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2012
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A 4 de Agosto de 1578, nas imediações da cidade marroquina de Alcácer-Quibir, deu-se a que também ficou conhecida como Batalha dos Três Reis por nela terem falecido três soberanos.
Para compreender o enquadramento político-militar da batalha é necessário recuar no reinado de D. Sebastião ao ano de 1562, conhecido pelo cerco à praça de Mazagão e pela organização das Cortes que entregaram a regência, na menoridade do rei, ao cardeal-infante D. Henrique. Nos capítulos destas Cortes um dos pedidos feitos, na sequência do abandono decretado por D. João III, foi o de um reinvestimento no Norte de África. Este enquadrava-se numa conjuntura de dificuldades financeiras do Reino em que se discutiam novamente as prioridades do Império: grande parte da nobreza que se opusera, em tempos de D. João III, ao abandono das praças norte-africanas, aproveitou o ambiente gerado pelo cerco, para renovar um pedido que demonstrava como aquela decisão régia não solidificara. Em torno do jovem rei foi-se aglomerando um crescente número de nobres defensores de uma nova aposta no Norte de África. Boa parte desta nobreza, que esperava com ansiedade o momento da assumpção de poder por D. Sebastião, via com bons olhos o interesse do jovem monarca pelos grandes feitos de guerra contra os mouros. Para esta nobreza, que sempre encarou o combate norte-africano como o prolongamento natural da Reconquista e como a área por excelência onde devia exercer a sua função guerreira, o regresso aos areais norte-africanos era ainda uma forma de reafirmar o prestígio luso na Europa.
Ao assumir a governação D. Sebastião iniciou diversas reformas. De entre as que, desde cedo, procurou colocar em prática encontrava-se a relativa às ordenanças militares. Esta esbarrou na oposição de boa parte da nobreza que percepcionava os argumentos régios de modernização do exército para acompanhar as inovações europeias como uma perda dos seus privilégios senhoriais, designadamente do comando da hoste senhorial. A oposição a esta reforma, que se iniciou em 1569, levou no final do reinado a episódios difíceis de gerir com consequências em Alcácer-Quibir. Mas, se paradoxalmente, por um lado, o rei enfrentou a oposição da nobreza nos seus intentos de reforma militar, por outro, continuou a partilhar com esta e cada vez mais o projecto marroquino. Logo em 1571, a propósito da Batalha de Lepanto, D. Sebastião evidenciou publicamente o interesse no combate à mourama. Porém, a mudança da prioridade política para o Norte de África por parte do rei só principiou a ficar mais nítida a partir de 1573, ano em que o rei iniciou uma jornada ao Alentejo e ao Algarve. Logo em 1574, sem disso dar conhecimento senão após a sua partida, D. Sebastião rumou ao Norte de África. No entanto, a saída do rei, que se fez acompanhar das figuras que dominaram a corte nos anos seguintes, saldou-se por uma expedição de reconhecimento da região. Impedido de prosseguir pela conjuntura política (a avó D. Catarina chegara a escrever-lhe ameaçando que caso não regressasse ela própria o iria buscar e o cardeal-infante D. Henrique manifestara apreensão em aceitar a regência que lhe fora imposta) e pela falta de condições gerais, o rei foi forçado a regressar.
Data, assim, de 1574, o momento da viragem norte-africana na mente e política régia. Não há dúvida que desde então o monarca tencionava regressar ao Norte de África com um grande exército, que não tivera em 1574, a fim de cobrir-se pessoalmente de glória e, assim, afirmar a Coroa Portuguesa no cenário europeu. O pretexto para esse regresso deu-se em 1576, quando Muley Mahamet, deposto do trono de Marrocos, com o apoio otomano, pelo seu tio, Muley Maluco, se dirigiu aos monarcas ibéricos em busca de apoio. Se para a estratégia de Filipe II a ingerência nos assuntos marroquinos se afigurava desaconselhável, para D. Sebastião, que se reforçara rodeando-se de novas figuras na corte, a oportunidade era única. Afastada, minorada e até debilitada a influência que durante anos a avó D. Catarina e o tio D. Henrique tinham protagonizado, D. Sebastião tinha oportunidade para ensaiar a sua própria política. Nesse sentido divulgou a intenção de ajudar Muley Mahamet a recuperar o seu trono e solicitou a Filipe II um encontro para combinar os preparativos da expedição que em sua ajuda organizaria.
