Data de publicação
2009
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Cidade e porto do litoral indiano do Decão, situada na costa norte da baía formada pelo estuário do rio Kundalika, a cerca de 40 Km a sul de Bombaim (18º 33' N e 72º 55 E). Outrora porto de grande movimento, devido, principalmente, ao comércio regional com outros portos do litoral indiano e ao tráfico com o Extremo Oriente, viu diminuir, ao longo dos séculos, o número de embarcações no seu ancoradouro, em virtude do progressivo assoreamento da foz do rio e dos muitos baixios aí existentes. A sua história está, felizmente, razoavelmente bem atestada. Designada entre os Hindus por Champavati (sânscrito), assumiu em prácrito, a forma Chemuli, que o autor do Périplo do Mar Eritreu (século I) e Ptolomeu na Geografia converteriam em Symola e Chymola. A forma prácrita deu, entretanto, lugar aos nomes modernos de Chewal ou Tsewal, que o italiano Varthema transformou em Çevul e os cronistas portugueses em Chaul ou Cheul. Acham-se também em escritores árabes e persas, descrições ou referências a Chaul. Ao tempo em que os Portugueses chegaram à Índia, em consequência da desagregação do sultanato bahamânida, esta cidade pertencia ao Nizamaluco (Nizam ul-Mulk), sultão de Ahmadnagar, com o qual mantiveram relações amistosas. Em Janeiro de 1508, dá-se no porto de Chaul, um dos acontecimentos mais importantes da sua história, relato por todos cronistas, o qual está relacionado com as primeiras operações dos Portugueses nas costas do Malabar: a batalha naval que opôs a esquadra de D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei D. Francisco de Almeida, à esquadra turca comandada por mir Hussein e reforçada com a ajuda do capitão de Diu, Malik Aiyaz, cujo desfecho final se saldou pela fuga dos portugueses do porto de Chaul, com perda de muita gente, incluído o próprio capitão D. Lourenço de Almeida. D. Francisco de Almeida, nas vésperas da batalha naval de Diu em que vingaria a morte do filho, escalou Chaul e exigiu do Nizamaluco o pagamento de páreas a el-rei de Portugal; o Nizamaluco aceitou, crente em que assim asseguraria o apoio português contra o seu vizinho e rival, o Hidalcão, senhor de Bijapur, a protecção contra a pirataria baseada em Dabul e a passagem do rendoso comércio dos cavalos pelo seu porto. Houve feitores portugueses residentes em Chaul, pelo menos desde 1515.

Em 1521, após se ter constatado a inviabilidade da construção de uma fortaleza em Diu, o governador Diogo Lopes de Sequeira decidiu, com o beneplácito do Nizamaluco, edificá-la em Chaul. Deste modo garantia-se o abastecimento de algodão em rama e a fabricação de tecidos de algodão, nomeadamente a chamada «roupa preta de Chaul», muito utilizados nas trocas comerciais de ouro e marfim da costa oriental africana; assegurava, sobretudo, uma base estratégica para as frotas portuguesas, quase à entrada do Golfo de Cambaia, e uma presença militar poucas léguas ao sul do reino do Guzerate. O contrato celebrado com o Nizamaluco em 1521 foi renovado e ampliado, em 1539, 1542 e 1548. Mais tarde, porém, o Nizamaluco decidiu entrar na grande coligação muçulmana contra o reino hindu de Bisnaga ou Narsinga, aliado dos Portugueses, e juntou as suas forças às do Hidalcão, sultão de Bijapur, e às do Cota Maluco, sultão de Golconda. Vencido e morto Ramaraja, último soberano de Bisnaga digno de tal título (cerco de Talicota, 1565), os confederados viraram-se contra os Portugueses: o Hidalcão atacou Goa e o Nizamaluco Chaul (1569), ao mesmo tempo que o samorim atacava a fortaleza portuguesa de Chalé e o Achém punha cerco a Malaca. Mas Chaul aguentou o cerco, sob o comando de D. Francisco de Mascarenhas, Luis Freire de Andrade e D. Jorge de Meneses Baroche, de modo que o Nizamaluco pediu a paz e aceitou de novo a suserania do rei de Portugal, a que voltou a pagar páreas, e na prevenção de qualquer eventualidade Chaul foi inteiramente fortificada.

