Data de publicação
2009
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Feira, depois vila, situada na antiga capitania de Moçambique. Funcionou primeiro na ilha de Meroa (Meroé, Chitacatira), no rio Zambeze, a sul da confluência com o rio Aruângua (Luangwa). Antes de 1723, os mercadores mudaram-se para a margem oriental do Aruângua, onde se localiza a actual vila do Zumbo (15º 36' S, 30º 26' E), na província de Tete, em Moçambique. Por fim, em 1788, a feira foi transferida para a península de Mucariva (Mukariva), na junção da margem ocidental do Aruângua com banco norte do Zambeze, a localidade depois conhecida por Feira e, após a independência da Zâmbia, por Luangwa (15º 37' S, 30º 23' E).
As origens da feira portuguesa remontam à viragem para o século XVIII. Na sequência da expansão do império rozvi de Butua para nordeste do planalto karanga, em 1693, o changamira Dombo expulsou os mercadores portugueses das feiras do ouro do Monomotapa. Alguns deles instituíram novos estabelecimentos nas imediações do Zambeze. A fundação do Zumbo, para captar o ouro explorado no planalto, foi atribuída quer a Francisco Rodrigues, quer a Custódio Pereira, ambos de origem goesa e capitães da feira, eleitos pelos mercadores. O último participou na negociação da paz com os changamira, nos anos de 1710, e a sua notoriedade traduziu-se no epíteto de Pereiras atribuído pelos africanos aos capitães seus sucessores. A história do Zumbo ficou, ainda, associada ao dominicano frei Pedro da Trindade, que, durante uma fome naquela década, alimentou os africanos que trabalharam na construção de uma igreja. O religioso adquiriu um enorme prestígio na região e também ele se tornou capitão até à sua morte, cerca de 1751.
Embora localizada em território da chefatura senga, a feira revelou uma notória dependência de Butua, o principal poder a sul do Zambeze. Os changamira opuseram-se firmemente à reabertura das antigas feiras e à presença de mercadores portugueses no planalto. Porém, empenharam-se no funcionamento do Zumbo, que lhes fornecia bens de prestígio, como tecidos e missangas, e cujo capitão-mor lhes entregava um tributo trienal. Do Zumbo, saíam as caravanas dos agentes africanos (vashambadzi) dos mercadores para percorrer diversas rotas comerciais. Dirigiam-se ao sul do Zambeze para negociar na Mukaranga, Muzezuru, Dande e Butua, este o principal mercado abastecedor do ouro. A norte do rio, procuravam as regiões de marfim dos territórios de Senga, Orenge (Lenge) e Mamba. Às actividades comerciais, os mercadores aliaram a exploração de minas de ouro situadas a norte do Zambeze, como Mixonga, Malima, Runguè, Pemba e Chicalango. A feira era abastecida a partir de Tete, com mercadorias transportadas por terra até à Chicova, onde eram transferidas para as canoas que subiam o Zambeze.
Constituindo o estabelecimento português situado mais no interior de África, o Zumbo tornou-se a principal feira setecentista e um centro urbano importante. O seu território foi adquirido, como outros, em troca do auxílio militar prestado a diversas chefaturas. Incluía a ilha de Meroa, o estabelecimento inaugural, a terra Mazansua, no sopé da serra do mesmo nome, para onde mudou a feira, e a terra Mukaranga, na margem sul do Zambeze, no Dande. A sua prosperidade atraiu um elevado número de moradores, sobretudo goeses, que para aí se deslocaram com as suas famílias e escravos. Em meados do século, residiam na feira 80 moradores, num total de 478 cristãos. Algumas casas, construídas provavelmente já na segunda metade do século, eram de pedra e rodeadas por extensos quintais, envoltos por cercas. Eram os dominicanos a paroquiar a igreja de Nª Sª dos Remédios e exerceram sempre uma grande influência sobre o destino da povoação. Inicialmente gerida pelos mercadores, a feira foi integrada na administração portuguesa
no governo do capitão-general António Cardim Fróis (1726-1731) e os seus capitães-mores passaram a ser nomeados pelos governadores de Moçambique. Em 21 de Junho de 1764, foi instituído o senado da câmara e a povoação ganhou o estatuto de vila, conforme o decreto régio de 1761.