No encontro de Guadalupe, em finais de 1576, D. Sebastião procurou convencer o monarca castelhano a conceder-lhe auxílio militar. Argumentando com o perigo de ingerência turca no sultanato marroquino e na própria Península Ibérica, sobretudo tendo em conta as recentes perdas de La Goleta e Tunes frente aos Otomanos, o rei procurou convencer Filipe II dos perigos de uma pirataria moura recrudescente no Mediterrâneo e até no Atlântico. Porém, Filipe II, que desde cedo se empenhara em demover D. Sebastião da jornada, vendo-se impossibilitado de colocar o duque de Alba no comando da expedição, impôs condições inexequíveis para o seu apoio. A expedição teria de se realizar até ao Verão de 1577 e D. Sebastião deveria nomear um general. Regressado a Lisboa nos inícios de 1577, o rei deu início imediato aos preparativos, arregimentando homens segundo o sistema das ordenanças e enfrentando a oposição de figuras como o duque de Bragança ou o conde de Tentúgal, procurando simultaneamente reunir meios financeiros para a contratação de homens no estrangeiro. Um dos meios mais polémicos foi a concessão de um perdão-geral aos cristãos-novos a troco de elevada soma o qual, para ser alcançado, implicou a renúncia de D. Henrique ao cargo de inquisidor-mor do Reino. Para os recrutamentos no estrangeiro, D. Sebastião enviou Nuno Álvares Pereira à Flandres e Alemanha, em processo muito conturbado que incluiu negociações com Guilherme de Orange. O rei chegou ainda a propor casamento com uma filha do duque da Toscânia na mira de recrutamento de homens em Itália, esquecendo a sua promessa de Gaudalupe de casar com a filha de Filipe II.
Apesar de D. Sebastião procurar apressar tudo para que os preparativos militares estivessem prontos a tempo, nomeando general D. Luís de Ataíde e posteriormente quatro coronéis para dirigir o recrutamento pelas comarcas do Reino, criando um ambiente de tensão e de receio em que todos os que na corte o tentavam chamar à razão eram afastados, e de ordenar recrutamentos forçados, não pôde evitar que a expedição fosse adiada até à Primavera de 1578. Tal sucedeu devido à natural morosidade com que decorriam os preparativos e ainda a bloqueios e contratempos de diversa espécie. Só em finais de 1577, o rei assumiu publicamente que tencionava liderar a expedição e, apesar da esperança de alguns de que não fosse o monarca a liderar o exército, sugerindo-lhe diferentes nomes, D. Sebastião sempre afirmou que a jornada não se faria sem o seu comando. Já durante o ano de 1578, os sucessivos falecimentos da rainha D. Catarina e da Infanta D. Maria, conjugados com a polémica em torno da governação durante a ausência do rei na jornada africana e com os últimos preparativos que tardavam contribuíram para que só em finais de Junho de 1578 D. Sebastião partisse com um exército composto na sua maioria por homens mal treinados e militarmente pouco apetrechado.
