Data de publicação
2009
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Provavelmente descoberta a 6 de Dezembro de 1461, São Nicolau viveu os primeiros 35 anos da sua história sob o mando da Casa de Viseu / Beja, a qual se tornou sua donatária por concessão régia. Com a subida ao trono do duque D. Manuel, a ilha regressou à Coroa, voltando a ser alienada numa Casa senhorial - os condes de Portalegre, depois marqueses de Gouveia - em 1498; estes mantiveram a sua posse até 1696. Durante este período, São Nicolau foi praticamente abandonada à sua sorte, não se criando quaisquer estruturas de poder, sendo a única autoridade residente um feitor. A ilha teve, assim, o destino de todas as outras de Cabo Verde, à excepção de Santiago e Fogo: vítima de um modelo de donatário absentista, não conheceu nem grande incremento económico, nem fluxos de povoamento assinaláveis, tornando-se a criação de gado a sua principal actividade económica. Este era lançado à solta na ilha e sujeito a abates periódicos pela reduzida população que a habitava; o seu senhor, interessado em explorar apenas as suas riquezas naturais, não providenciava directamente a sua recolecção, delegando noutros esta tarefa. Por outro lado, só no final deste período é que a ilha passou a ter assistência permanente de um pároco.

A situação não se alterou com a passagem da ilha para a administração do Conselho da Fazenda. Este, também pouco interessado na sua gestão directa, promoveu o seu arrendamento a privados, que a exploraram da mesma forma que os antigos donatários. Foi só a partir da segunda década do século XVIII que a Coroa passou a dedicar maior atenção a São Nicolau, através da nomeação de um capitão e da criação do município na Ribeira Brava, reformas empreendidas pelo ouvidor-geral José da Costa Ribeiro. Este determinou também, pela primeira vez na ilha, a distribuição de terras em sesmaria, dando início ao seu desenvolvimento agrícola. Saliente-se também a redescoberta da urzela, cuja exploração conheceu nesta época um notável incremento, transformando-se numa das mais sólidas fontes de rendimento de São Nicolau.

Esta estrutura complexificou-se bastante com as reformas do sindicante Custódio Correia de Matos, sobretudo pela promulgação de um circunstanciado Regimento para esta ilha. Este, além de multiplicar os oficiais da Fazenda Real, definia claramente as suas atribuições, sendo muito exaustivo na fixação dos direitos devidos à Coroa. O documento retratata uma situação em que a criação de gado bravo ia perdendo peso em favor da agricultura, expandindo-se sobretudo a cultura do algodão, que se tornou um significativo produto de exportação. Foi também a partir desta altura que o bispo de Cabo Verde D. Frei Pedro Jacinto Valente passou a residir nas ilhas do Barlavento, exemplo seguido pelos seus sucessores, como D. Frei Cristóvão de São Boaventura, que habitou durante todo o seu governo em São Nicolau, trazendo inegáveis benefícios, não só ao nível da assistência religiosa, como no domínio civil.

A segunda metade do século XVIII ficou marcada pela administração do arquipélago pela Companhia Geral de Grão-Pará e Maranhão que, embora tenha propiciado um aumento dos seus rendimentos, essencialmente pela exploração da urzela, foi também objecto de diversas críticas, sendo acusada de não se preocupar com as necessidades das ilhas, mas apenas com os seus lucros. O final deste período ficou assinalado pela ocorrência da maior crise de mortalidade registada na ilha até então, causada por maus anos agrícolas e pela deflagração de diversas doenças, situação que obrigou à organização de uma grande operação de socorro alimentar desde o Reino.

Pode pois intuir-se, sobretudo para os primeiros séculos de povoamento, que a história de São Nicolau fez-se sempre num grande isolamento. Pertenceu àquele grupo de espaços ultramarinos que a Coroa se preocupava em possuir, mas não desejava explorar directamente, cumprindo esse objectivo através da sua concessão a privados. Vivendo à margem das autoridades do arquipélago e dos seus principais factos, São Nicolau desenvolveu a sua especificidade, criando uma sociedade diferente das demais ilhas, assente no predomínio do elemento crioulo, forjando assim uma identidade cultural própria.

Bibliografia:
GUERRA, Luiz de Bivar, "A sindicância do desembargador Custódio Correia de Matos às Ilhas de Cabo Verde em 1753 e o regimento que deixou na ilha de São Nicolau", in Studia, nº2, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Julho 1958, pp. 165-293. FILHO, João Lopes, Ilha de S. Nicolau. Cabo Verde. Formação da Sociedade e Mudança Cultural, s.l., Secretaria Geral do Ministério da Educação, 1996. TEIXEIRA, André, A Ilha de São Nicolau de Cabo Verde nos séculos XV a XVIII, Lisboa, Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa, 2004.