Mas, nessa altura, a feira já enfrentava dificuldades. As lutas pela sucessão no Monomotapa, confinado às terras do norte do planalto após a expansão dos changamira, afectaram o funcionamento do Zumbo. Num contexto de maior fragmentação do poder e de emergência de novas chefias, diversos pretendentes ao trono estabeleceram-se nas suas imediações, visando reforçar o poder pelo controlo do comércio. Quer a feira, quer as rotas comerciais a ela associadas eram frequentemente bloqueadas e assaltadas e os mercadores mortos. Além das taxas fixas negociadas com vários chefes, os mercadores tiveram de satisfazer prestações extraordinárias crescentes. Simultaneamente, a proliferação de agentes comerciais, após a instauração da liberdade de comércio na capitania, em 1757, conduziu a uma degradação do valor dos bens importados e à insolvência do crédito concedido aos negociantes. Finalmente, a nomeação de capitães-mores não residentes, que transgrediam as normas vigentes, agravou a conflituosidade com os poderes africanos. Em situações de maior insegurança, os moradores retiravam-se provisoriamente para a ilha do Zambeze ou atravessavam o Aruângua. A feira tornou-se mais dependente do auxílio prestado pelo changamira, cujos exércitos eram chamados a socorrê-la. Nesta altura, o comércio do ouro com o sul do Zambeze declinara irremediavelmente e as caravanas orientavam-se para norte, em busca de marfim.
Por último, em 1788, a povoação foi transferida para a península de Mucariva, na região do povo lenge, um território cedido, em 1768, pelo chefe de Mburuma, então Chicumby. A área foi demarcada pelo seu sucessor e os escravos dos moradores faziam aí algumas culturas. Mas, quando os moradores se transferiram para o território enfrentaram a hostilidade intermitente dos chefes de Mburuma.
A vila passou a designar-se Mucariva do Zumbo ou Mucariva e Zumbo, título também ostentado pelo seu capitão-mor. Na viragem para o século XIX, a povoação tinha apenas cinco moradores, sendo os restantes habitantes 80 mestiços livres, 150 escravos e 300 escravas, dos quais muitos residiam nas chefaturas limítrofes. O território da vila albergava sete casas dos principais moradores, uma de pedra e as mais de madeira, e as casas de pau e palha de habitantes livres e escravos, além da igreja de pedra erigida em 1796. A vila foi dotada, pela primeira vez, de um destacamento de 30 soldados e, em 1802, o capitão-mor José Pedro Dinis cercou-a de muralhas de pedra, com os seus baluartes. A fortificação da feira não obstou à sua destruição pelo chefe Mburuma, logo em 1804, a que se seguiu a fuga do capitão. Com uma administração intermitente nos anos seguintes, a feira foi formalmente abandonada em 1836 e entregue à guarda de Mburuma. Mas, permaneceram aí alguns mercadores ocupados com o comércio de marfim e de escravos. Finalmente, em 1861, o capitão-mor Albino Pacheco foi nomeado para retomar oficialmente o território. Nesta altura, dos primitivos estabelecimentos pouco restava. Pela mesma época, o explorador David Livingstone encontrou as ruínas de 8 ou 10 casas de pedra, onde se ergueria a actual vila do Zumbo, e a igreja e as muralhas construídas em Mucariva, cujos vestígios foram estudados, em 1960, por Desmond Clark.
