Data de publicação
2010
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O princípio da expansão portuguesa em Marrocos começou em 1415 quando as tropas sob o comando de D. João I tomaram a fortaleza de Ceuta, iniciando um processo de presença multisecular em território magrebino. Apesar de a princípio não se ter previsto um destino claro a atribuir à nova conquista, os membros do conselho régio hesitando entre uma ocupação definitiva do espaço ou uma expedição episódica sem objectivos duradouros, a praça acabou por constituir o primeiro passo de um novo cenário da expansão ultramarina. A situação geostratégica de Ceuta à entrada do Estreito de Gibraltar e os interesses económicos que uma tal posição poderia suscitar não foram certamente estrangeiros a esta decisão; mas outros factores contribuiram para a manutenção da praça. Vivendo numa época de franca expansão demográfica e atravessando um longo período de paz com Castela, a nobreza lusitana saída da nova dinastia reinante necessitava de um espaço onde pudesse demonstrar o seu valor militar e garantir consequentemente a atribuição de recompensas régias.

Após uma segunda expedição marroquina que terminou em fracasso (1432), a Coroa só se voltou a interessar pela conquista de novas praças no reinado de D. Afonso V, época em que Alcácer Ceguer (1458), Arzila e Tânger (1471) foram acrescentadas ao Algarve de Além-mar, nome que designava o conjunto do domínio português no Norte de África. O aumento de território levantava uma série de questões com o reino vizinho de Castela, que reclamava igualmente o controlo de uma parte do Magrebe. Ambas as Coroas, enquanto descendentes da monarquia visigótica, aspiravam legitimamente à conquista do espaço marroquino, e só com os tratados de Alcáçovas-Toledo (1479-80) e de Tordesilhas (1494) se pôde resolver definitivamente a questão, definindo-se a área de direito de conquista lusa ao reino de Fez. O clima de fragmentação política do sultanado marroquino durante as dinastias merínida e oatácida permitiu aos Portugueses uma maior margem de manobra no seu processo de expansão, até ao momento em que a emergência dos xarifes sádidas nas regiões meridionais do país impôs uma reformulação das relações geopolíticas em meados do séc. XVI.

Se o reinado de D. João II não conheceu eventos dignos de particular menção, para além da expedição malograda da Graciosa (1489), o mesmo se não poderá dizer do seu sucessor, D. Manuel I, que executou uma política preconizando uma maior capacidade interventiva no Magrebe. Ao momento da sua ascenção ao trono, D. Manuel tinha ao seu dispor uma linha de expansão iniciada anteriormente, que apostava numa presença portuguesa apoiada por um dispositivo militar nas praças do norte, ao mesmo tempo que estabelecia com algumas localidades costeiras do sul uma relação tutelar com objectivos maioritariamente económicos. O princípio do século XVI constituíu o período auge da presença portuguesa em Marrocos, em especial com a ocupação de Safim (1508), a conquista de Azamor (1514), e a construção das fortalezas de Mazagão (1502) e de Santa Cruz do Cabo de Gué, perto de Agadir (1505). O avanço para Sul - que se deveu em grande parte a contactos diplomáticos com as populações autóctones e a uma política de "protectorado" - permitiu a Portugal o acesso a uma área geográfica distinta das praças da região do Estreito de Gibraltar, uma vasta região em que as cidades costeiras gozavam de uma grande autonomia e estavam bastante distanciadas do centro político de Marraquexe, onde o estabelecimento luso se caracterizou por uma maior colaboração com a população local, constituída majoritariamente por tribos berberes. Saliente-se a este respeito a institucionalização das zonas de "mouros de pazes" com o objectivo de facilitar a implantação do poderio português na região e fazer barreira à influência do reino de Fez. Datam deste reinado as cavalgadas no hinterland marroquino levadas a cabo por Yahya Bentafuf e Nuno Fernandes de Ataíde, incursões que conheceram um certo impacto na documentação da época. Por outro lado, a estratégia de D. Manuel I revelou uma atenção particular ao controlo das águas marroquinas, razão que o levou a criar em 1520 a armada do Estreito de Gibraltar cuja missão era efectivamente de assegurar a navegação dos navios portugueses face à ameaça crescente do corso magrebino e francês.

