Data de publicação
2009
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As técnicas de tecelagem de tapetes foram igualmente difundidas em Portgal com a propagação do islão, e, embora nenhum tapete ou pintura tenham ainda sido identificados, provas textuais confirmam a presença de tecelões mudéjares (tapeceiros or tapeteiros mouros) no país. Os primeiros documentos datam do reinado de D. João I (r. 1385-1433) e mencionam nomes de tecelões em Lisboa que trabalhavam para a corte portuguesa. Estas fontes referem-se consistentemente a "tapeceiros" ou "tapeteiros mouros"; os seus nomes - Ahmad e Muhammad - confirmam a sua herança árabe, ao passo que a existência do apelido Sevilhão implica também ligações ancestrais entre uma das famílias de "tapeteiros" e a cidade de Sevilha em Espanha.

Estes homens, que se especializavam na feitura de tapetes e não produziam tapeçarias de parede ("pannos de armar") ou esteiras, deverão ter sido artesãos muito hábeis para conseguirem cativar a atenção da corte e serem nomeados tapeceiros do rei (os "nossos tapeceiros" ou "tapeteiros"). Os seus produtos eram muitíssimo apreciados, tendo sido incluídos nos dotes reais e até, possivelmente, nas colecções dos governantes Nasrid de Granada, onde foram descritos como garbía ou garvía. Hoje apenas podemos especular sobre o aspecto que teriam estes "coloridos tapetes de pêlo de lã", mas seriam provavelmente devedores da tradição mudéjar espanhola e executados com o nó de teia única (ou seja, não seriam tapetes tecidos ou kilims).

Em 1430, a única filha viva do Mestre de Avis, a Infanta D. Isabel (1397-1471), desposou o Duque da Borgonha, levando consigo para França "onze grands [e] douze moyens tapis velus de Portugal [e] quatre petits tapis de velus de Turquie" - descrições que parecem corroborar a produção em Portugal de tapetes de nó cujo destino seria a corte. Infelizmente, não há ainda nenhuma informação próxima dos desenhos destes tapetes portugueses, mas a sua existência levanta questões relevantes sobre se todos os tapetes sobreviventes, actualmente considerados de origem espanhola, foram executados exclusivamente em Espanha ou, também, pelos altamente qualificados tecelões de Lisboa. Na verdade, algumas representações com paralelos espanhóis na arte portuguesa podem reflectir uma produção local.

Os privilégios reais prorrogados aos tecelões de Lisboa concederam-lhes, devido ao seu estatuto especial, imunidades fiscais, bem como várias protecções para si e para os seus empregados, tendo, inclusivamente, os tesoureiros do rei, instruções para os apoiar com os seus préstimos. Quando Afonso V (r. 1438-81) emitiu um edital que retirava os privilégios à comunidade moura, os tecelões de tapetes insurgiram-se contra a decisão; o rei cedeu, restaurando os seus direitos a 10 de Setembro de 1454. Esta excepção sugere que estes homens representavam uma mais-valia para a economia local, e que os tapetes que produziam eram bens muito apreciados, sendo esta ideia reforçada pelo facto de, a 3 de Março de 1471, o rei ter concedido autorização ao tecelão Mafamede Lobo para ter dois aprendizes na sua oficina, fixando ainda multas onerosas para quem tentasse empregar estes aprendizes noutra parte, e ordenando que, uma vez treinado este par, fosse substituído por outro novo.

D. João II (r. 1481-1495) também favoreceu os tecelões mudéjares, provavelmente, também por razões económicas e, a 2 de Junho de 1492, precisamente seis meses depois da queda de Granada, aprovava a continuação dos privilégios anteriormente concedidos aos tecelões mouros pelos seus antepassados. Segundo o médico e geógrafo de Nuremberga, Jerome Münzer, que visitou a Península Ibérica entre Agosto de 1494 e Abril de 1495, as mercadorias que os Portugueses reuniam para enviar para a Guiné incluíam "panos de lã de cores variadas [e] tapetes de Tunis". Notou ainda, na sua obra De Inventione Genee, que D. João II (r. 1481-1495) mandara fazer em oficinas portuguesas cópias fiéis de tapetes oriundos de Tunis e Fez. Estas observações indicam seguramente a existência de indústrias vigorosas em ambos os lados do Mediterrâneo, pelas quais o rei demonstrava um interesse considerável, bem como de uma procura de tapetes no comércio de longo curso com a África ocidental, o que pode ter estimulado o seu interesse na indústria local.

Em 1496, D. Manuel I (r. 1495-1521) decretou a expulsão de mouros e judeus, cumprindo as obrigações impostas pelo seu acordo de casamento com Isabel de Aragão e Castela (r. 1497-1498), filha dos Reis Católicos. As oficinas mudéjares em Lisboa parecem ter sido abandonadas pouco depois, embora quatro "tecelães de tapetes" trabalhassem ainda na cidade em 1551. É possível que se tratassem de cristãos-novos, e que tenham continuado a sua actividade durante boa parte do século XVI; no entanto, a ser este o caso, a tradição do fabrico de tapetes de nó em Portugal extinguir-se-ia pouco mais tarde, ao contrário da tradição espanhola, que se prolongou até aos nossos dias.

Bibliografia:
HALLETT, Jessica, "Tapetes orientais e ocidentais: intercâmbios peninsulares no século XVI", in O Largo Tempo do Renascimento: Arte, Propaganda e Poder, Vítor Serrão (coord.), Lisboa, Caleidoscópio, 2008, pp. 225-257. HALLETT, Jessica and Pereira, Teresa Pacheco (coords.), O Tapete Oriental em Portugal, tapete e pintura, séculos XV-XVIII, Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga/ Instituto dos Museus e da Conservação, catálogo de exposição, 2007. HALLETT, Jessica, "From Floor to Wall: An oriental carpet in a Portuguese mural painting of The Annunciation", in Out of the Stream: Studies in Medieval and Renaissance Mural Painting, Luís Urbano Afonso e Vítor Serrão (coords.), Newcastle, Cambridge Scholars Publishing, 2007, pp. 141-165. HOUSEGO, Jenny, "Literary references to carpets in North Africa", Oriental Carpet and Textile Studies, vol. 2, 1986, pp. 103-8. VITERBO, F. M. Sousa, Artes Industriais Portuguesas - A Tapeçaria, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1902.