Data de publicação
2013
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A família dos Fugger de Augsburgo ganhou uma importância ímpar no mundo económico do século XVI, designado inclusive na historiografia como “a era dos Fugger” (Richard Ehrenberg). Os Fugger, no entanto, não pertenciam ao antigo patriciado de Augsburgo. Apenas na primeira metade do século XVI o ramo familiar dos “Fugger von der Lilie” atingiu o mais alto nível na hierarquia social da cidade devido à ascensão fulgurante da empresa durante a regência de Jacob Fugger e, ainda, ao casamento deste com Sybille Artzt, filha de um respeitado patrício de Augsburgo. “Jacob o Rico” (1459-1525), como alcunhado pelos seus contemporâneos, não se tornou apenas no maior “capitalista” da época, mas também num dos homens mais influentes na política europeia no primeiro quartel quinhentista. Maximiliano I elevou o prestigiado mercador à classe da nobreza e conferiu-lhe o título nobiliárquico de conde, o que era, de facto, um processo sem precedentes. O dinheiro de Jacob Fugger decidiu, em 1519, a eleição do imperador a favor de Carlos V contra as pretensões do rei da França.
Os Fugger sabiam combinar, como nenhuma outra casa comercial de relevo internacional, comércio, alta finança e actividades industriais que prepararam a carreira incomparável da companhia na viragem do século XV para o século XVI. Quanto aos negócios mineiros, os Fugger ganharam uma posição preponderante na exploração das minas de prata e de cobre, sobretudo do Tirol e da Hungria, dominando, a partir daí, o mercado europeu dos metais preciosos. Este desenvolvimento colocou os Fugger na mira da coroa portuguesa que necessitava destes metais para efectuar as trocas comerciais no além-mar. No dia 6 de Outubro de 1503, D. Manuel I outorgou à companhia dos Fugger privilégios que facilitaram a fixação da companhia em terras portuguesas e que correspondiam aos vantajosos direitos e liberdades que havia concedido oito meses antes aos Welser. Em 1504, chegou uma frota portuguesa a Antuérpia carregada de especiarias. A maior parte da mercadoria foi comprada pelos Fugger e Höchstetter de Augsburgo. No ano seguinte, os Fugger integraram o consórcio italo-germânico que co-financiava a armada da Índia de D. Francisco de Almeida. A soma – comparativamente modesta – de 4.000 cruzados, que Jacob Fugger investiu naquela expedição, mostra bem a sua habitual cautela relativamente a negócios que implicavam um elevado grau de risco. Apesar do desfecho muito lucrativo desta empresa ultramarina, a casa dos Fugger nunca mais participou directamente na armação das frotas comerciais portuguesas. Em vez disso, a companhia continuou a comprar especiarias em Lisboa e a vender os seus metais. Jacob Fugger reagiu eficazmente face à procura crescente de cobre e latão por parte dos portugueses. Deixou aumentar, a partir de 1506, a produção de latão e enviou cada vez mais cobre para Antuérpia. Entre 1507 e 1509, cerca de metade do cobre proveniente de Neusohl, ou seja, das “minas húngaras” dos Fugger, foi vendido em Brabante com tendência crescente, atingindo um valor superior a 62% entre 1513 e 1515. Antuérpia tornou-se o ponto crucial para os negócios desta célebre casa de Augsburgo com Portugal. Em 1508, já haviam alargado a sua feitoria na cidade do Escalda.
O primeiro feitor dos Fugger em Lisboa deve ter sido Marx Zimmermann (Marcos de Cimarmão). Este encontrou-se, várias vezes, na primeira década do século XVI em negociações com D. Manuel I, comprando, entre 1509 e 1511, na Casa da Índia, especiarias no valor de 9.750.000 reais. No entanto, Jacob Fugger não ficou satisfeito com algumas atitudes de Zimmermann, pelo que este foi substituído, em 1511, por Hans von Schüren (João de Xurem). Schüren chefiou a feitoria, inicialmente apoiado por Jörg Herwart (Jorge Herbart), pelo menos até ao ano de 1519. Entre 1512 e 1516, os Fugger pertenceram aos contratadores que compraram, anualmente, 20.000 quintais de pimenta por um preço fixo de 22 cruzados o quintal. Tomé Lopes, funcionário da coroa portuguesa, mencionou na correspondência trocada com D. Manuel I ainda um “sobrepartido” referente à pimenta que os Fugger estavam a negociar na Casa da Índia. Em Agosto de 1513, chegaram à feitoria da companhia em Antuérpia aproximadamente 74 quintais de pimenta remetidos por Hans von Schüren.
