Data de publicação
2010
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Historiador, cronista, gramático, humanista. Pêro Magalhães de Gândavo nasceu em Braga, filho de pai flamengo, provavelmente um mercador, como sugere o sobrenome, Gandâvo, proveniente de Gand, cidade da Flandres com a qual Portugal estreitou relações comerciais. Pouco se conhece sobre a sua vida mas reunindo os dados biográficos referidos por Manuel Faria e Sousa, João Franco Barreto e Diogo Barbosa Machado, Gândavo foi moço de câmara de el-rei D. Sebastião mas não se sabe quando, teve escola pública de Latim na sua província natal, Entre Douro e Minho, onde também casou, e trabalhou como copista na Torre do Tombo atendendo à sua formação literária. Gândavo era versado em humanidades, exerceu as funções de professor de Latim e obviamente de Português, redigia com facilidade e revelou uma sólida formação intelectual no seu tempo, encontrando-se a par das obras dos autores quinhentistas como Sá de Miranda, Diogo Bernardes, António Ferreira, António Pinto, Jorge Ferreira de Vasconcelos, João de Barros, André de Resende, Frei Heitor Pinto, Francisco de Morais e Camões, de quem foi amigo. Em 29 de Agosto de 1576, a título de recompensa pelos serviços prestados no traslado de documentos e livros na Torre do Tombo e também provavelmente por ter escrito a primeira história do Brasil, História da Província do Brasil a que vulgarmente chamamos Brasil (1576), por alvará de D. Sebastião, foi nomeado provedor da fazenda em S. Salvador da Baía, por um período de seis anos. Não se sabe sequer se Gândavo chegou a exercer este cargo pois a partir da concessão desta mercê não constam outras referências documentais a seu respeito embora tudo leve a crer que ainda se encontrava vivo em 1579. Deixou apenas duas obras publicadas na língua portuguesa, no século XVI, sendo uma dela orientada para a vertente histórica e a outra no âmbito das questões linguísticas e gramaticais. Em 1574, foi impressa, na oficina de António Gonçalves, as Regras que ensinam e ortographia da língua Portuguesa, com hum Dialogo que adiante se segue em defensam da mesma língua. Gândavo não estava ligado a universidades ou cargos proeminentes nem aos círculos da cultura palaciana e aristocrática mas esta obra tornou-se o livro de gramática mais lido em Portugal no século XVI, tendo pelo menos conhecido três edições ao longo de Quinhentos, numa época em que a maior parte das obras nem sequer chegavam ao prelo e em que escasso número de pessoas tinha acesso à leitura e sobretudo à escrita. Apresenta duas secções distintas e com objectivos diferenciados, que reflectem controvérsias que se encontravam no centro das atenções dos gramáticos quinhentistas. Na primeira parte, pretendia ser um guia prático, com intentos didácticos, para todos aqueles que não dominavam o Latim, que escreviam e pronunciavam mal o Português abordando o problema da normalização ortográfica, muito ligada a critérios individuais, sobretudo pela divulgação de novos saberes com o desenvolvimento da imprensa e em defesa da língua portuguesa ameaçada pela peso da hegemonia do Castelhano, que irá ser abordada na segunda secção. A questão da língua, em Portugal, também ia ao encontro dos interesses dos gramáticos devido ao bilinguismo e à presença do Castelhano no âmbito de uma cultura erudita e de corte e até mesmo nas camadas sociais urbanas, que radicou numa política de sucessivos enlaces matrimoniais dos reis portugueses com princesas castelhanas. Gândavo, consciente da importância da dignificação do idioma português como instrumento da identidade nacional, face ao avanço do Castelhano, abordou esta questão num diálogo entre um português, Petrónio e um castelhano, Falêncio, numa perspectiva claramente pragmática. Em 1576, foi impressa a segunda obra de Gândavo, ainda em vida do autor, a História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, que foi precedida pela redacção de duas versões anteriores sobre o território brasileiro, que então começava a assumir importância no império português. Gândavo redigiu a primeira versão, provavelmente entre 1568-1569, o Tratado da Província do Brasil, dedicado à rainha D. Catarina. Na dedicatória, o autor revelou que permaneceu alguns anos na Terra de Vera Cruz, onde entrou em contacto com a realidade que descreveu nesta monografia, que, antes de mais, pretendia ser um sumário contendo informações sobre o território brasileiro como até então ninguém tinha feito, que a "experimentou". Esta atitude vem ao encontro do perfil do humanista, que privilegia a experiência e o contacto directo com a realidade e ao primado do que viu e ouviu assim como a divulgação de novos saberes. Gândavo, apesar de reafirmar seu insistente testemunho presencial, complementou com quase toda a certeza, os