Data de publicação
2011
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Designa-se como padroado o conjunto de privilégios, associados a determinadas obrigações, que a Igreja concedia aos fundadores de igrejas, capelas ou outras instituições eclesiásticas e eventualmente aos seus sucessores. O padroado relativo aos territórios ultramarinos portugueses teve uma história longa e complexa e as suas origens remontam aos inícios da Expansão. Em virtude do padroado, o rei de Portugal, na sua qualidade de governador e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, tornou-se o primeiro responsável pela evangelização dos territórios recém-descobertos e pela organização e manutenção das igrejas locais. Este direito de padroado baseou-se numa série de documentos pontifícios entre os quais três têm particular importância. O primeiro, datado de 8 de Janeiro de 1455, é a bula Romanus Pontifex, do papa Nicolau V, em que se concede ao rei de Portugal o direito de enviar missionários e de fundar igrejas, mosteiros e outros lugares pios, nos novos territórios de além-mar. No ano seguinte, a 13 de Março, o papa Calisto III, com a bula Inter coetera, confirmou as disposições do seu antecessor e concedeu a jurisdição espiritual à Ordem de Cristo de que era grão-mestre o infante D. Henrique; essa jurisdição era exercida através do prior-mor de Tomar. Após a morte do infante D. Henrique, o grão-mestrado da Ordem de Cristo ficou sempre de posse de membros da família real mas apenas a título pessoal até que o papa Júlio III, a 30 de Dezembro de 1551, com a bula Praeclara charissimi incorporou na Coroa portuguesa os mestrados das três ordens militares, suprimindo a jurisdição do prior de Tomar que transferiu para o rei. Ficou assim definido o quadro jurídico em que os reis de Portugal agiam, percebendo-se, deste modo, a constante invocação do título de governador e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, na documentação real referente às missões. O Padroado conferia à Coroa portuguesa privilégios consideráveis, como a iniciativa de erigir dioceses e o direito de apresentação dos candidatos ao episcopado e aos principais cargos eclesiásticos, mas não eram menores as obrigações assumidas, a nível organizativo e financeiro.
Foi neste enquadramento do padroado que se foram criando as várias dioceses dos territórios ultramarinos portugueses, numa longa série que se estendeu ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII: Funchal (1514); Cabo Verde (1533); Angra (1533); Goa (1533); S. Tomé (1533); Baía (1551); Cochim (1558); Malaca (1558); Macau (1576); Funai (1588); Congo (1596); Angamale (1600); S. Tomé de Meliapor (1606); Olinda (1676); Rio de Janeiro (1676); Maranhão (1677); Pequim (1690); Nanquim (1690); Belém do Pará (1719); Mariana (1745); São Paulo (1745). Para a nomeação dos titulares de cada uma destas dioceses, seguia-se um processo complexo que se manteve durante o período da união ibérica. Veja-se, por exemplo, o procedimento para a nomeação de D. Luís Pereira de Miranda como bispo de Santiago de Cabo Verde. Em 23 de Dezembro de 1607, o Conselho de Portugal, em Madrid, debruçou-se sobre as sugestões de nomes que lhe tinham sido apresentadas pelo Conselho da Índia, em Lisboa, e pelo vice-rei de Portugal. A maioria optou por Luís Pereira de Miranda, doutor em Cânones e mestre em Artes pela Universidade de Coimbra, e Filipe III confirmou a escolha, exarando um despacho do seguinte teor: Desse a Luis Pereira de Miranda y ordenese que se parta luego. Em Fevereiro de 1608, o núncio apostólico em Madrid, monsenhor Decio Caraffa, organizou o processo de habilitação canónica de D. Luís Pereira de Miranda, então prior de Pombeiro, na diocese de Coimbra. Por fim, no mês seguinte, o rei escreveu para Roma, apresentando ao papa Paulo V o candidato que foi confirmado no consistório de 10 de Novembro de 1608.
