Data de publicação
2009
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Designa-se habitualmente deste modo um conjunto de regras, na sua quase totalidade de carácter astronómico, que foram sendo introduzidas na pilotagem a partir de meados do século XV, pelos pilotos portugueses que navegavam o Atlântico. Essas regras marcaram, de facto, a transição de uma arte de navegar, em que era a estima do piloto o único factor relevante, para uma técnica rudimentar, em que já intervinham dados objectivos e susceptíveis de medida. De início, a navegação de mar largo baseou-se simplesmente na comparação de alturas da Estrela Polar, ou de qualquer outra estrela facilmente identificável, à passagem superior pelo meridiano; às observações meridianas vieram juntar-se depois, pelo menos para a Polar, mais sete observações possíveis, em lugares bem definidos do círculo diurno aparente do astro. Da aplicação do correspondente conjunto de regras veio a surgir o chamado «Regimento da Polar» ou «Regimento da Estrela do Norte», criação anónima datando, talvez, dos dois últimos decénios do século XV, que transformaria completamente a técnica da navegação. Com efeito, foi a partir do «Regimento do Norte» que começaram a ser tomadas latitudes a bordo dos navios que se engolfavam no Atlântico, e a prática não voltaria mais a ser abandonada. É certo que para conhecer com todo o rigor a posição que ocupavam os pilotos necessitavam igualmente de saber a longitude em relação a um meridiano tomado como referência; esta questão também foi considerada naquele tempo, mas dependia do problema da conservação ou do conhecimento exacto do tempo, mesmo para os vários recursos astronómicos que podiam fornecer tal coordenada geográfica, e esse problema só no século XVIII pôde ser resolvido pelo inglês John Harrison. Por isso, os homens do mar do século XVI aceitariam ideias absurdas e falsas teorias que acreditaram dar-lhes a chave do problema. Reconhecida a vantagem de ser conhecida a latitude, cedo se passou a fazer também a sua determinação pela altura meridiana do Sol, conhecida a declinação do astro no momento da observação. As regras fundamentais para a resolução deste problema eram conhecidas desde o século X, pelo menos, e foram incluídas em muitos trabalhos sobre o astrolábio (era com este instrumento, bastante simplificado em relação ao astrolábio tradicional, que se observava o astro) e também nos Libros del Saber de Astronomia, compilados na segunda metade do século XIII por ordem de Afonso X de Castela. Essas regras apenas tiveram de ser revistas e completadas, para passarem a servir os pilotos em todos os casos. Como no Tratado de Tordesilhas se alude ao regimento do Sol, é fora de dúvida que a prática foi introduzida na navegação antes de 1494; há, de resto, resíduos de tábuas náuticas de declinações solares com os valores calculados para a última década do século XV. A estes dois regimentos fundamentais da chamada «ciência náutica portuguesa», outros dados se vieram juntar: o chamado «Regimento das Léguas», que não passa de uma renovação da «toleta de marteloio», adaptada às novas circunstâncias (indica quantas léguas se navegavam, entre dois paralelos, com a diferença de 1º de latitude, por rumo diferente do norte-sul e fixado de quarta em quarta); os processos de determinação de declinação da agulha de marear, o primeiro deles exposto no «tratado» de João de Lisboa dedicado à bússola, e que do mesmo texto se pode inferir que será anterior a 1508; catálogos de estrelas, com as suas declinações, que podiam igualmente ser usados na determinação prática de latitudes (o mais antigo que conheço encontra-se no «Guia Náutico» de Manuel Lindo, anterior a 1550, mas o seu interesse devia ser puramente teórico, dado que Pedro Nunes assevera, e a sua voz tem de ser ouvida, que os navegadores do seu tempo conheciam «muito poucas» estrelas), e ainda um conjunto de regras práticas para a navegação (regaras para «achar uma ilha», para saber o rumo do nascer e do pôr do Sol, para «cartear em leste-oeste», para conhecer a hora durante a noite pela observação da Ursa Menor, etc). É de advertir que muitas destas regras práticas não se encontravam devidamente fundamentadas, facto assinalado, por vezes, à margem dos manuscritos em que se encontram transcritas (assim acontece, por exemplo, no Livro de Marinharia atribuído a Gaspar Moreira, sendo as notas de reprovação atribuíveis a D. António de Ataíde). A parte mais importante desta contribuição para as transformações da náutica foi, sem dúvida, a introdução da prática da medição de latitudes. Ela terá sido, de resto, a causa directa de uma crise sofrida pela cartografia tradicional, que iria ser ultrapassada pelo recurso a uma cartografia de raiz científica e não empírica. De facto, como as cartas eram traçadas por rumo e estima, quando nelas se passou a inserir uma escala de latitudes, nos primeiros anos do século XVI, cedo se deu conta (pois já João de Lisboa assinala o facto no «Tratado da Agulha de Marear», de 1514) de que a carta não estava preparada para a navegação astronómica. Tornava-se necessário, portanto, rever a sua construção, problema em que se empenhou Pedro Nunes, mas para o qual só a imaginação de Gerard Mercator pôde encontrar a solução mais adequada para as exigências da náutica.
Bibliografia:
ALBUQUERQUE, Luís de, Curso de História de Náutica, 2ª ed., Coimbra, 1972. Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores
Bibliografia:
ALBUQUERQUE, Luís de, Curso de História de Náutica, 2ª ed., Coimbra, 1972. Artigo originalmente publicado no Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, dir. Luís de Albuquerque, e reproduzido por cortesia do Círculo de Leitores