Quando zarpou de Lisboa, a armada portuguesa seria composta por cerca de 800 embarcações e contaria com um valor ligeiramente superior a 20 000 homens, entre os quais 5000 estrangeiros, 12 000 dos terços portugueses, 1400 do esquadrão dos aventureiros e ainda 500 homens do esquadrão castelhano. Após o desembarque em Tânger, D. Sebastião encontrou-se com Muley Mahamet e recusou as propostas de Muley Maluco que lhe prometia entregar alguns portos em troca da paz. No entanto, o rei viera com o plano de cercar o porto de Larache. Uma parte do exército seria embarcado em Arzila na armada para atacar Larache enquanto D. Sebastião lideraria o restante na conquista de Alcácer-Quibir, a sudeste de Larache, de forma a depois retomar o caminho de Larache e a cercar por terra e mar. Após variados contratempos, o rei acabou por não tomar Alcácer-Quibir, sendo nas redondezas da cidade que enfrentou o exército de Muley Mahamet. O sultão de Marrocos proclamara a guerra santa e reunira um exército numericamente superior ao de D. Sebastião. Optando por esconder a sua artilharia e jogando com um conhecimento do terreno, Muley Mahamet envolveu o exército luso com o seu exército em forma de meia-lua. Do lado português, D. Sebastião dispusera o grosso do seu exército de infantaria em quadrado. Quando se iniciou a marcha de batalha, o exército português foi surpreendido pela artilharia moura e pela proximidade do exército oponente. Uma carga inicial da cavalaria islâmica na retaguarda causou grande confusão do lado português. A custo o ataque foi sustido pela cavalaria lusa e o exército luso investiu contra a parte visível da infantaria de Muley Mahamet, pondo-a em debandada. Todavia, aquilo que pareceu o início da vitória cristã com a retirada desordenada do inimigo, rapidamente se converteu numa derrota quando o grosso da infantaria moura, mais treinada e que se mantivera oculta, contra-atacou ao mesmo tempo que, na ala esquerda, também a arcabuzaria moura contra-atacava. O inesperado contra-ataque islâmico combinado com a explosão de reservas de pólvora do lado português, semeou o pânico e a desordem no exército luso que iniciou a debandada, sendo presa fácil para os mouros.
Os diferentes relatos da evolução da batalha apontam para que D. Sebastião, ao invés de comandar o exército como tanto insistira, se relegou ele próprio à função de soldado. Ressalta ainda a evidência do falhanço militar daquela nobreza que se opusera às reformas militares modernas do rei mas que com ele partilhavam o sonho de um império norte-africano, a qual foi incapaz de salvar o rei no último momento. Aqui, o paralelismo com o sucedido nas montanhas do Rif, em 1464, quando D. Afonso V esteve a ponto de ser capturado pelos mouros e apenas o sacrifício do conde D. Duarte de Meneses o evitou, evidencia como no cerne de Alcácer-Quibir se encontra o controverso relacionamento de D. Sebastião com a nobreza. Se por um lado, são bem conhecidas as consequências políticas do desastre de Alcácer-Quibir e até os erros de estratégia militar cometidos pelos Portugueses, por outro, ainda hoje muito se discute em torno da pertinência da jornada. Durante muitos anos a historiografia encarou Alcácer-Quibir como a crónica de um desastre anunciado motivado pela política de um rei louco e obcecado com o combate aos mouros. No entanto, leituras mais recentes têm enfatizado a componente política da batalha, isto é, o projecto político que lhe era subjacente. Os argumentos políticos e militares que o monarca utilizou para legitimar a jornada (sobretudo o perigo turco) não são desprovidos de sentido, ainda que tenham sido exagerados. Em que medida estaria D. Sebastião a criar o caminho para uma governação livre de influências e pressões? Não seria Alcácer-Quibir o epílogo lógico, ainda que desastroso, de um processo que remontava aos anos anteriores do reinado quando D. Sebastião procurara afirmar o seu próprio projecto político? Eis uma das muitas dúvidas que desde daquele 4 de Agosto parece estar por esclarecer.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo, «D. Sebastião, o homem para lá do mito» in A Monarquia Portuguesa. Reis e Rainhas na História de um Povo, direcção de João Aguiar e Bento de Moraes Sarmento, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1999, pp. 308-319; CRUZ, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, s.l., Círculo de Leitores, 2006; DANVILA, «Alfonso, Felipe II y El Rey Don Sebastián de Portugal», Madrid, Espasa-Calpe, 1954; SOUSA, Luís Costa e, «Alcácer-Quibir, 1578». «Visão ou delírio de um rei?», Lisboa, Tribuna (Batalhas de Portugal), 2009; VELLOSO, José Maria de Queirós, D. Sebastião 1554-1578, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1935.