Os tempos de serviço prolongados de Zimmermann e Schüren apontam para uma estratégia de Jacob Fugger, que consistia em apostar na continuidade dos seus feitores no extremo Sudoeste do continente. É também de realçar que a feitoria de Lisboa era, pelo menos até 1516, o único estabelecimento comercial permanente que a casa dos Fugger possuía na Península Ibérica.
As relações comerciais entre os Fugger e a coroa portuguesa funcionaram inicialmente com base na troca de especiarias por cobre e outros metais. Este princípio foi posto em causa a partir de meados da segunda década do século XVI, quando Jacob Fugger começou a rejeitar a pimenta como meio preferencial de pagamento dos portugueses. A nova postura do homem forte da famosa empresa de Augsburgo dificultou, já em 1515, as negociações relativas a um novo contrato referente a pimenta e cobre. A partir deste ano, os Fugger preferiram fechar os negócios com a coroa portuguesa em Brabante. Por vezes, os reponsáveis da feitoria portuguesa de Antuérpia deslocaram-se em missões oficiais à sede da companhia em Augsburgo. Contrastando com estas tendências, a capital portuguesa perdeu a posição significativa, que outrora possuía, para os Fugger. Para o período compreendido entre 1520 e 1527, não se encontram notícias que possam documentar o funcionamento da feitoria que a companhia sustentou no Tejo. Ao que parece, esta ficou desocupada durante alguns anos.
Em 1525, Jacob Fugger faleceu, sendo substituído pelo seu sobrinho Anton Fugger, que permaneceu na liderança da empresa até à sua morte em 1560. Nos anos em que não tiveram uma representação permanente em Portugal, os Fugger mantiveram-se em contacto com o mercado em Lisboa através de comerciantes aí residentes ou de enviados especiais. No fim dos anos 20 e nos anos 30 de Quinhentos, serviram-se de Ulrich Ehinger, de Veit Hörl (o feitor da companhia em Sevilha), de Jörg Herwart e de Christoph von Stetten para efectuar negócios com D. João III. Grande parte das relações económicas entre os Fugger e a coroa portuguesa continuava a ter lugar nos Países Baixos. Nos livros da contabilidade da empresa, o rei de Portugal constava habitualmente como um dos principais devedores devido à aquisição de cobre e a créditos tomados em Antuérpia. No segundo terço do século XVI, em data incerta, os Fugger estabeleceram-se novamente em Lisboa, apostando agora no comércio com pedras preciosas e jóias. Nos anos 40, juntaram-se a estes negócios especulações de pimenta e abundantes vendas de metais. Em meados de Quinhentos, a firma de Augsburgo foi representada em Portugal por Jobst Veit, Bonaventura Schweiker, Johann Schweikert, Hans Bechler, Johann von Schüren e Thomas Miller. Com o envio de Miller para Sevilha em 1558, os Fugger dissolveram, uma vez mais, a sua filial lisboeta. É de supor que tivessem permanecido, a partir daí, tal como já o haviam feito nos anos 20, em contacto com a capital portuguesa por intermédio de mercadores independentes ou de outras companhias. No último quartel do século XVI, mantiveram dois agentes comerciais na Índia, Gabriel Holzschuher e Ferdinand Cron. Encontra-se documentado, por volta de 1600, o último representante dos Fugger em Portugal. Tratava-se de Philipp Manlich que aí trabalhou também para os Welser e para o mercador alemão Jacob Fischer (Jacôme Fixer).
