Data de publicação
2015
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Lagos, no Algarve, foi o principal ponto de entrada de escravos africanos em Portugal nas primeiras décadas do tráfico negreiro, a partir dos anos 40 do século XV. Isso deveu-se ao facto de o infante D. Henrique, depois da conquista de Ceuta, ter eleito a vila como sede dos seus empreendimentos marítimos, ainda antes de a mesma lhe ter sido doada, em 1453. Dela saiu Lançarote, almoxarife do rei, com seis caravelas, para a costa de Arguim, na primavera de 1443 ou 1444, regressando no começo de agosto com o primeiro grande carregamento de cativos negros chegados ao país, 235. Gomes Eanes de Zurara evocou magistralmente, na Crónica da Guiné, o dramatismo do desembarque na praia de Lagos dessa carga humana, na presença do infante, que poderia ter servido de modelo a muitas outras descrições de acontecimentos semelhantes, ao longo de séculos, se tivessem existido, o que não voltou a acontecer da parte de portugueses, dada a banalização em que o tráfico caiu:

“… qual seria o coração, por duro que ser pudesse, que não fosse pungido de piedoso sentimento, vendo-se assim aquela companha? Que uns tinham as caras baixas e os rostros lavados com lágrimas, olhando uns contra os outros; outros estavam gemendo mui dolorosamente, esguardando a altura dos céus (…) bradando altamente, como se pedissem acorro ao Padre da natureza; outros feriam seu rostro com suas palmas, lançando-se tendidos no meio do chão; outros faziam suas lamentações em maneira de canto, segundo o costume de sua terra …”.

Os escravos trazidos tinham sido capturados em assaltos a aldeias da costa africana, mas na década seguinte já era aos mercados locais que os Portugueses, por decisão de D. Henrique, recorriam para obter cativos e não já à guerra. Disso deu conta o veneziano Alvise Cá da Mosto, no relato das suas viagens. O comércio passou a ser muito mais fácil e lucrativo que a pilhagem, recebendo o infante, como antes, a quinta parte do respetivo produto.

Em Lagos funcionou inicialmente a feitoria dos Tratos da Guiné e a mão-de-obra cativa continuou a chegar ao seu porto até ao fim do século e mesmo depois. Em 1490 e em 1490-96 o almoxarifado da vila recebeu 739 peças de escravos.

Mas na década de 80, com o aumento do afluxo e a necessidade de controlo fiscal por parte da coroa, Lisboa passou a ter a prioridade neste comércio. E um alvará de D. Manuel I, de 24 de outubro de 1512, veio a canalizar obrigatoriamente para a cidade do Tejo a entrada de escravos no reino, exceto por razões de força maior, como intempéries que impedissem os navios de aportar à mesma.

As descargas faziam-se no cais da Ribeira, junto aos muros da vila, recuperado em 2008 por uma campanha arqueológica, que o pôs a descoberto depois de ter estado soterrado desde a década de 1940, devido à construção da avenida marginal da cidade. Próximo dele fazia-se a venda dos cativos. Um edifício seiscentista, a Vedoria do Exército, adquiriu na tradição local a designação de Mercado de escravos, provavelmente por ser junto a ele que, antes e mesmo depois da sua construção, se processava essa atividade. Em 2010 foi instalado nesse edifício o Núcleo Museológico do Mercado de Escravos, albergando uma exposição sobre o tráfico negreiro.

Outro testemunho do papel de Lagos como porto ligado ao comércio escravista foi descoberto em 2009, numa zona recentemente urbanizada da cidade e durante as obras de abertura de um silo para estacionamento de automóveis: uma vala usada para enterramento de cadáveres, em que as deposições mais antigas datam de meados do século XV, apogeu da entrada de escravos na vila. Na centena e meia de esqueletos encontrados, muitos foram atribuídos a africanos devido às suas caraterísticas antropomórficas e a objetos de fabrico africano associados a alguns deles. Poderá tratar-se de cativos chegados já mortos nos navios de tráfico, ainda não cristianizados, pelo facto de terem sido lançados de forma caótica num depósito comum, ao contrário do que sucederia àqueles que, já integrados e convertidos ao Cristianismo, iriam ser sepultados nas igrejas e respetivos adros. Alguns desses vestígios foram expostos no Núcleo Museológico acima referido.

Bibliografia: ALBUQUERQUE, Luís de (1971) “Lançarote”, Dicionário de História de Portugal (Dir. Joel Serrão), v. II, Lisboa: Iniciativas Editoriais, pp. 655-656; CADAMOSTO, Luís de (1988) Viagens de Luís de Cadamosto e de Pero de Sintra, Lisboa: Academia Portuguesa de História; COSTA, João Paulo Oliveira e (2013), Henrique, o Infante, Lisboa, Esfera dos Livros; COSTA, João Paulo Oliveira e (Coord.) (2014) História da expansão e do império português, Lisboa: Esfera dos Livros; GODINHO, Vitorino Magalhães (1983) Os descobrimentos e a economia mundial, v. IV, Lisboa: Presença; ZURARA, Gomes Eanes de (1973) Crónica de Guiné, Porto, Civilização. Documento da Internet: http://museudigitalafroportugues.wordpress.com/sobre/reino-do-algarve/o-cemiterio-de-escravos-de-lagos/.