O reinado de D. João III marca o fim da estratégia expansionista portuguesa em Marrocos. Perante as conquistas xarifinas nas regiões meridionais - cujo sucesso se deveu em grande parte à utilização maciça de artilharia e à popularidade do seu discurso ideológico contra o ocupante cristão - e face a uma carestia endémica de efectivos humanos e financeiros quando a resistência aos exércitos sádidas demandava meios de defesa acrescidos, impôs-se ao soberano de fazer uma escolha quanto à política de investimento nos diferentes rumos de expansão da Coroa. O dilema colocava-se relativamente à manutenção dispendiosa de certas fortalezas em território marroquino; a decisão régia, após consulta das personalidades com mais experiência na matéria, foi a de abandonar as praças de Safim e Azamor (1541), e num segundo momento as de Arzila e Alcácer Ceguer (1560). Após a Restauração de 1640, a única fortaleza que continuou sob controlo luso foi a de Mazagão até 1769, Ceuta tendo optado por permanecer na Coroa espanhola e Tânger cedida à Coroa britânica como dote da Infanta D. Catarina de Bragança aquando do seu casamento com Carlos II de Inglaterra (1662).

A vida quotidiana nas praças do Norte de África girava em torno das actividades económicas e das frequentes expedições militares nos arredores das zonas de domínio português. A população que habitava as fortalezas dedicava-se à pesca, à produção agrícola e hortícula, ao comércio, e sobretudo à criação de gado, actividade essencial para a sobrevivência das guarnições. De facto, o roubo de gado sendo assaz comum de ambas as partes, suscitará numerosas escaramuxas entre os guerreiros portugueses e marroquinos. Além das operações de cerco de ocorrência episódica, a actividade militar limitava-se em grande parte à prossecução de almogavarias, incursões extremamente rápidas com objectivos específicos, um tipo de guerra adaptado ao terreno e típico da tradição militar marroquina. O sistema de defesa das fortalezas dependia em grande parte de um dispositivo de vigilância assente no papel dos atalaias, os batedores do campo circunvizinho que se asseguravam da segurança em redor das praças e que alertavam a guarnição em caso de ameaça inimiga. Por outro lado, os conflitos de grande dimensão em campo descoberto, como por exemplo a batalha de Alcácer Quibir (1578), constituíam acontecimentos de uma grande raridade. Apesar do clima de "guerra endémica", para utilizar a expressão famosa de David Lopes, os momentos de tréguas não eram raros e as relações com os territórios muçulmanos em torno da área sob controlo português não se circunscriviam unicamente ao confronto armado. Sabemos, por exemplo, que Bernardo Rodrigues, autor dos Anais de Arzila, tinha um amigo em Larache que costumava ficar em sua casa quando se deslocava à praça portuguesa e que este, em sentido inverso, alojava o cronista português quando visitava aquela cidade marroquina.

Bibliografia:
COOK, Weston, The Hundred Years War for Morocco: Gunpowder and the Military Revolution in the Early Modern Muslim World. Boulder, CO: Westview Press, 1994; FARINHA, António Dias, Os Portugueses em Marrocos. Lisboa: Instituto Camões, 1999; LOPES, David, A Expansão em Marrocos. Lisboa: Teorema / O Jornal, [1989]; IDEM, Textos em Aljamia Portuguesa: Estudo filológico e histórico. Nova ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1940; RICARD, Robert, Études sur l'histoire des portugais au Maroc. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1955; TERRASSE, Henri, Histoire du Maroc: Des origines à l'établissement du Protectorat français. 2 vols. Casablanca: Éditions Atlantides, 1949.

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Autoria da imagem
André Teixeira