A partir do século XVII, a vastidão geográfica dos territórios do Padroado, associada à limitação dos recursos, foi evidenciando a impossibilidade, por parte de Portugal, de cumprir cabalmente todas as responsabilidades que lhe tinham sido atribuídas. Por outro lado, a Cúria Romana passou a ter um organismo específico para a dinamização da actividade missionária, após a criação da Congregação da Propagação da Fé (de Propaganda Fide) pelo papa Gregório XV, em 1622. Em África, foram diminutos os conflitos entre Portugal e o novo organismo romano e, em relação ao Brasil, pode-se dizer que terão sido inexistentes. No Oriente, no entanto, a situação foi muito diferente. Não se cumpriu a intenção inicial de circunscrever a acção dos missionários enviados pela Propaganda Fide a zonas onde não existissem missões do Padroado português e, como consequência, o envio para o Oriente de vigários apostólicos detentores de jurisdição própria e dependentes directamente de Roma levou a conflitos frequentes com os missionários do Padroado. A presença dos vigários apostólicos, geralmente de nacionalidade francesa, provocou situações de dupla jurisdição, num mesmo território, com as consequentes incompreensões e acusações mútuas e a divisão das populações cristãs. Roma procurava assumir as responsabilidades que lhe competiam e não queria limitar-se a delegá-las na Coroa portuguesa. Ao mesmo tempo, "Portugal, assediado pelos impérios ultramarinos nascentes, desconfiava de qualquer organismo que lhe cerceasse ainda mais as suas áreas de intervenção, até porque a extensão da Igreja era entendida como um meio de alargar influência" (J. P. Oliveira e Costa, p. 293). Na perspectiva portuguesa, se Roma desejava incrementar a acção missionária no Oriente, devia fazê-lo em conjugação com Portugal, em vez de favorecer a intervenção de outras potências europeias na região.
Na realidade, ao longo do século XVII, devido à acção da Propaganda Fide e dos vigários apostólicos e face à incapacidade portuguesa, os territórios submetidos à jurisdição do Padroado português foram sofrendo sucessivas restrições, aumentando, em contrapartida, a influência francesa, principalmente na Indochina e na China. Como assinala João Paulo Oliveira e Costa (p. 299), "o fim do exclusivismo do Padroado Português do Oriente era uma inevitabilidade e uma necessidade da Igreja"; no entanto, ao mesmo tempo, "tornou-se notório que as dificuldades de propagação do cristianismo no Oriente não resultavam duma débil estrutura institucional ou dos métodos dos missionários, mas antes da própria matriz político-religiosa dos asiáticos".
A expulsão dos jesuítas de todos os territórios portugueses, em 1759, e a posterior extinção das ordens religiosas, em 1834, enfraqueceram ainda mais as capacidades missionárias portuguesas e provocaram novas tensões com Roma que continuou a insistir na necessidade de garantir e expandir a missionação. Nestas circunstâncias, prosseguiu a diminuição da área do Padroado português no Oriente, na sequência de negociações que decorreram ao longo dos séculos XIX e XX. São fruto destas negociações entre Portugal e a Santa Sé as concordatas de 1857 e 1886.
A implantação da República, em 1910, veio provocar uma nova e violenta convulsão caracterizada pela perseguição à Igreja e pela dissolução das ordens religiosas. Este divórcio entre a República e as missões ficou consagrado na Lei da Separação do Estado das Igrejas, promulgada a 20 de Abril de 1911, em que se estabelecia que a "propaganda civilizadora" que tivesse de ser realizada por ministros da religião nas colónias fosse confiada apenas ao clero secular português, especialmente preparado para esse fim em instituições do Estado. A 22 de Novembro de 1913, o ministro Almeida Ribeiro, pelo decreto nº 233, aplicou os princípios da Lei da Separação aos territórios portugueses de África e Timor e criou, simultaneamente, as missões civilizadoras em que se excluía qualquer dimensão religiosa. O Governo, a partir de 1 de Julho de 1914, deixaria de prover cargos ou benefícios eclesiásticos nas províncias de África e Timor, extinguindo unilateralmente qualquer forma de padroado. Nos últimos anos da Primeira República, foram revistas algumas destas posições extremas e as missões voltaram a obter formas de reconhecimento e de apoio, num quadro que se consolidou com o advento do Estado Novo.