Bibliografia:
ALMEIDA, A. A. Marques de, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, 1993; KELLENBENZ, Hermann, Die Fugger in Spanien und Portugal bis 1560: ein Großunternehmen des 16. Jahrhunderts, 3 vols., München, 1990 (desta obra existe também uma tradução castelhana que surgiu em 2000 com o título: Los Fugger en España y Portugal hasta 1560); MATHEW, K. S., Indo-Portuguese Trade and the Fuggers of Germany (Sixteenth Century), New Delhi, 1997; POHLE, Jürgen, Os mercadores-banqueiros alemães e a Expansão Portuguesa no reinado de D. Manuel I (no prelo).
Author: Jürgen Pohle
Os Fugger sabiam combinar, como nenhuma outra casa comercial de relevo internacional, comércio, alta finança e actividades industriais que prepararam a carreira incomparável da companhia na viragem do século XV para o século XVI. Quanto aos negócios mineiros, os Fugger ganharam uma posição preponderante na exploração das minas de prata e de cobre, sobretudo do Tirol e da Hungria, dominando, a partir daí, o mercado europeu dos metais preciosos. Este desenvolvimento colocou os Fugger na mira da coroa portuguesa que necessitava destes metais para efectuar as trocas comerciais no além-mar. No dia 6 de Outubro de 1503, D. Manuel I outorgou à companhia dos Fugger privilégios que facilitaram a fixação da companhia em terras portuguesas e que correspondiam aos vantajosos direitos e liberdades que havia concedido oito meses antes aos Welser. Em 1504, chegou uma frota portuguesa a Antuérpia carregada de especiarias. A maior parte da mercadoria foi comprada pelos Fugger e Höchstetter de Augsburgo. No ano seguinte, os Fugger integraram o consórcio italo-germânico que co-financiava a armada da Índia de D. Francisco de Almeida. A soma – comparativamente modesta – de 4.000 cruzados, que Jacob Fugger investiu naquela expedição, mostra bem a sua habitual cautela relativamente a negócios que implicavam um elevado grau de risco. Apesar do desfecho muito lucrativo desta empresa ultramarina, a casa dos Fugger nunca mais participou directamente na armação das frotas comerciais portuguesas. Em vez disso, a companhia continuou a comprar especiarias em Lisboa e a vender os seus metais. Jacob Fugger reagiu eficazmente face à procura crescente de cobre e latão por parte dos portugueses. Deixou aumentar, a partir de 1506, a produção de latão e enviou cada vez mais cobre para Antuérpia. Entre 1507 e 1509, cerca de metade do cobre proveniente de Neusohl, ou seja, das “minas húngaras” dos Fugger, foi vendido em Brabante com tendência crescente, atingindo um valor superior a 62% entre 1513 e 1515. Antuérpia tornou-se o ponto crucial para os negócios desta célebre casa de Augsburgo com Portugal. Em 1508, já haviam alargado a sua feitoria na cidade do Escalda.
O primeiro feitor dos Fugger em Lisboa deve ter sido Marx Zimmermann (Marcos de Cimarmão). Este encontrou-se, várias vezes, na primeira década do século XVI em negociações com D. Manuel I, comprando, entre 1509 e 1511, na Casa da Índia, especiarias no valor de 9.750.000 reais. No entanto, Jacob Fugger não ficou satisfeito com algumas atitudes de Zimmermann, pelo que este foi substituído, em 1511, por Hans von Schüren (João de Xurem). Schüren chefiou a feitoria, inicialmente apoiado por Jörg Herwart (Jorge Herbart), pelo menos até ao ano de 1519. Entre 1512 e 1516, os Fugger pertenceram aos contratadores que compraram, anualmente, 20.000 quintais de pimenta por um preço fixo de 22 cruzados o quintal. Tomé Lopes, funcionário da coroa portuguesa, mencionou na correspondência trocada com D. Manuel I ainda um “sobrepartido” referente à pimenta que os Fugger estavam a negociar na Casa da Índia. Em Agosto de 1513, chegaram à feitoria da companhia em Antuérpia aproximadamente 74 quintais de pimenta remetidos por Hans von Schüren.