Para compreender o enquadramento político-militar da batalha é necessário recuar no reinado de D. Sebastião ao ano de 1562, conhecido pelo cerco à praça de Mazagão e pela organização das Cortes que entregaram a regência, na menoridade do rei, ao cardeal-infante D. Henrique. Nos capítulos destas Cortes um dos pedidos feitos, na sequência do abandono decretado por D. João III, foi o de um reinvestimento no Norte de África. Este enquadrava-se numa conjuntura de dificuldades financeiras do Reino em que se discutiam novamente as prioridades do Império: grande parte da nobreza que se opusera, em tempos de D. João III, ao abandono das praças norte-africanas, aproveitou o ambiente gerado pelo cerco, para renovar um pedido que demonstrava como aquela decisão régia não solidificara. Em torno do jovem rei foi-se aglomerando um crescente número de nobres defensores de uma nova aposta no Norte de África. Boa parte desta nobreza, que esperava com ansiedade o momento da assumpção de poder por D. Sebastião, via com bons olhos o interesse do jovem monarca pelos grandes feitos de guerra contra os mouros. Para esta nobreza, que sempre encarou o combate norte-africano como o prolongamento natural da Reconquista e como a área por excelência onde devia exercer a sua função guerreira, o regresso aos areais norte-africanos era ainda uma forma de reafirmar o prestígio luso na Europa.
Ao assumir a governação D. Sebastião iniciou diversas reformas. De entre as que, desde cedo, procurou colocar em prática encontrava-se a relativa às ordenanças militares. Esta esbarrou na oposição de boa parte da nobreza que percepcionava os argumentos régios de modernização do exército para acompanhar as inovações europeias como uma perda dos seus privilégios senhoriais, designadamente do comando da hoste senhorial. A oposição a esta reforma, que se iniciou em 1569, levou no final do reinado a episódios difíceis de gerir com consequências em Alcácer-Quibir. Mas, se paradoxalmente, por um lado, o rei enfrentou a oposição da nobreza nos seus intentos de reforma militar, por outro, continuou a partilhar com esta e cada vez mais o projecto marroquino. Logo em 1571, a propósito da Batalha de Lepanto, D. Sebastião evidenciou publicamente o interesse no combate à mourama. Porém, a mudança da prioridade política para o Norte de África por parte do rei só principiou a ficar mais nítida a partir de 1573, ano em que o rei iniciou uma jornada ao Alentejo e ao Algarve. Logo em 1574, sem disso dar conhecimento senão após a sua partida, D. Sebastião rumou ao Norte de África. No entanto, a saída do rei, que se fez acompanhar das figuras que dominaram a corte nos anos seguintes, saldou-se por uma expedição de reconhecimento da região. Impedido de prosseguir pela conjuntura política (a avó D. Catarina chegara a escrever-lhe ameaçando que caso não regressasse ela própria o iria buscar e o cardeal-infante D. Henrique manifestara apreensão em aceitar a regência que lhe fora imposta) e pela falta de condições gerais, o rei foi forçado a regressar.
Data, assim, de 1574, o momento da viragem norte-africana na mente e política régia. Não há dúvida que desde então o monarca tencionava regressar ao Norte de África com um grande exército, que não tivera em 1574, a fim de cobrir-se pessoalmente de glória e, assim, afirmar a Coroa Portuguesa no cenário europeu. O pretexto para esse regresso deu-se em 1576, quando Muley Mahamet, deposto do trono de Marrocos, com o apoio otomano, pelo seu tio, Muley Maluco, se dirigiu aos monarcas ibéricos em busca de apoio. Se para a estratégia de Filipe II a ingerência nos assuntos marroquinos se afigurava desaconselhável, para D. Sebastião, que se reforçara rodeando-se de novas figuras na corte, a oportunidade era única. Afastada, minorada e até debilitada a influência que durante anos a avó D. Catarina e o tio D. Henrique tinham protagonizado, D. Sebastião tinha oportunidade para ensaiar a sua própria política. Nesse sentido divulgou a intenção de ajudar Muley Mahamet a recuperar o seu trono e solicitou a Filipe II um encontro para combinar os preparativos da expedição que em sua ajuda organizaria.