Bibliografia:
CLARK, J. D., "The Portuguese Settlement at Feira", in Northern Rhodesia Journal, nº 6, 1965, p. 275-292; LIVINGSTONE, David, Missionary Travels and Researches in South Africa, New York, Harper & Brothers Publishers, 1868. MUDENGE, S. I. G., "The Rozvi and the Feira of Zumbo", PHD Dissertation, University of London, 1972. MUDENGE, S. I. G., "The role of foreign trade in the rozvi empire: a reappraisal", in Journal of African History, XV, nº 3, 1974, p. 373-391. PACHECO, Albino, "Uma viagem de Tete ao Zumbo" (1864), in Boletim Oficial de Moçambique, nº 17 a 38, 1883.
As origens da feira portuguesa remontam à viragem para o século XVIII. Na sequência da expansão do império rozvi de Butua para nordeste do planalto karanga, em 1693, o changamira Dombo expulsou os mercadores portugueses das feiras do ouro do Monomotapa. Alguns deles instituíram novos estabelecimentos nas imediações do Zambeze. A fundação do Zumbo, para captar o ouro explorado no planalto, foi atribuída quer a Francisco Rodrigues, quer a Custódio Pereira, ambos de origem goesa e capitães da feira, eleitos pelos mercadores. O último participou na negociação da paz com os changamira, nos anos de 1710, e a sua notoriedade traduziu-se no epíteto de Pereiras atribuído pelos africanos aos capitães seus sucessores. A história do Zumbo ficou, ainda, associada ao dominicano frei Pedro da Trindade, que, durante uma fome naquela década, alimentou os africanos que trabalharam na construção de uma igreja. O religioso adquiriu um enorme prestígio na região e também ele se tornou capitão até à sua morte, cerca de 1751.
Embora localizada em território da chefatura senga, a feira revelou uma notória dependência de Butua, o principal poder a sul do Zambeze. Os changamira opuseram-se firmemente à reabertura das antigas feiras e à presença de mercadores portugueses no planalto. Porém, empenharam-se no funcionamento do Zumbo, que lhes fornecia bens de prestígio, como tecidos e missangas, e cujo capitão-mor lhes entregava um tributo trienal. Do Zumbo, saíam as caravanas dos agentes africanos (vashambadzi) dos mercadores para percorrer diversas rotas comerciais. Dirigiam-se ao sul do Zambeze para negociar na Mukaranga, Muzezuru, Dande e Butua, este o principal mercado abastecedor do ouro. A norte do rio, procuravam as regiões de marfim dos territórios de Senga, Orenge (Lenge) e Mamba. Às actividades comerciais, os mercadores aliaram a exploração de minas de ouro situadas a norte do Zambeze, como Mixonga, Malima, Runguè, Pemba e Chicalango. A feira era abastecida a partir de Tete, com mercadorias transportadas por terra até à Chicova, onde eram transferidas para as canoas que subiam o Zambeze.
Constituindo o estabelecimento português situado mais no interior de África, o Zumbo tornou-se a principal feira setecentista e um centro urbano importante. O seu território foi adquirido, como outros, em troca do auxílio militar prestado a diversas chefaturas. Incluía a ilha de Meroa, o estabelecimento inaugural, a terra Mazansua, no sopé da serra do mesmo nome, para onde mudou a feira, e a terra Mukaranga, na margem sul do Zambeze, no Dande. A sua prosperidade atraiu um elevado número de moradores, sobretudo goeses, que para aí se deslocaram com as suas famílias e escravos. Em meados do século, residiam na feira 80 moradores, num total de 478 cristãos. Algumas casas, construídas provavelmente já na segunda metade do século, eram de pedra e rodeadas por extensos quintais, envoltos por cercas. Eram os dominicanos a paroquiar a igreja de Nª Sª dos Remédios e exerceram sempre uma grande influência sobre o destino da povoação. Inicialmente gerida pelos mercadores, a feira foi integrada na administração portuguesa
no governo do capitão-general António Cardim Fróis (1726-1731) e os seus capitães-mores passaram a ser nomeados pelos governadores de Moçambique. Em 21 de Junho de 1764, foi instituído o senado da câmara e a povoação ganhou o estatuto de vila, conforme o decreto régio de 1761.
