas pela rota do Cabo, tropas do xá tomaram a ilha de Queixome, perto de Djârun, e construíram uma fortaleza junto a Comorão. Esta acção revestia-se de um grande perigo para Ormuz, pois aquelas duas posições eram as principais fornecedoras de água potável à cidade, onde esta era inexistente.
A situação portuguesa no estreito agravou-se em 1614, com a tomada pelos persas do bandel de Comorão, utilizando como justificação o ataque contra a costa persa perpetrado pelo capitão de Ormuz, D. Luís da Gama, em retaliação pela morte do seu irmão D.Rodrigo. Desta forma, a praça ficava completamente privada do acesso à água potável, dependendo da boa vontade das autoridades safávidas. A situação no Golfo Pérsico foi acompanhada com bastante preocupação por Madrid, onde se decidiu o envio de uma grande embaixada à corte Safávida, liderada por D.Garcia de Silva y Figueroa. A missão diplomática fracassou por completo, encontrando os ingleses já firmemente implantados no comércio persa, através da feitoria da East India Company na cidade de Jasks.
Perante o agravar da situação, a Monarquia Hispânica decidiu o envio de uma grande armada ao estreito de Ormuz sob o comando de Rui Freire de Andrade, com os objectivos de expulsar os mercadores ingleses e reafirmar a posição lusa naquelas águas. Após várias peripécias na viagem, a esquadra chegou à cidade a 20 de Junho de 1620. Apesar da oposição do capitão de Ormuz, Francisco de Sousa, Rui Freire decidiu partir para Jasks, onde entrou em combate com vários navios da EIC, mas sem grandes resultados práticos. Regressado a Ormuz, Freire de Andrade decidiu pôr em prática a segunda parte das suas ordens. Desse modo partiu para a ilha de Queixome, para ali construir uma fortaleza que pudesse abastecer de água potável a vizinha ilha de Djârun. As forças persas que se encontravam na ilha foram rapidamente desbaratadas e os portugueses deram início à construção de um forte para assegurar a sua posição. A reacção safávida não se fez esperar e rapidamente passaram a Queixome milhares de soldados persas, que colocaram cerco ao forte. Não obstante a disparidade de números entre persas e portugueses, enquanto os últimos conseguiram assegurar o controlo do mar em torno da ilha a sua posição esteve assegurada. Porém, a chegada dos navios da EIC veio alterar a situação. Os ingleses, em represália ao ataque sofrido em Jasks aliaram-se aos persas e cercaram o forte por mar. Apesar da oposição de Rui Freire, perante o bloqueio inglês e o cerco persa, os portugueses renderem-se em Fevereiro de 1622.
Em Ormuz falecido Francisco de Sousa, ocupara a capitania Simão de Melo Pereira. O novo capitão deu imediatamente ordem para se parar com as obras de reforço da fortaleza e recusou-se a ordenar à armada estacionada no porto para combater os navios inimigos. Assim quando as forças anglo-persas, moralizadas pela vitória em Queixome, passaram à ilha de Djârun apanharam a posição portuguesa praticamente desprevenida, apossando-se rapidamente da cidade e remetendo as tropas lusas para a fortaleza. Sem receber qualquer apoio da Índia, os portugueses renderam-se a 3 de Maio de 1622. Os prisioneiros portugueses foram enviados para Mascate, enquanto as tropas indígenas juntamente com o seu rei foram entregues aos persas.
Desta forma terminava a presença portuguesa em Ormuz. Porém, o desejo luso de retomar aquela praça manteve-se ainda durante várias décadas. Na década de 1620 o capitão-geral do estreito de Ormuz, Rui Freire de Andrade, colocou a praça várias vezes sob cerco, sem sucesso. O projecto teórico de retomada permaneceu pelo menos até à perda de Mascate (1650), propondo-se às autoridades persas a entrega de Ormuz, para servir de base lusa contra a pirataria omanita que assolava o Índico Ocidental, plano liminarmente recusado pelos Safávidas. A própria cidade ficou desabitada devido aos consecutivos ataques portugueses e à consequente ordem do Xá para desocupar a praça.
