Data de publicação
2009
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Primogénito de Lopo de Sousa, aio do 4º duque de Bragança, alcaide-mor de Bragança e senhor do Prado, e de D. Brites de Albuquerque, filha do alcaide-mor do Porto, João Rodrigues de Sá. Foi admitido na corte em 1516, depois de o duque e D. Manuel I terem intervido no sentido de o impedir de rumar a Castela. Integrou então a Casa do príncipe herdeiro, D. João, como moço da guarda-roupa. Junto deste foi encontrar o primo co-irmão D. António de Ataíde. A convivência e a semelhança de idades estimularam a formação de estreitos laços de amizade entre as três figuras. A primeira evidência disso ocorreu em 1518, quando D. Manuel I resolveu casar com D. Leonor de Áustria, noiva anteriormente destinada ao filho. Tal como o primo, Martim Afonso manteve-se firme no apoio ao príncipe, certamente na expectativa de que a recompensa haveria de ser ganha. O fidalgo ter-se-ia compenetrado das potencialidades da dinâmica de curialização. Neste contexto se compreende que, em 1520, tivesse abdicado do vínculo à Casa de Bragança e dos benefícios seguros que lhe estavam associados (o usufruto da alcaidaria-mor de Bragança e de um elevado rendimento anual), transferindo-se para o serviço da realeza. Em 1523, Martim Afonso fez parte do séquito que levou a rainha-viúva de D. Manuel I de volta a Castela, tornando a Portugal, dois anos volvidos, na companhia da nova soberana, D. Catarina. Naquele meio-tempo, casou com a castelhana D. Ana Pimentel e deu o seu contributo à hoste do reino vizinho, durante a primeira guerra que opôs Carlos V a Francisco I de França, vindo a granjear o elogio do imperador.

O início da carreira ultramarina sucedeu em 1530, com a sua nomeação para a capitania-mor da armada e da terra do Brasil, altura em que se tornou, igualmente, membro do Conselho. À época, D. João III estava a dirigir uma profunda mudança no modelo de governo quotidiano, apostando na redução dos conselheiros com voz activa. Entre estes achava-se D. António de Ataíde, recentemente chamado a ocupar um dos lugares de vedor da Fazenda e, por consequência, a lidar com as problemáticas da Expansão. A circulação dos Franceses pelo Brasil, num quadro de incipiente ocupação lusa, começava então a afigurar-se preocupante. Por seu turno, Martim Afonso de Sousa vira diminuir o seu estatuto desde que, em 1525, fora obrigado a vender o senhorio do Prado à Coroa, de modo a liquidar uma divida contraída junto da mesma instância. Do exposto se infere quão favorável era a conjuntura à sua escolha para dirigir a expedição em causa: era forçosa uma intervenção na zona e conveniente a atribuição do respectivo comando a um fidalgo que fosse credor da confiança política e pessoal, tanto do rei como do vedor da Fazenda encarregue de superintender a missão.

A esquadra de Martim Afonso largou de Lisboa a 3 de Dezembro de 1530. Entre os restantes oficiais encontravam-se um irmão do capitão-mor, Pêro Lopes de Sousa, e outros membros da sua linhagem. Começava a esboçar-se a tendência para o fidalgo arrastar parentes para as suas empresas, colocando-os na mira do favor real. A expedição prolongou-se por três anos, saldando-se por um assinalável êxito ao dar azo à caça das velas francesas detectadas, ao reconhecimento das bacias amazónica e platina, à realização de bem sucedidas experiências de adaptação da cana-de-açúcar e à fundação de núcleos de povoamento em S. Vicente e no planalto de Piratininga.

O agrado de D. João III perante o desempenho do amigo foi total, daí resultando a doação, em 1534, de duas das capitanias-donatarias instituídas no Brasil: a de S. Vicente e a do Rio de Janeiro. Ainda naquele ano, Martim Afonso navegou para o Oriente investido nas funções de capitão-mor da armada do Reino, tomando posse como capitão-mor do mar da Índia após a chegada. Fora remetido para o segundo lugar da hierarquia do Estado da Índia, mas as suas expectativas fixavam-se no topo da mesma, onde estava instalado Nuno da Cunha. Essa ambição ficou patente nas cartas que endereçou ao rei e a D. António de Ataíde, durante a navegação para a Índia e ao longo dos anos seguintes. Pretextando a relação privilegiada que os unia e as obrigações dela decorrentes, tal correspondência servia de canal difusor à reivindicação de mercês para si, mas também para os familiares e amigos que o seguiam no Subcontinente. De forma concomitante, empenhava-se em denegrir o exercício governativo de Nuno da Cunha.

O facto é que Martim Afonso tinha poder de argumentação graças à eficácia das acções que foi empreendendo: a instalação dos Portugueses no Guzerate, possibilitada pela concessão de Baçaim, decidida pelo sultão local após o ataque a Damão (1534), seguida pelo acordo firmado com a mesma entidade para a construção de uma fortaleza em Diu (1535); bem como a defesa do reino de Cochim contra os ataques perpetrados pelas hostes do Samorim de Calecut e a perseguição das armadas mappillas (1536-1537). Neste particular residiu um aceso pomo de discórdia entre o capitão-mor do mar e Nuno da Cunha, com o primeiro a acusar o segundo de negligenciar o reforço do aparelho militar no Malabar, em prol do Guzerate, e de colocar em perigo os interesses pimenteiros dos Portugueses no Sul da Índia.

A interpretação deste quadro não pode ser reduzida ao tradicional choque entre sectores liberais e centralizadores. Martim Afonso tinha sido o principal obreiro da expansão rumo ao Guzerate, mas isso não o levava a abstrair-se da importância do tráfico de pimenta e, sobretudo, da amplitude geopolítica do problema que estava a emergir, com o Samorim e os respectivos corsários a estreitarem ligações com o reino cingalês de Sitawaka, declarado rival do reino de Kotte, ou seja, do grande aliado que os Portugueses tinham na ilha de Ceilão. Em Janeiro de 1538, o triunfo averbado por Martim Afonso contra a armada de Calecut, no porto de Beadala-Vedalai, revelou-se fundamental para inibir a capacidade reactiva dos inimigos e para afirmar a hegemonia portuguesa nas áreas compreendidas entre o Malabar e o Mar de Ceilão. Os benefícios obtidos estenderam-se a um âmbito supra-regional, considerando que a firmeza conferida à presença lusa no Sul da Índia permitiu enfrentar com maior segurança o ataque otomano sobre Diu, nos inícios de Setembro de 1538.

Contrariando o desejo de Martim Afonso, a Coroa indicou, naquele ano, D. Garcia de Noronha como sucessor de Nuno da Cunha, facto que encontrava justificação na previsibilidade da ofensiva otomana e na necessidade simultânea de prover o Estado da Índia de uma solução de governo forte e consensual. Levantado o cerco de Diu e desprovido de autorização do novo vice-rei para perseguir os inimigos, o fidalgo iniciou a viagem de volta a Lisboa nos começos de 1539. Acaso tivesse permanecido na Índia, teria tido a oportunidade de ascender ao governo, em Abril de 1540, na sequência da morte de D. Garcia e da abertura da primeira via de sucessão.

Em Portugal, D. João III já havia feito, entretanto, promessa do lugar a Martim Afonso, confirmando a disposição, em Janeiro de 1541, logo que se teve eco do falecimento de D. Garcia e da subida ao poder de D. Estevão da Gama. Significa isto que o filho do descobridor da Índia estava destinado a ser um governador a prazo, impedido de exercer o mandato até ao fim dos três anos regulamentares. Seguiu-se uma luta de facções na corte. A defesa da causa de D. Estevão foi assumida pelo irmão D. Francisco da Gama, conde da Vidigueira, com ajuda do respectivo sogro, D. Francisco de Portugal, conde de Vimioso, ao passo que Martim Afonso foi secundado por D. António de Ataíde. Ficou, pois, bem evidente a prática do accionamento de laços de parentesco e de aliança como estratégia aplicada na satisfação de ambições pessoais e no desenvolvimento da influência das casas titulares do Reino, em particular daquelas de origem mais recente, que concebiam a instrumentação dos domínios ultramarinos como uma fonte adicional de afirmação. A questão acabou por ser resolvida, a favor de Martim Afonso, numa reunião do Conselho, dando-lhe tempo para sair de Lisboa a 7 de Abril de 1541.

A navegação foi acidentada, pelo que o desembarque em Goa tardou até Maio de 1542. Dali em diante, o governador empenhou-se em favorecer parentes maternos e paternos, amigos, servidores pessoais e funcionários próximos, bem como em desenvolver actividades comerciais susceptíveis de lhe darem lucro. Esta dimensão liberal da sua administração tem dado azo à extrapolação de conclusões semelhantes relativamente à generalidade do cumprimento do mandato, em especial, quando se trata de evocar a «Viagem do Pagode» (ou seja, a tentativa frustrada de assalto ao templo hindu de Tirumala-Tirupati) e a organização da expedição de busca da mítica ilha do Ouro, ambas datadas de 1543. Sucedeu que qualquer uma das iniciativas teve aval prévio da Coroa. A administração em apreço foi ainda marcada pela reforma das alfândegas de Ormuz e de Malaca. pelo início da territorialização da presença portuguesa em Goa, mediante a anexação das terras de Bardês e Salsete e pela desvalorização dos bazarucos, a moeda de cobre com circulação corrente na capital do Estado da Índia. Os últimos processos suscitaram elevada polémica a nível local, respectivamente, por terem implicado a disponibilidade portuguesa de entregar ao sultão de Bijapur o exilado príncipe Mealecão e a inflação dos bens alimentares. Não foram, porém, queixas vindas da Índia que levaram D. João III a substituir Martim Afonso por D. João de Castro, em 1545. O soberano estava informado, desde o ano anterior, da indisponibilidade do amigo para continuar no cargo. Por conseguinte, a tensão que passou a pautar a relação entre os dois foi posterior ao regresso de Martim Afonso ao Reino, no Verão de 1546, e teve como razão a chuva de queixas que só então veio da Índia. A estabilização da relação entre o fidalgo e D. João III verificou-se em 1547.

Senhoreando, desde 1542, a vila de Alcoentre e a aldeia de Tagarro, Martim Afonso ocupou-se doravante com o engrandecimento da sua casa senhorial. Em data incerta, assumiu a alcaidaria-mor de Rio Maior. Foi figura destacada no apoio à regência de D. Catarina e, depois, também o cardeal D. Henrique buscou o seu conselho. Faleceu a 25 de Novembro de 1570, recebendo sepultura na capela que fundara na Igreja do Convento de S. Francisco, em Lisboa.

Bibliografia:
ALBUQUERQUE, Luís de (dir.), Martim Afonso de Sousa, Lisboa, Publicações Alfa, 1989. FLORES, Jorge, Os Portugueses e o Mar de Ceilão. Trato, Diplomacia e Guerra (1498-1543), Lisboa, Edições Cosmos, 1998. FREITAS, Jordão de, «A Expedição de Martim Afonso de Sousa», in História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, Porto, Litografia Nacional, 1924, pp. 96-164. PELÚCIA, Alexandra, Martim Afonso de Sousa e a sua Linhagem: A Elite Dirigente do Império Português nos Reinados de D. João III e D. Sebastião, Lisboa, UNL-FCSH, 2007, dissertação de doutoramento policopiada. SUBRAHMANYAM, Sanjay, «Notas sobre um Rei Congelado: o Caso de Ali bin Iusuf Adil Khan, Chamado Mealecão», in Passar as Fronteiras. Actas do II Colóquio Internacional sobre Mediadores culturais - Séculos XV a XVIII, coors. Rui Loureiro & Serge Gruzinski, Lagos, Centro de Estudos Gil Eanes, 1999, pp. 265-290. Idem, «Of Pagodas and Politics: Tirupati as El-Dorado», in Penumbral Visions. Making Polities in Early Modern South India, Nova Deli, Oxford University Press, 2001, pp. 22-60.