Data de publicação
2009
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Europeia no estilo e oriental em termos de inspiração, para Alain Gruber a chinoiserie representa, na história do ornamento, a mais extraordinária manifestação da capacidade inventiva europeia dos séculos XVII e XVIII, na medida em que até então, o vocabulário ornamental raramente concedera tão grande importância à fantasia e tão pouca atenção à imitação de modelos existentes (Gruber, 1992, p. 228).

O prestígio alcançado na Europa pelos produtos asiáticos, provenientes de uma região geográfica, cuja sociedade, cultura e arte se assumiam como exemplares aos olhos dos europeus, cedo estimulou as trocas comerciais entre os dois continentes e a sua ávida aquisição, fazendo com que a procura rapidamente ultrapassasse a oferta. A aura de raridade que envolvia estes artigos, o interesse que despertavam e o avultado preço que aos mesmos se associava, depressa incitou ao desenvolvimento, em larga escala, de uma indústria de imitação, na qual a imaginação desempenhava um papel cada vez mais importante. A mesma, alicerçada na informação divulgada através das publicações parcamente enriquecidas do ponto de vista visual, depressa fomentou um crescente distanciamento dos arquétipos originais em que se aliçerçava, prosseguindo e explorando, cada vez mais, a imagem inacessível e ideal entretanto construída em redor do Oriente. É de notar que esta visão utópica que gradualmente se impunha como imagem de marca da chinoiserie, encarnava o contraste perfeito com a vivência europeia contemporânea actuando, desta forma, como o conjunto de tudo aquilo com que a população, na generalidade, sonhava.

Em termos historiográficos, como Álvaro Mota observa, "a problematização do estudo da chinoiserie instala-se num terreno fértil de controvérsias, pela dificuldade, quer na demarcação das suas balizas cronológicas, quer nas suas delimitações conceptuais mais específicas" (Mota, 1997, p.18). No que se refere aos limites temporais em que esta manifestação artística se enquadra, autores como Alain Gruber e Hugh Honour apresentam uma concepção mais abrangente do fenómeno da chinoiserie, situando-a entre a Idade Média e o século XVIII, sendo que outros, por exemplo, Madeleine Jarry o circunscrevem às décadas de 20 e 30 do século XVIII. A mesma discrepância se nota acerca das referências culturais e artísticas consignadas pelos diversos especialistas no assunto, sendo que se uns elegem de forma exclusiva as influências chinesas - de que é sintomática a própria designação adoptada -, outros há que contemplam, como fonte de inspiração, todos os elementos que, de algum modo, são alheios ao contexto ocidental. É o caso de Oliver Impey, ao destacar os estilos chinês, mas também o japonês, o indiano ou o persa, ao mesmo tempo que alerta para a possibilidade de estes poderem apresentar-se conjugados entre si sem qualquer critério aparente.

Um outro factor de discussão reporta-se ao local onde se processava a sua manufactura pois, ao contrário de alguns autores que advogam uma realização exclusivamente confinada à Europa, outros, como John Irwin, consideram que a chinoiserie pode ser definida como o exercício da maneira ou estilo chinês por parte de outra cultura, uma condicionante que se encontra, na sua perspectiva, acessível a todos aqueles interessados na sua prática (Irwin, 1970, p. 19).

Não menos importante é a forma como na chinoiserie se exploram e aplicam os elementos orientais, já que alguns autores entendem a chinoiserie numa perspectiva de grande aproximação e fidelidade (mesmo imitação) a um determinado modelo e repertório oriental, ao invés de outros que a associam a um tipo de manufactura que, embora parta de um gosto orientalizante, o recria segundo critérios próprios.

Uma das soluções encontradas por alguns especialistas para conciliar as questões assinaladas incide na periodização do fenómeno - reconhecendo uma primeira fase, pautada pela maior aproximação e fidelidade, normalmente coincidente com o século XVI e inícios do século XVII, e uma segunda, dominada pela fantasia e recriação, consonante não apenas com o período áureo da chinoiserie, mas com o estilo rocócó, de que muitos autores consideram ser indissociável. Uma outra leitura da chinoiserie oscila entre dois conceitos, nomeadamente, o de chinoiserie e o denominado "chinese taste", correspondentes a dois tipos de manufactura: o primeiro, coincidente com uma produção de teor mais fantasista, específica de um determinado período da história das artes decorativas; o segundo, alusivo àquela produção que sempre existiu, desde o conhecimento dos primeiros exemplares orientais na Europa, e que procura seguir de forma fiel os modelos estranhos, caros e tão requisitados pela elite ocidental, podendo também ela, congregar uma produção de imitação ou de influência, uma vez considerado o maior ou menor grau de aproximação ao modelo usado.

