Data de publicação
2009
Categorias
Período
A obra mais importante do «matemático» e astrólogo Abraão Zacuto é o Almanach Perpetuum Cocllutium Motuum, cujo contributo para a evolução da náutica astronómica foi decisivo. Escrito inicialmente em hebraico, com o título Hajibul Hagadol, e, muito possivelmente, antes de 1480, a obra foi traduzida em latim e em castelhano (Zacuto era castelhano, tendo quase com certeza nascido em Salamanca, onde viveu largos anos) e teve edições ainda no século XV. Trata-se de um livro que inclui tábuas astronómicas de diferentes tipos e para diversos fins astrológicos, precedidas das necessárias explicações, ou cânones, relativas ao seu uso. Pode-se acrescentar que o Almanach foi preparado para o «ano base» 1473 («Radix 1473»), o que significa que os números contidos nas tábuas se calcularam para este ano ou para períodos determinados de vários anos com início daquela data . Neste último caso, é, na maior parte das vezes, possível conhecer os valores dos elementos numéricos tabulares para datas posteriores aos lapsos de tempos referidos nas tábuas, mediante a introdução de correcções apropriadas. A parte explicativa do Almanach estava terminada em 1478; com efeito, Zacuto faz alusão a este ano, e por duas vezes, no capítulo IX dos cânones; o texto não passou à edição portuguesa da obra, mas pode ser lido na versão castelhana de Juan Selaya, que Cantera Burgos publicou. Além disso, nessa introdução ao volume, o astrólogo, ao prepará-la, tivera de recorrer a tábuas calculadas anteriormente por Bem Verga e pelos astrónomos de Afonso X de Castela. A afirmação respeitante às chamadas «tábuas afonsinas» pôde ser recentemente confirmada por Emmanuel Poulle, através de um computador. A primeira edição do Almanach Perpetuum data de 1496 e saiu das oficinas do impressor Abraham Samuel Dortas, em Leiria; sucede que se fizeram, pelo menos, duas tiragens desta edição, uma com os cânones em latim (e nem todos os exemplares desta tiragem são idênticos, pelo que é de pensar em pelo menos duas tiragens) e outra com os cânones em espanhol. As duas versões são obra de José Vizinho, também judeu, nascido em Viseu e valido de D. João II, como, aliás, se declara no final do volume: «(…) tábuas traduzidas pelo mestre José Vizinho, discípulo do autor das tábuas». A interferência deste livro na náutica portuguesa da época encontra-se expressamente referida, por duas vezes, em textos do século XVI: a mais antiga, mais breve, mas também a mais afirmativa, aparece na edição de 1518 do Reportório dos Tempos, traduzido e editado por Valentim Fernandes, e anuncia que as tábuas quadrienais da declinação solar para 1517-1520 foram obtidas do Almanach pelo aritmético Gaspar Nicolas; a mais recente, mais extensa, mas também a mais duvidosa, pelas inexactidões que contém, lê-se nas Lendas da Índia, de Gaspar Correia, no capítulo em que fala da náutica astronómica. Sabe-se hoje, depois dos estudos de Luciano Pereira da Silva e de Joaquim Bensaúde, que, de facto, todas as tábuas de declinações solares, com excepção da tábua solar única publicada no Guia Náutico de Munique e inserida também no Livro de Francisco Rodrigues, foram calculadas a partir dos números que se encontram impressos no Almanach: estão neste caso as tábuas com as declinações solares do Guia Náutico de Évora, também reproduzidas por Valentim Fernandes, válidas para o período já referido, e várias outras tábuas para diversos quadriénios (e, nomeadamente, para 1493-1496 e 1497-1500), de que apenas nos chegaram fragmentos no Livro de Marinharia de André Pires. Atendendo ainda que às declinações solares registadas no Guia Náutico de Munique, aqui exceptuadas, não pode ser indicada com fundamento uma origem, podendo ela ter sido a mesma, conclui-se que a obra de Zacuto foi essencial para a resolução de um problema fundamental das navegações desse tempo.

Bibliografia:
ALBUQUERQUE, Luís de, Estudos de História, vol. V, Coimbra, 1971; id., O Livro da Marinharia de André Pires, Coimbra, 1983; id., introdução à edição fac-similada do Almanach Perpetuum, Lisboa, 1986.

Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores