Data de publicação
2015
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Nascida em São Tomé, descendente de portugueses e de naturais da ilha, foi grande proprietária agrícola e negociante de açúcar, vindo a falecer em Lisboa, onde ficou conhecida como benemérita da Misericórdia e edificadora da capela do Espírito Santo, na respetiva igreja, da autoria de Jerónimo de Ruão.
Negra, segundo as fontes que a referem, herdou dos avós e dos pais uma considerável fortuna constituída por duas grandes fazendas dedicadas, como as demais, à cultura açucareira com recurso a mão-de-obra escrava, a do Rio do Ouro e a de São Bento. Veio a casar com Luís de Almeida, escudeiro fidalgo da casa do rei, sobrinho de Baltasar de Almeida, feitor do trato dos escravos na ilha. O marido, que já era dono da fazenda do Rio do Lagarto, comprou em 1565 o senhorio e capitania da ilha de Ano Bom. Em 1570 foi-lhe atribuída em sesmaria uma grande extensão de terra contígua à sua fazenda, para serventia desta na produção de açúcar. O casal comprou ainda outra fazenda a um proprietário local.
Ambos viveram em São Tomé, por certo da administração das propriedades e da comercialização dos seus produtos, até à deslocação, aparentemente súbita, para Lisboa, cerca de 1578. Esta poderá entender-se como estando relacionada com a instabilidade social que agitava a ilha desde os meados do século, a chamada “guerra do mato”, que opunha os escravos fugitivos aos donos de engenhos e autoridades. A partir da mudança, o casal passou a controlar os seus negócios (produção de açúcar e venda desse produto no mercado internacional) de Lisboa, sede do império territorial e comercial português, por meio de feitores e procuradores, numa posição eventualmente mais favorável.
Começaram por residir à Boa Vista, na parte ocidental da cidade, zona habitada principalmente por mercadores e altos funcionários da coroa. Mas pouco depois compraram, por 9.500 cruzados, uma residência na frente de Alfama para o rio, às Portas do Mar, o bairro mais aristocrático de Lisboa, entre os palácios dos condes de Portalegre e de Linhares. Aí veio a falecer Luís de Almeida, antes de 1583, e Simoa, em 1594. No reino continuaram a adquirir bens de raiz, rústicos e urbanos, a gerir os seus negócios e a relacionar-se com a elite de mercadores, clérigos e membros do alto funcionalismo em ação no Ultramar. O recheio da sua casa, em que se incluíam objetos de prata, ouro e tapeçarias, e a posse de 25 escravos para o seu serviço, mostra a opulência em que viveram.
Ainda em vida de Luís de Almeida, o casal mandou erguer, do lado do Evangelho da igreja da Misericórdia, uma capela para lhe servir de sepultura. Com traça de Jerónimo de Ruão, ainda subsiste, nas suas linhas simples e majestosas, a contrastar com o gosto manuelino do restante edifício, hoje como capela-mor da atual igreja da Conceição Velha posterior ao Terramoto de 1755. Quando Simoa faleceu, além de legar os seus bens à Misericórdia de Lisboa e a outras instituições de vocação social e piedosa, ordenou que os seus “escravos charamelas”, tocadores de instrumentos musicais, de que o casal se tinha servido em vida, ficassem destinados a abrilhantar os ofícios religiosos que aí se deviam celebrar, de acordo com as suas indicações testamentárias. Os mesmos nunca poderiam ser diminuídos do número conveniente, sendo substituídos, quando alguns falecessem, por outros mandados vir de São Tomé.
Tendo em conta os poucos conhecimentos existentes de figuras socialmente destacadas resultantes da miscigenação de Portugueses e Africanos, na época da Expansão, Simoa Godinho é um dos casos mais interessantes desse cruzamento biológico, económico e cultural.
Bibliografia:
AMBRÓSIO, António (1998), Dona Simoa de São Tomé em Lisboa, Lisboa: Santa Casa da Misericórdia; CALDEIRA, Arlindo Manuel (2007-2008), “Mestiçagem, estratégias de casamento e propriedade feminina no arquipélago de São Tomé e Príncipe nos séculos XVI, XVII e XVIII”, Arquipélago. História (2ª. Série), v. XI-XII, Ponta Delgada: Universidade dos Açores, p. 51-52; CALDEIRA, Arlindo Manuel (1999), Mulheres, sexualidade e casamento em São Tomé e Príncipe (Séculos XV a XVIII) , Lisboa: Cosmos; CALDEIRA, Arlindo Manuel (2004), “Rebelião e outras formas de resistência à escravatura na ilha de São Tomé (Séculos XVI a XVIII), Africana Studia, nº. 7, Porto: Faculdade de Letras, p. 101-136; CASTRO, João Bautista de (1763), Mapa de Portugal antigo e moderno, tomo 2, Lisboa: Oficina Patriarcal de Francisco Luís Ameno.
Negra, segundo as fontes que a referem, herdou dos avós e dos pais uma considerável fortuna constituída por duas grandes fazendas dedicadas, como as demais, à cultura açucareira com recurso a mão-de-obra escrava, a do Rio do Ouro e a de São Bento. Veio a casar com Luís de Almeida, escudeiro fidalgo da casa do rei, sobrinho de Baltasar de Almeida, feitor do trato dos escravos na ilha. O marido, que já era dono da fazenda do Rio do Lagarto, comprou em 1565 o senhorio e capitania da ilha de Ano Bom. Em 1570 foi-lhe atribuída em sesmaria uma grande extensão de terra contígua à sua fazenda, para serventia desta na produção de açúcar. O casal comprou ainda outra fazenda a um proprietário local.
Ambos viveram em São Tomé, por certo da administração das propriedades e da comercialização dos seus produtos, até à deslocação, aparentemente súbita, para Lisboa, cerca de 1578. Esta poderá entender-se como estando relacionada com a instabilidade social que agitava a ilha desde os meados do século, a chamada “guerra do mato”, que opunha os escravos fugitivos aos donos de engenhos e autoridades. A partir da mudança, o casal passou a controlar os seus negócios (produção de açúcar e venda desse produto no mercado internacional) de Lisboa, sede do império territorial e comercial português, por meio de feitores e procuradores, numa posição eventualmente mais favorável.
Começaram por residir à Boa Vista, na parte ocidental da cidade, zona habitada principalmente por mercadores e altos funcionários da coroa. Mas pouco depois compraram, por 9.500 cruzados, uma residência na frente de Alfama para o rio, às Portas do Mar, o bairro mais aristocrático de Lisboa, entre os palácios dos condes de Portalegre e de Linhares. Aí veio a falecer Luís de Almeida, antes de 1583, e Simoa, em 1594. No reino continuaram a adquirir bens de raiz, rústicos e urbanos, a gerir os seus negócios e a relacionar-se com a elite de mercadores, clérigos e membros do alto funcionalismo em ação no Ultramar. O recheio da sua casa, em que se incluíam objetos de prata, ouro e tapeçarias, e a posse de 25 escravos para o seu serviço, mostra a opulência em que viveram.
Ainda em vida de Luís de Almeida, o casal mandou erguer, do lado do Evangelho da igreja da Misericórdia, uma capela para lhe servir de sepultura. Com traça de Jerónimo de Ruão, ainda subsiste, nas suas linhas simples e majestosas, a contrastar com o gosto manuelino do restante edifício, hoje como capela-mor da atual igreja da Conceição Velha posterior ao Terramoto de 1755. Quando Simoa faleceu, além de legar os seus bens à Misericórdia de Lisboa e a outras instituições de vocação social e piedosa, ordenou que os seus “escravos charamelas”, tocadores de instrumentos musicais, de que o casal se tinha servido em vida, ficassem destinados a abrilhantar os ofícios religiosos que aí se deviam celebrar, de acordo com as suas indicações testamentárias. Os mesmos nunca poderiam ser diminuídos do número conveniente, sendo substituídos, quando alguns falecessem, por outros mandados vir de São Tomé.
Tendo em conta os poucos conhecimentos existentes de figuras socialmente destacadas resultantes da miscigenação de Portugueses e Africanos, na época da Expansão, Simoa Godinho é um dos casos mais interessantes desse cruzamento biológico, económico e cultural.
Bibliografia:
AMBRÓSIO, António (1998), Dona Simoa de São Tomé em Lisboa, Lisboa: Santa Casa da Misericórdia; CALDEIRA, Arlindo Manuel (2007-2008), “Mestiçagem, estratégias de casamento e propriedade feminina no arquipélago de São Tomé e Príncipe nos séculos XVI, XVII e XVIII”, Arquipélago. História (2ª. Série), v. XI-XII, Ponta Delgada: Universidade dos Açores, p. 51-52; CALDEIRA, Arlindo Manuel (1999), Mulheres, sexualidade e casamento em São Tomé e Príncipe (Séculos XV a XVIII) , Lisboa: Cosmos; CALDEIRA, Arlindo Manuel (2004), “Rebelião e outras formas de resistência à escravatura na ilha de São Tomé (Séculos XVI a XVIII), Africana Studia, nº. 7, Porto: Faculdade de Letras, p. 101-136; CASTRO, João Bautista de (1763), Mapa de Portugal antigo e moderno, tomo 2, Lisboa: Oficina Patriarcal de Francisco Luís Ameno.