Os tempos de serviço prolongados de Zimmermann e Schüren apontam para uma estratégia de Jacob Fugger, que consistia em apostar na continuidade dos seus feitores no extremo Sudoeste do continente. É também de realçar que a feitoria de Lisboa era, pelo menos até 1516, o único estabelecimento comercial permanente que a casa dos Fugger possuía na Península Ibérica.
As relações comerciais entre os Fugger e a coroa portuguesa funcionaram inicialmente com base na troca de especiarias por cobre e outros metais. Este princípio foi posto em causa a partir de meados da segunda década do século XVI, quando Jacob Fugger começou a rejeitar a pimenta como meio preferencial de pagamento dos portugueses. A nova postura do homem forte da famosa empresa de Augsburgo dificultou, já em 1515, as negociações relativas a um novo contrato referente a pimenta e cobre. A partir deste ano, os Fugger preferiram fechar os negócios com a coroa portuguesa em Brabante. Por vezes, os reponsáveis da feitoria portuguesa de Antuérpia deslocaram-se em missões oficiais à sede da companhia em Augsburgo. Contrastando com estas tendências, a capital portuguesa perdeu a posição significativa, que outrora possuía, para os Fugger. Para o período compreendido entre 1520 e 1527, não se encontram notícias que possam documentar o funcionamento da feitoria que a companhia sustentou no Tejo. Ao que parece, esta ficou desocupada durante alguns anos.
Em 1525, Jacob Fugger faleceu, sendo substituído pelo seu sobrinho Anton Fugger, que permaneceu na liderança da empresa até à sua morte em 1560. Nos anos em que não tiveram uma representação permanente em Portugal, os Fugger mantiveram-se em contacto com o mercado em Lisboa através de comerciantes aí residentes ou de enviados especiais. No fim dos anos 20 e nos anos 30 de Quinhentos, serviram-se de Ulrich Ehinger, de Veit Hörl (o feitor da companhia em Sevilha), de Jörg Herwart e de Christoph von Stetten para efectuar negócios com D. João III. Grande parte das relações económicas entre os Fugger e a coroa portuguesa continuava a ter lugar nos Países Baixos. Nos livros da contabilidade da empresa, o rei de Portugal constava habitualmente como um dos principais devedores devido à aquisição de cobre e a créditos tomados em Antuérpia. No segundo terço do século XVI, em data incerta, os Fugger estabeleceram-se novamente em Lisboa, apostando agora no comércio com pedras preciosas e jóias. Nos anos 40, juntaram-se a estes negócios especulações de pimenta e abundantes vendas de metais. Em meados de Quinhentos, a firma de Augsburgo foi representada em Portugal por Jobst Veit, Bonaventura Schweiker, Johann Schweikert, Hans Bechler, Johann von Schüren e Thomas Miller. Com o envio de Miller para Sevilha em 1558, os Fugger dissolveram, uma vez mais, a sua filial lisboeta. É de supor que tivessem permanecido, a partir daí, tal como já o haviam feito nos anos 20, em contacto com a capital portuguesa por intermédio de mercadores independentes ou de outras companhias. No último quartel do século XVI, mantiveram dois agentes comerciais na Índia, Gabriel Holzschuher e Ferdinand Cron. Encontra-se documentado, por volta de 1600, o último representante dos Fugger em Portugal. Tratava-se de Philipp Manlich que aí trabalhou também para os Welser e para o mercador alemão Jacob Fischer (Jacôme Fixer).
Bibliografia:
ALMEIDA, A. A. Marques de, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549). Aproximação a um Estudo de Geofinança, Lisboa, 1993; KELLENBENZ, Hermann, Die Fugger in Spanien und Portugal bis 1560: ein Großunternehmen des 16. Jahrhunderts, 3 vols., München, 1990 (desta obra existe também uma tradução castelhana que surgiu em 2000 com o título: Los Fugger en España y Portugal hasta 1560); MATHEW, K. S., Indo-Portuguese Trade and the Fuggers of Germany (Sixteenth Century), New Delhi, 1997; POHLE, Jürgen, Os mercadores-banqueiros alemães e a Expansão Portuguesa no reinado de D. Manuel I (no prelo).
Author: Jürgen Pohle