A situação de progressiva estabilidade veio a ser confirmada com a Concordata e o Acordo Missionário celebrados entre Portugal e a Santa Sé, a 7 de Maio de 1940. O Padroado do Oriente continuou a reger-se pelas normas negociadas em 1928 e em 1929 até que, depois da independência da União Indiana, em 1947, Portugal assinou com a Santa Sé, a 18 de Julho de 1950, novo acordo, em virtude do qual se desligaram do Padroado as dioceses situadas fora dos territórios portugueses da Índia, como era o caso das dioceses de Mangalor, Quilon, Trichinópolis, Cochim, S. Tomé de Meliapor e Bombaim. Portugal aceitou, também, que se fizesse oportunamente uma nova delimitação da arquidiocese de Goa, o que veio a acontecer pelo convénio de 25 de Outubro de 1953 quando todos os seus territórios situados na União Indiana foram integrados em dioceses deste país.
A história longa e complexa do Padroado português na Índia viria a terminar com a anexação de Goa por parte da União Indiana, no dia 18 de Dezembro de 1961. Coube à diocese de Macau permanecer como o derradeiro testemunho do Padroado português no Oriente, num ciclo encerrado com a entrega da administração do território à República Popular da China, a 20 de Dezembro de 1999.
Bibliografia:
BRAZÃO, Eduardo - Colecção de concordatas estabelecidas entre Portugal e a Santa Sé de 1238 a 1940, Lisboa: Livraria Bertrand, [s.d.]. COSTA, João Paulo Oliveira e - "A diáspora missionária", in História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, vol, II, [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2000, pp. 255-313. GONÇALVES, Nuno da Silva - "Padroado", in Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, vol. III, [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2001, pp. 364-368. LEITE, António - "Enquadramento legal da actividade missionária portuguesa", in Brotéria, 133(1991), pp. 36-52. REGO, António da Silva - O Padroado português no Oriente e a sua historiografia (1838-1950), Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1978. IDEM, "Padroado", in Verbo - Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura. vol. 14, cols. 1035-1044.
Foi neste enquadramento do padroado que se foram criando as várias dioceses dos territórios ultramarinos portugueses, numa longa série que se estendeu ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII: Funchal (1514); Cabo Verde (1533); Angra (1533); Goa (1533); S. Tomé (1533); Baía (1551); Cochim (1558); Malaca (1558); Macau (1576); Funai (1588); Congo (1596); Angamale (1600); S. Tomé de Meliapor (1606); Olinda (1676); Rio de Janeiro (1676); Maranhão (1677); Pequim (1690); Nanquim (1690); Belém do Pará (1719); Mariana (1745); São Paulo (1745). Para a nomeação dos titulares de cada uma destas dioceses, seguia-se um processo complexo que se manteve durante o período da união ibérica. Veja-se, por exemplo, o procedimento para a nomeação de D. Luís Pereira de Miranda como bispo de Santiago de Cabo Verde. Em 23 de Dezembro de 1607, o Conselho de Portugal, em Madrid, debruçou-se sobre as sugestões de nomes que lhe tinham sido apresentadas pelo Conselho da Índia, em Lisboa, e pelo vice-rei de Portugal. A maioria optou por Luís Pereira de Miranda, doutor em Cânones e mestre em Artes pela Universidade de Coimbra, e Filipe III confirmou a escolha, exarando um despacho do seguinte teor: Desse a Luis Pereira de Miranda y ordenese que se parta luego. Em Fevereiro de 1608, o núncio apostólico em Madrid, monsenhor Decio Caraffa, organizou o processo de habilitação canónica de D. Luís Pereira de Miranda, então prior de Pombeiro, na diocese de Coimbra. Por fim, no mês seguinte, o rei escreveu para Roma, apresentando ao papa Paulo V o candidato que foi confirmado no consistório de 10 de Novembro de 1608.