No encontro de Guadalupe, em finais de 1576, D. Sebastião procurou convencer o monarca castelhano a conceder-lhe auxílio militar. Argumentando com o perigo de ingerência turca no sultanato marroquino e na própria Península Ibérica, sobretudo tendo em conta as recentes perdas de La Goleta e Tunes frente aos Otomanos, o rei procurou convencer Filipe II dos perigos de uma pirataria moura recrudescente no Mediterrâneo e até no Atlântico. Porém, Filipe II, que desde cedo se empenhara em demover D. Sebastião da jornada, vendo-se impossibilitado de colocar o duque de Alba no comando da expedição, impôs condições inexequíveis para o seu apoio. A expedição teria de se realizar até ao Verão de 1577 e D. Sebastião deveria nomear um general. Regressado a Lisboa nos inícios de 1577, o rei deu início imediato aos preparativos, arregimentando homens segundo o sistema das ordenanças e enfrentando a oposição de figuras como o duque de Bragança ou o conde de Tentúgal, procurando simultaneamente reunir meios financeiros para a contratação de homens no estrangeiro. Um dos meios mais polémicos foi a concessão de um perdão-geral aos cristãos-novos a troco de elevada soma o qual, para ser alcançado, implicou a renúncia de D. Henrique ao cargo de inquisidor-mor do Reino. Para os recrutamentos no estrangeiro, D. Sebastião enviou Nuno Álvares Pereira à Flandres e Alemanha, em processo muito conturbado que incluiu negociações com Guilherme de Orange. O rei chegou ainda a propor casamento com uma filha do duque da Toscânia na mira de recrutamento de homens em Itália, esquecendo a sua promessa de Gaudalupe de casar com a filha de Filipe II.
Apesar de D. Sebastião procurar apressar tudo para que os preparativos militares estivessem prontos a tempo, nomeando general D. Luís de Ataíde e posteriormente quatro coronéis para dirigir o recrutamento pelas comarcas do Reino, criando um ambiente de tensão e de receio em que todos os que na corte o tentavam chamar à razão eram afastados, e de ordenar recrutamentos forçados, não pôde evitar que a expedição fosse adiada até à Primavera de 1578. Tal sucedeu devido à natural morosidade com que decorriam os preparativos e ainda a bloqueios e contratempos de diversa espécie. Só em finais de 1577, o rei assumiu publicamente que tencionava liderar a expedição e, apesar da esperança de alguns de que não fosse o monarca a liderar o exército, sugerindo-lhe diferentes nomes, D. Sebastião sempre afirmou que a jornada não se faria sem o seu comando. Já durante o ano de 1578, os sucessivos falecimentos da rainha D. Catarina e da Infanta D. Maria, conjugados com a polémica em torno da governação durante a ausência do rei na jornada africana e com os últimos preparativos que tardavam contribuíram para que só em finais de Junho de 1578 D. Sebastião partisse com um exército composto na sua maioria por homens mal treinados e militarmente pouco apetrechado.