Mas, nessa altura, a feira já enfrentava dificuldades. As lutas pela sucessão no Monomotapa, confinado às terras do norte do planalto após a expansão dos changamira, afectaram o funcionamento do Zumbo. Num contexto de maior fragmentação do poder e de emergência de novas chefias, diversos pretendentes ao trono estabeleceram-se nas suas imediações, visando reforçar o poder pelo controlo do comércio. Quer a feira, quer as rotas comerciais a ela associadas eram frequentemente bloqueadas e assaltadas e os mercadores mortos. Além das taxas fixas negociadas com vários chefes, os mercadores tiveram de satisfazer prestações extraordinárias crescentes. Simultaneamente, a proliferação de agentes comerciais, após a instauração da liberdade de comércio na capitania, em 1757, conduziu a uma degradação do valor dos bens importados e à insolvência do crédito concedido aos negociantes. Finalmente, a nomeação de capitães-mores não residentes, que transgrediam as normas vigentes, agravou a conflituosidade com os poderes africanos. Em situações de maior insegurança, os moradores retiravam-se provisoriamente para a ilha do Zambeze ou atravessavam o Aruângua. A feira tornou-se mais dependente do auxílio prestado pelo changamira, cujos exércitos eram chamados a socorrê-la. Nesta altura, o comércio do ouro com o sul do Zambeze declinara irremediavelmente e as caravanas orientavam-se para norte, em busca de marfim.
Por último, em 1788, a povoação foi transferida para a península de Mucariva, na região do povo lenge, um território cedido, em 1768, pelo chefe de Mburuma, então Chicumby. A área foi demarcada pelo seu sucessor e os escravos dos moradores faziam aí algumas culturas. Mas, quando os moradores se transferiram para o território enfrentaram a hostilidade intermitente dos chefes de Mburuma.
A vila passou a designar-se Mucariva do Zumbo ou Mucariva e Zumbo, título também ostentado pelo seu capitão-mor. Na viragem para o século XIX, a povoação tinha apenas cinco moradores, sendo os restantes habitantes 80 mestiços livres, 150 escravos e 300 escravas, dos quais muitos residiam nas chefaturas limítrofes. O território da vila albergava sete casas dos principais moradores, uma de pedra e as mais de madeira, e as casas de pau e palha de habitantes livres e escravos, além da igreja de pedra erigida em 1796. A vila foi dotada, pela primeira vez, de um destacamento de 30 soldados e, em 1802, o capitão-mor José Pedro Dinis cercou-a de muralhas de pedra, com os seus baluartes. A fortificação da feira não obstou à sua destruição pelo chefe Mburuma, logo em 1804, a que se seguiu a fuga do capitão. Com uma administração intermitente nos anos seguintes, a feira foi formalmente abandonada em 1836 e entregue à guarda de Mburuma. Mas, permaneceram aí alguns mercadores ocupados com o comércio de marfim e de escravos. Finalmente, em 1861, o capitão-mor Albino Pacheco foi nomeado para retomar oficialmente o território. Nesta altura, dos primitivos estabelecimentos pouco restava. Pela mesma época, o explorador David Livingstone encontrou as ruínas de 8 ou 10 casas de pedra, onde se ergueria a actual vila do Zumbo, e a igreja e as muralhas construídas em Mucariva, cujos vestígios foram estudados, em 1960, por Desmond Clark.
Bibliografia:
CLARK, J. D., "The Portuguese Settlement at Feira", in Northern Rhodesia Journal, nº 6, 1965, p. 275-292; LIVINGSTONE, David, Missionary Travels and Researches in South Africa, New York, Harper & Brothers Publishers, 1868. MUDENGE, S. I. G., "The Rozvi and the Feira of Zumbo", PHD Dissertation, University of London, 1972. MUDENGE, S. I. G., "The role of foreign trade in the rozvi empire: a reappraisal", in Journal of African History, XV, nº 3, 1974, p. 373-391. PACHECO, Albino, "Uma viagem de Tete ao Zumbo" (1864), in Boletim Oficial de Moçambique, nº 17 a 38, 1883.