Bibliografia
AUBIN, Jean, «Le Royaume d’Ormuz au début du XVI siècle”» in Le Latine et L’Astrolabe. Reserches sur le Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, vol.II, Centre Culturel Calouste Gulbenkian – Comission Nationale pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, Lisboa – Paris, 2000, pp.287-376 Couto, Dejanirah, e Loureiro, Rui Manuel, «Ormuz, 1507 e 1622. Conquista e Perda», Tribuna da História, Lisboa, 2007 Ferreira, João Luís, «Entre Duas Margens. Os Portugueses no Golfo Pérsico (1622-1653)», Dissertação de Mestrado apresentada na FCSH-UNL, 2011 Wilson, Arnold, «The Persian Gulf», Claredon Press, Oxford, 1928
A Ormuz conhecida pelos portugueses foi fundada em inícios do século XIV, mas a história do reino era muito mais antiga. Originalmente a capital localizava-se na margem do rio Minab, alguns quilómetros no interior do território persa. A primeira referência a esta cidade surge no século II, na obra Indica, de Arriano. Já neste período a praça tinha uma grande relevância comercial (devido à sua ligação fluvial ao Golfo Pérsico), a qual aumentou após a conquista islâmica, no século VII. Porém, as repetidas incursões mongóis, no século XIII, destruíram a prosperidade de Ormuz e levaram em 1302, a população a abandonar a cidade e a mudar-se para a ilha de Djârun. A partir da nova posição a cidade rapidamente afirmou a sua predominância comercial e política no Estreito, estendendo a sua influência a várias ilhas do Golfo Pérsico, das quais se destaca o Bahrein, e a alguns territórios e cidades costeiras, como Mascate e Soar. Por Ormuz passaram a transitar não só a rota que ligava a Ásia à Europa, via Alepo, mas também um importante conjunto de rotas intra-asiáticas, conectando regiões tão distantes entre si como a Mesopotâmia, a Pérsia, o Bengala, a Índia ou a Insulíndia.
Chegados à Índia em 1498, os portugueses rapidamente perceberam a importância de Ormuz. Logo em 1505, D. Manuel I ordenou ao vice-rei D. Francisco de Almeida para intentar o estabelecimento de relações diplomáticas com o reino ormuziano. A submissão da praça fazia parte do plano luso que visava dominar as rotas comerciais passantes pelo Golfo Pérsico e Mar Vermelho, limitando a concorrência destas à recém-estabelecida rota do Cabo, além de reduzir os proventos comerciais dos poderes muçulmanos do Levante, dominadores dos lugares santos.
Em 1507, Afonso de Albuquerque, então capitão-mor do mar da Arábia, liderou uma expedição para submeter a cidade. A armada seguiu junto à costa árabe, onde tomou e destruiu várias praças sob controlo ormuziano. Chegada à ilha de Djârun, a cidade foi rapidamente submetida, ficando então estabelecido entre Albuquerque e o rei local um acordo de paz que previa a construção de uma fortaleza lusa dentro dos limites da cidade e o pagamento de páreas no valor de 15 000 xerafins. No entanto, este tributo redundou num mal-entendido entre as duas partes. Enquanto os portugueses entendiam que este pagamento comportava a assunção de um laço vassálico do rei de Ormuz como subordinado do monarca de Portugal, para os mouros as páreas não eram mais que um imposto de livre-trânsito comercial sem qualquer atributo político. Afonso de Albuquerque escolheu também manter o monarca ormuziano no trono, de forma a não hostilizar ainda mais a população muçulmana da cidade e a manter as ligações vassálicas entre os vários xeques locais, servindo o rei como intermediário entre estes e as autoridades portuguesas. Alcançado o acordo, o capitão ordenou aos seus homens o início das obras para a construção da fortaleza. Todavia, face à morosidade da obra, à pouca honra e lucro pessoal alcançável por aquele acto e ao autoritarismo de Afonso de Albuquerque, vários capitães da armada decidiram revoltar-se e partir para dar caça aos navios muçulmanos na embocadura do Mar Vermelho. Perante esta situação não restou outra opção ao capitão-mor do que partir, deixando a fortaleza por concluir.
Apesar deste primeiro insucesso, Afonso de Albuquerque perseverou no seu objectivo e, em 1515, aproveitando as dissensões internas que grassavam naquele reino, regressou a Ormuz, agora como governador do Estado Português da Índia. A cidade foi submetida com facilidade. Os portugueses exigiram o pagamento de todas as páreas que entretanto haviam deixado de ser pagas e concluíram a fortaleza deixada incompleta oito anos antes. O rei de Ormuz foi novamente mantido no trono, desvanecendo-se quaisquer dúvidas sobre o seu estatuto de vassalo do monarca português.