Quando zarpou de Lisboa, a armada portuguesa seria composta por cerca de 800 embarcações e contaria com um valor ligeiramente superior a 20 000 homens, entre os quais 5000 estrangeiros, 12 000 dos terços portugueses, 1400 do esquadrão dos aventureiros e ainda 500 homens do esquadrão castelhano. Após o desembarque em Tânger, D. Sebastião encontrou-se com Muley Mahamet e recusou as propostas de Muley Maluco que lhe prometia entregar alguns portos em troca da paz. No entanto, o rei viera com o plano de cercar o porto de Larache. Uma parte do exército seria embarcado em Arzila na armada para atacar Larache enquanto D. Sebastião lideraria o restante na conquista de Alcácer-Quibir, a sudeste de Larache, de forma a depois retomar o caminho de Larache e a cercar por terra e mar. Após variados contratempos, o rei acabou por não tomar Alcácer-Quibir, sendo nas redondezas da cidade que enfrentou o exército de Muley Mahamet. O sultão de Marrocos proclamara a guerra santa e reunira um exército numericamente superior ao de D. Sebastião. Optando por esconder a sua artilharia e jogando com um conhecimento do terreno, Muley Mahamet envolveu o exército luso com o seu exército em forma de meia-lua. Do lado português, D. Sebastião dispusera o grosso do seu exército de infantaria em quadrado. Quando se iniciou a marcha de batalha, o exército português foi surpreendido pela artilharia moura e pela proximidade do exército oponente. Uma carga inicial da cavalaria islâmica na retaguarda causou grande confusão do lado português. A custo o ataque foi sustido pela cavalaria lusa e o exército luso investiu contra a parte visível da infantaria de Muley Mahamet, pondo-a em debandada. Todavia, aquilo que pareceu o início da vitória cristã com a retirada desordenada do inimigo, rapidamente se converteu numa derrota quando o grosso da infantaria moura, mais treinada e que se mantivera oculta, contra-atacou ao mesmo tempo que, na ala esquerda, também a arcabuzaria moura contra-atacava. O inesperado contra-ataque islâmico combinado com a explosão de reservas de pólvora do lado português, semeou o pânico e a desordem no exército luso que iniciou a debandada, sendo presa fácil para os mouros.
Os diferentes relatos da evolução da batalha apontam para que D. Sebastião, ao invés de comandar o exército como tanto insistira, se relegou ele próprio à função de soldado. Ressalta ainda a evidência do falhanço militar daquela nobreza que se opusera às reformas militares modernas do rei mas que com ele partilhavam o sonho de um império norte-africano, a qual foi incapaz de salvar o rei no último momento. Aqui, o paralelismo com o sucedido nas montanhas do Rif, em 1464, quando D. Afonso V esteve a ponto de ser capturado pelos mouros e apenas o sacrifício do conde D. Duarte de Meneses o evitou, evidencia como no cerne de Alcácer-Quibir se encontra o controverso relacionamento de D. Sebastião com a nobreza. Se por um lado, são bem conhecidas as consequências políticas do desastre de Alcácer-Quibir e até os erros de estratégia militar cometidos pelos Portugueses, por outro, ainda hoje muito se discute em torno da pertinência da jornada. Durante muitos anos a historiografia encarou Alcácer-Quibir como a crónica de um desastre anunciado motivado pela política de um rei louco e obcecado com o combate aos mouros. No entanto, leituras mais recentes têm enfatizado a componente política da batalha, isto é, o projecto político que lhe era subjacente. Os argumentos políticos e militares que o monarca utilizou para legitimar a jornada (sobretudo o perigo turco) não são desprovidos de sentido, ainda que tenham sido exagerados. Em que medida estaria D. Sebastião a criar o caminho para uma governação livre de influências e pressões? Não seria Alcácer-Quibir o epílogo lógico, ainda que desastroso, de um processo que remontava aos anos anteriores do reinado quando D. Sebastião procurara afirmar o seu próprio projecto político? Eis uma das muitas dúvidas que desde daquele 4 de Agosto parece estar por esclarecer.
Bibliografia:
COSTA, João Paulo, «D. Sebastião, o homem para lá do mito» in A Monarquia Portuguesa. Reis e Rainhas na História de um Povo, direcção de João Aguiar e Bento de Moraes Sarmento, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1999, pp. 308-319; CRUZ, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, s.l., Círculo de Leitores, 2006; DANVILA, «Alfonso, Felipe II y El Rey Don Sebastián de Portugal», Madrid, Espasa-Calpe, 1954; SOUSA, Luís Costa e, «Alcácer-Quibir, 1578». «Visão ou delírio de um rei?», Lisboa, Tribuna (Batalhas de Portugal), 2009; VELLOSO, José Maria de Queirós, D. Sebastião 1554-1578, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1935.