De acordo com os estudos realizados neste domínio, os primeiros lugares ocidentais a servirem de palco a esta moda em termos de criação, consumo e fruição, terão sido Londres e Paris, cidades a partir das quais a chinoiserie irradiou para a restante Europa. Sobre a difusão e desenvolvimento da chinoiserie por este continente deverá notar-se que esta moda parece ter evoluído de forma inversamente proporcional em relação ao nível de experiência directamente vivida por cada uma das nações europeias no Oriente e ao seu maior ou menor acesso a produtos importados, por outro: a chinoiserie conheceu maior incidência e desenvolvimento em países com pouca vivência directa e volume de importações pouco pronunciado mas, em contrapartida, fartos em literatura baseada na experiência alheia, fazendo de França, Itália e Alemanha, os estados onde a chinoiserie assumiu maior impacte. Talvez por isso e segundo A. F. Pimentel, Portugal nunca tenha dedicado muita atenção à chinoiserie, na medida em que as informações de que dispunha se alicerçavam em conhecimentos concretos e porque lidava com bens asiáticos em elevada quantidade, não necessitando da chinoiserie para satisfazer o gosto inato pelo exotismo (PIMENTEL, 1988, p. 360; 1989, p. 118), validado pelos intensos contactos praticados com a Ásia desde o início de Quinhentos.

Todavia, não se devem ignorar os testemunhos materiais, alguns de notável qualidade, ainda existentes em Portugal, realizados em domínios tão díspares como a azulejaria ou o mobiliário, como bem atestam o programa decorativo da Biblioteca de D. João V da Universidade de Coimbra, o cadeiral da Sé de Viseu ou o conjunto azulejar que anima os jardins da quinta do Sobralinho, no concelho de Vila Franca de Xira; nem tão-pouco o contributo de Portugal no desenvolvimento da chinoiserie, uma vez considerado um entendimento mais lato do significado desta manifestação artística, como acima se assinalou. Muito embora não lhe tenha cabido a revelação do Oriente à Europa foi, porém, através da epopeia ultramarina lusa que se conheceu um renovado interesse por aquela região planetária, proporcionado pela chegada e distribuição, através das naus portuguesas, de informações e artigos dali provenientes, numa escala nunca antes realizada. Da mesma forma, se assiste em Portugal, e de forma precoce, aos primeiros ensaios de imitação por aproximação em várias áreas das artes decorativas e aplicadas, os quais incidem tanto ao nível dos suportes como dos motivos e temas decorativos. São disso exemplo paradigmático as "porcelanas contrafeitas da China", designação usada por João Baptista Lavanha, em 1619, para as faianças pintadas a azul e branco, realizadas em Lisboa desde a primeira década da segunda metade do séc. XVI e cuja produção média anual rondaria então as trinta mil peças, número que, decerto, ajudava a suprimir a procura interna e externa deste tipo de artigos (nomeadamente do Norte da Europa), como confirmam as enormes quantidades de achados arqueológicos recentemente escavados em Amesterdão.

Bibliografia:
JACOBSON, Dawn, Chinoiserie, Londres, Phaidon, 1999. GRUBER, Alain, Chinoiseries, in Alain GRUBER, (dir. de), L'Art Décoratif en Europe - Classique et Barroque, vol. 2, Paris, Citadelles & Mazenod, 1992. IMPEY, Oliver, Chinoiserie: The Impact of Oriental Styles on Western Art Decoration, Londres, Oxford University Press, 1977. John IRWIN e Katherine BRETT, Origins of Chintz with a Catalogue of Indo-European Painting in the Victoria & Albert Museum, Londres - Toronto, Butler & Tanner, Ltd. - The Royal Ontario Museum, 1970, p. 19. JARRY, Madeleine, Chinoiseries. Le Rayonnement du Gôut Chinois sur les Arts Décoratifs des XVIIe et XVIIIe Siécles, Friburgo, Office du Livre, 1981. MOTA, Álvaro Samuel Guimarães da, Gravuras de Chinoiserie de Jean-Baptiste Pillement, 2 vols., dissertação de mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1997 (Texto policopiado). PIMENTEL, António Filipe, "O Gosto Oriental na Obra das estantes da casa da Livraria da Universidade de Coimbra", in Pedro DIAS, (coord.de), Portugal e a Espanha entre a Europa e Além-Mar. Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte, Coimbra, Instituto de História da Arte Universidade de Coimbra, 1988, pp. 347-368. PIMENTEL, António Filipe, "Chinoiserie", in José Fernandes PEREIRA, (dir. de), Dicionário de Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p. 118.