Ao longo da primeira metade do século XVI as páreas continuaram a aumentar. Logo em 1517, o capitão da fortaleza António de Saldanha aumentou o seu valor para 25 000 xerafins, argumentando as crescentes despesas com a armada do Estreito. Em 1521-22 rebentou uma revolta contra as autoridades lusas que se estendeu da cidade até algumas praças da costa arábica. Debelada a insurreição, em 1523, o governador D. Duarte de Meneses, aumentou o valor das páreas para 60 000 xerafins, de forma a punir a população pela sublevação. Devido a novos distúrbios em 1529, o governador Nuno da Cunha, ordenou o aumento das páreas para 100 000 xerafins. Este valor era totalmente incomportável para a fazenda ormuziana, desta forma em 1542 a dívida de Ormuz para o Estado Português da Índia atingia o astronómico valor de 518 000 xerafins. Face à incapacidade das autoridades locais para pagar a dívida ou a totalidade das páreas, o governador Martim Afonso de Sousa acordou com o rei de Ormuz a cedência da alfândega ao Estado da Índia, ficando os portugueses responsáveis por parte das despesas do monarca.
Apesar da apropriação por parte do Estado Português da Índia da alfândega de Ormuz a segunda metade da década de 1540 seria marcada por grandes dificuldades. A juntar-se a uma contração do comércio asiático com graves consequências para as receitas alfandegárias lusas no Oriente, surgiu com maior veemência a ameaça turca no Golfo do Pérsico. Em 1546, os Otomanos tomaram posse de Baçorá, na foz dos rios Tigre e Eufrates. Imediatamente as autoridades portuguesas debateram a possibilidade de pôr fim ao comércio com aquela cidade, mas o grande prejuízo nas receitas comerciais de Ormuz, que tal acto acarretaria, levou à continuidade do trato. A situação no extremo ocidental do Golfo tornou-se ainda mais grave em 1550, quando os Otomanos se apossaram também de Catifa. Desta vez a ameaça turca não podia ser ignorada, e nesse mesmo ano, foi enviada uma expedição sob o comando de D. Antão de Noronha para tomar Catifa, enquanto se tentava organizar uma revolta anti-otomana na região de Baçorá. A reacção islâmica não se fez esperar e, em 1552, uma grande armada liderada por Piri Reis, foi enviada do Suez para o Golfo Pérsico. A esquadra muçulmana conseguiu tomar Mascate e colocar cerco a Ormuz durante cinco meses, porém a ameaça de reforços portugueses vindos da Índia e o esgotamento dos abastecimentos levaram ao malogro da expedição turca, definitivamente derrotada em 1554, por uma armada lusa dirigida por D. Fernando de Noronha. Os portugueses ainda mantiveram como objectivo tomar Catifa e Baçorá nos anos seguintes, mas as autoridades islâmicas locais gradualmente afirmaram a sua tradicional independência em relação ao Império Otomano e mantiveram boas relações com as autoridades lusas de Ormuz.
Na Pérsia, em 1587, subiu ao trono o jovem xá Abbas I. O novo governante rapidamente afirmou a sua posição interna e externamente, além de desencadear uma série de reformas administrativas e militares. Abbas I também impulsou as relações diplomáticas com a Europa de forma a granjear apoios militares e comerciais contra o Império Otomano. A Monarquia Hispânica, onde Portugal se encontrava integrado desde 1581, surgiu como um dos mais importantes potenciais aliados. Assim, a partir de 1599, a troca de missões diplomáticas entre Madrid e Ispahan foi praticamente permanente. Porém, apesar dessa troca de diplomatas os persas não se coibiam de atacar as possessões portuguesas no Golfo Pérsico. Logo em 1602 tomaram o Bahrein e colocaram cerco ao bandel de Comorão e em 1608, enquanto se negociava em Madrid a possibilidade de escoamento das sedas persas pela rota do Cabo, tropas do xá tomaram a ilha de Queixome, perto de Djârun, e construíram uma fortaleza junto a Comorão. Esta acção revestia-se de um grande perigo para Ormuz, pois aquelas duas posições eram as principais fornecedoras de água potável à cidade, onde esta era inexistente.