A cidade portuguesa, chamada «Chaul de Baixo», situava-se exactamente na foz do rio, defronte do Morro de Chaul, na margem fronteira, onde os Portugueses ergueram também um forte, para assegurar a defesa da barra, a população moura e gentia continuou a residir em Chaul de Cima, a montante da povoação portuguesa, sob a jurisdição do Nizamaluco, que afectava ao pagamento das páreas que dava ao Estado da Índia as taxas que aí cobrava. Na cidade e arrabaldes chegaram a residir cerca de 2000 portugueses, que, não dispondo de rendas fundiárias como dispunham os de Damão e Baçaim, viviam, sobretudo, do comércio, mantendo relações com os portos circunvizinhos, com o golfo Pérsico (Baçorá, Mascate, etc.), Moçambique, Manila e China. Além dos edifícios necessários à administração, justiça e defesa do porto, Chaul possuía ainda um hospital e uma Casa da Misericórdia, bem como de algumas igrejas e cinco conventos pertencentes aos Franciscanos, Dominicanos, Agostinhos, Jesuítas e Capuchos, de que restam hoje ruínas imponentes. Também os seus habitantes mais importantes e influentes possuíam altivos domicílios. O padre Gonçalo da Silveira, que visitou a cidade em 1557, assinalou em carta dirigida ao padre Gonçalo Vaz, que era «a gente daquella cidade gente muy honrada e riqua», espantando-se de «ver a multidão de homens e mulheres portuguesa», com tal fervor religioso que fazia deles «mais e melhores devotos que os de Lisboa».

Tomé Pires e Duarte Barbosa salientam o papel do porto como intermediário na circulação de produtos, numa vasta rede de comércio costeiro assente em muitas centenas de zambucos, que, no chamado «tempo de navegação», entre os meses de Dezembro e Março, aí afluíam. Nessa altura aportavam em Chaul grande soma de navios vindos, principalmente, da «terra do Malabar e de outras muitas partes», nomeadamente de Meca, cambaia e Pérsia, carregadas de «especiaria, areia, cocos, muita drogaria, açúcar de palma, cera, esmeril», levando em retorno algodão, panos, «muito trigo, grãos, arroz, milho e gergelim». Em 1581, o rendimento anual da fortaleza era de 30629 pardaus e tanga, dos quais 7000 pardaus provinham de páreas, tributo pago por Nizamaluco em reconhecimento de vassalagem, enquanto o seu gasto não ultrapassava os 12518,5 pardaus e 360 réis. Mais tarde, em 1634, o saldo era ainda positivo, com 10 contos e 924883 réis, dos quais, no entanto, já não constava o pagamento de páreas que deviam orçar em 2 contos e 520 réis, «per que anda aquele reino [de Nizamaluco] levantado». Sabemos por Charles Dellon que em 1687 Chaul se mantinha forte e resistente ás investidas indianas e holandesas que procuravam assegurar o monopólio do comércio das especiarias.Em 1740, nas sequelas da grande invasão marata á província do Norte, que acarretou a perda de Baçaim (1739), Portugal cedeu Chaul para obter a retirada do Bounçuló, aliado dos Maratas, do território de Goa que invadira. A população cristã que permaneceu em Chaul foi transferida para a aldeia de Corlaim, no sopé da Fortaleza do Morro, na margem oposta do rio. Assim, na década de 1770, os missionários franciscanos constatam que o lugar era ainda bastante concorrido «de indivíduos de de naçoens diversas, e de ambos os sexos a celebrarem o Sacramento do Matrimónio». Assinalam, então, a existência de cerca de 1300 residentes em Chaul. Aí permanece ainda hoje uma população católica de cerca de 800 almas, que se exprime em português crioulo.

Bibliografia:
Fontes: Livro de Duarte Barbosa; Livro de Toda a Receita …, de Pêro Barreto de Resende. Livro das Cidade e Fortalezas (edição de Mendes da Luz). Regimentos das Fortalezas da Índia (edição de P. Pissurlencar). DELLON, Charles, Inquisition de Goa (edição de Charles Amiel e Anne Lima). Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente (coligida e anotada por António da Silva Rego). Annual Reports of the Portuguese Franciscans in India 1713-1833 (coligidos e anotados por Fr. Achilles Meersman OFM). O Tombo de Chaul 1591-1592 (prefaciado e anotado por Artur Teodoro de Matos).
Estudos: CUNHA, Joseph Gerson da, Notes on the History and Antiquities of Chaul and Bassein, Bombaim, 1876. MATOS, Artur Teodoro de, Estado da Índia nos anos de 1581-1588 - Estrutura Administrativa e Economia: Alguns Elementos para o Seu Estudo, Ponta Delgada, 1982.