seus trabalhos com informações de outras origens que, no seu ponto de vista eram consideradas fidedignas. Exaltou as potencialidades deste território no que respeita à abundância e fertilidade, fazendo ainda um apelo à fixação de moradores entre os seus conterrâneos como uma forma de fuga à pobreza existente no Reino, numa terra pródiga em cana-de-açúcar, algodão, pau-brasil entre outras riquezas. Não se deixa de colocar a hipótese de que Gândavo se encontrasse então no Oriente onde deve ter tomado conhecimento destes factos por intermédio dos padres da Companhia de Jesus, nomeadamente através da troca de correspondência entre os seus membros, copiada e divulgada na Europa e no continente asiático. Gândavo deve ter redigido este manuscrito no decurso da sua permanência no Brasil e na Índia ou pelo menos ter tomado as notas essenciais para a consecução do trabalho e chegado ao reino, como acentuou numa segunda versão do manuscrito, congregou todos os meios para a fazer chegar esta obra a D. Sebastião. O Tratado da Província do Brasilchegou a ser sujeito à apreciação da censura inquisitorial e aprovado com vista a uma impressão mas acabou por não ser editado antes de 1965. Pouco tempo depois, por volta de 1569-1570, Gândavo apresentou uma segunda versão desta obra intitulada Tratado da Terra do Brasil, que dedicou ao cardeal D. Henrique e que permaneceu inédita até 1826. Antes de mais, tratam-se, de redacções diferentes da mesma obra pois as duas versões não apresentam divergências de conteúdo notórias entre si e, como acentuou Hélio Viana, não seria possível, em tão pouco espaço de tempo redigir um novo opúsculo. O humanista procedeu a uma revisão do texto do manuscrito anterior e introduziu um novo capítulo, revelando indícios da descoberta de minas de ouro no sertão da Baía. Estas duas obras continham informações que se revestiam de uma importância vital e estratégica sob o ponto de vista geográfico e económico acerca das potencialidades do território brasileiro, que a Coroa não estava interessada, de modo algum, em serem divulgadas sobretudo atendendo às insistentes investidas francesas de ocupação de uma parte da terra de Vera Cruz e que remontavam ao reinado de Francisco I (1515-1547). Gândavo deve residido na capitania da Baía ou de S. Jorge de Ihéus e de S.Vicente que revelou conhecer particularmente bem. Passado algum tempo, Pêro Magalhães de Gândavo reformulou este opúsculo dando origem a um novo estudo mais conseguido e actualizado. Em 1576, saía também dos prelos da casa de António Gonçalves, a História da Província de Santa Cruz, que inaugurou a historiografia brasileira. Esta obra foi dedicada a D. Leonis Pereira, que se distinguiu em feitos militares no Oriente, onde permaneceu entre 1551 e 1574, tendo-se notabilizado na defesa de Malaca, durante um cerco, contra as investidas do rei de Achém. D. Leonis Pereira era filho natural de D. Manuel Pereira, 3º conde de Feira, meio irmão de D. Inês de Castro que, por sua vez, era casada com D. Antão de Noronha. Foi no decurso do mandato do cunhado enquanto vice-rei que D. Leonis Pereira, capitão de Malaca (1567-1570) se distinguiu pela conduta, que esteve na origem da dedicatória e o apreço que lhe dirigiu Gândavo, no começo da obra, que também contempla dois poemas de Luís de Camões, uns tercetos e um soneto que, num estilo eminente laudatório, glorificaram os seus actos heróicos. A obra não é dedicada a nenhum membro da família real como as versões anteriores nem às instâncias régias o que denuncia uma provável e progressiva decepção face às expectativas e projectos do humanista. A História da Província de Santa Cruz é dirigida a uma personalidade que o autor serviu e com quem privou no Oriente tendo sido seu protector e que também estreitou laços de amizade com Camões. Gândavo procedeu a uma revisão deste manuscrito, introduziu algumas alterações e um novo capítulo sobre o modo de vida dos colonos e o descobrimento do Brasil, suprimiu da obra elementos considerados fantásticos ou duvidosos aperfeiçoando algumas passagens omitindo informações incertas ou que considerava conveniente manter em sigilo, tendo esta quarta versão sido dado à estampa na oficina de António Gonçalves. Estas quatro versões não se excluem mas acabam por se complementar e representam quatro fases da elaboração da primeira história do Brasil. Gândavo, humanista e figura do Renascimento que se revelou, em simultâneo um botânico, um zoólogo, etnólogo, geólogo, cronista e atento às questões da língua em que teve um considerável contributo no ponto de vista da integração de novos vocábulos relacionados com a realidade do Novo Mundo, revelou-se um marco fundamental na história da cultura e da expansão portuguesa no século XVI.

Bibliografia:
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