A situação portuguesa no estreito agravou-se em 1614, com a tomada pelos persas do bandel de Comorão, utilizando como justificação o ataque contra a costa persa perpetrado pelo capitão de Ormuz, D. Luís da Gama, em retaliação pela morte do seu irmão D.Rodrigo. Desta forma, a praça ficava completamente privada do acesso à água potável, dependendo da boa vontade das autoridades safávidas. A situação no Golfo Pérsico foi acompanhada com bastante preocupação por Madrid, onde se decidiu o envio de uma grande embaixada à corte Safávida, liderada por D.Garcia de Silva y Figueroa. A missão diplomática fracassou por completo, encontrando os ingleses já firmemente implantados no comércio persa, através da feitoria da East India Company na cidade de Jasks.
Perante o agravar da situação, a Monarquia Hispânica decidiu o envio de uma grande armada ao estreito de Ormuz sob o comando de Rui Freire de Andrade, com os objectivos de expulsar os mercadores ingleses e reafirmar a posição lusa naquelas águas. Após várias peripécias na viagem, a esquadra chegou à cidade a 20 de Junho de 1620. Apesar da oposição do capitão de Ormuz, Francisco de Sousa, Rui Freire decidiu partir para Jasks, onde entrou em combate com vários navios da EIC, mas sem grandes resultados práticos. Regressado a Ormuz, Freire de Andrade decidiu pôr em prática a segunda parte das suas ordens. Desse modo partiu para a ilha de Queixome, para ali construir uma fortaleza que pudesse abastecer de água potável a vizinha ilha de Djârun. As forças persas que se encontravam na ilha foram rapidamente desbaratadas e os portugueses deram início à construção de um forte para assegurar a sua posição. A reacção safávida não se fez esperar e rapidamente passaram a Queixome milhares de soldados persas, que colocaram cerco ao forte. Não obstante a disparidade de números entre persas e portugueses, enquanto os últimos conseguiram assegurar o controlo do mar em torno da ilha a sua posição esteve assegurada. Porém, a chegada dos navios da EIC veio alterar a situação. Os ingleses, em represália ao ataque sofrido em Jasks aliaram-se aos persas e cercaram o forte por mar. Apesar da oposição de Rui Freire, perante o bloqueio inglês e o cerco persa, os portugueses renderem-se em Fevereiro de 1622.
Em Ormuz falecido Francisco de Sousa, ocupara a capitania Simão de Melo Pereira. O novo capitão deu imediatamente ordem para se parar com as obras de reforço da fortaleza e recusou-se a ordenar à armada estacionada no porto para combater os navios inimigos. Assim quando as forças anglo-persas, moralizadas pela vitória em Queixome, passaram à ilha de Djârun apanharam a posição portuguesa praticamente desprevenida, apossando-se rapidamente da cidade e remetendo as tropas lusas para a fortaleza. Sem receber qualquer apoio da Índia, os portugueses renderam-se a 3 de Maio de 1622. Os prisioneiros portugueses foram enviados para Mascate, enquanto as tropas indígenas juntamente com o seu rei foram entregues aos persas.
Desta forma terminava a presença portuguesa em Ormuz. Porém, o desejo luso de retomar aquela praça manteve-se ainda durante várias décadas. Na década de 1620 o capitão-geral do estreito de Ormuz, Rui Freire de Andrade, colocou a praça várias vezes sob cerco, sem sucesso. O projecto teórico de retomada permaneceu pelo menos até à perda de Mascate (1650), propondo-se às autoridades persas a entrega de Ormuz, para servir de base lusa contra a pirataria omanita que assolava o Índico Ocidental, plano liminarmente recusado pelos Safávidas. A própria cidade ficou desabitada devido aos consecutivos ataques portugueses e à consequente ordem do Xá para desocupar a praça.
Bibliografia
AUBIN, Jean, «Le Royaume d’Ormuz au début du XVI siècle”» in Le Latine et L’Astrolabe. Reserches sur le Portugal de la Renaissance, son expansion en Asie et les relations internationales, vol.II, Centre Culturel Calouste Gulbenkian – Comission Nationale pour les Commémorations des Découvertes Portugaises, Lisboa – Paris, 2000, pp.287-376 Couto, Dejanirah, e Loureiro, Rui Manuel, «Ormuz, 1507 e 1622. Conquista e Perda», Tribuna da História, Lisboa, 2007 Ferreira, João Luís, «Entre Duas Margens. Os Portugueses no Golfo Pérsico (1622-1653)», Dissertação de Mestrado apresentada na FCSH-UNL, 2011 Wilson, Arnold, «The Persian Gulf», Claredon Press, Oxford, 1928