A partir do século XVII, a vastidão geográfica dos territórios do Padroado, associada à limitação dos recursos, foi evidenciando a impossibilidade, por parte de Portugal, de cumprir cabalmente todas as responsabilidades que lhe tinham sido atribuídas. Por outro lado, a Cúria Romana passou a ter um organismo específico para a dinamização da actividade missionária, após a criação da Congregação da Propagação da Fé (de Propaganda Fide) pelo papa Gregório XV, em 1622. Em África, foram diminutos os conflitos entre Portugal e o novo organismo romano e, em relação ao Brasil, pode-se dizer que terão sido inexistentes. No Oriente, no entanto, a situação foi muito diferente. Não se cumpriu a intenção inicial de circunscrever a acção dos missionários enviados pela Propaganda Fide a zonas onde não existissem missões do Padroado português e, como consequência, o envio para o Oriente de vigários apostólicos detentores de jurisdição própria e dependentes directamente de Roma levou a conflitos frequentes com os missionários do Padroado. A presença dos vigários apostólicos, geralmente de nacionalidade francesa, provocou situações de dupla jurisdição, num mesmo território, com as consequentes incompreensões e acusações mútuas e a divisão das populações cristãs. Roma procurava assumir as responsabilidades que lhe competiam e não queria limitar-se a delegá-las na Coroa portuguesa. Ao mesmo tempo, "Portugal, assediado pelos impérios ultramarinos nascentes, desconfiava de qualquer organismo que lhe cerceasse ainda mais as suas áreas de intervenção, até porque a extensão da Igreja era entendida como um meio de alargar influência" (J. P. Oliveira e Costa, p. 293). Na perspectiva portuguesa, se Roma desejava incrementar a acção missionária no Oriente, devia fazê-lo em conjugação com Portugal, em vez de favorecer a intervenção de outras potências europeias na região.
Na realidade, ao longo do século XVII, devido à acção da Propaganda Fide e dos vigários apostólicos e face à incapacidade portuguesa, os territórios submetidos à jurisdição do Padroado português foram sofrendo sucessivas restrições, aumentando, em contrapartida, a influência francesa, principalmente na Indochina e na China. Como assinala João Paulo Oliveira e Costa (p. 299), "o fim do exclusivismo do Padroado Português do Oriente era uma inevitabilidade e uma necessidade da Igreja"; no entanto, ao mesmo tempo, "tornou-se notório que as dificuldades de propagação do cristianismo no Oriente não resultavam duma débil estrutura institucional ou dos métodos dos missionários, mas antes da própria matriz político-religiosa dos asiáticos".
A expulsão dos jesuítas de todos os territórios portugueses, em 1759, e a posterior extinção das ordens religiosas, em 1834, enfraqueceram ainda mais as capacidades missionárias portuguesas e provocaram novas tensões com Roma que continuou a insistir na necessidade de garantir e expandir a missionação. Nestas circunstâncias, prosseguiu a diminuição da área do Padroado português no Oriente, na sequência de negociações que decorreram ao longo dos séculos XIX e XX. São fruto destas negociações entre Portugal e a Santa Sé as concordatas de 1857 e 1886.
A implantação da República, em 1910, veio provocar uma nova e violenta convulsão caracterizada pela perseguição à Igreja e pela dissolução das ordens religiosas. Este divórcio entre a República e as missões ficou consagrado na Lei da Separação do Estado das Igrejas, promulgada a 20 de Abril de 1911, em que se estabelecia que a "propaganda civilizadora" que tivesse de ser realizada por ministros da religião nas colónias fosse confiada apenas ao clero secular português, especialmente preparado para esse fim em instituições do Estado. A 22 de Novembro de 1913, o ministro Almeida Ribeiro, pelo decreto nº 233, aplicou os princípios da Lei da Separação aos territórios portugueses de África e Timor e criou, simultaneamente, as missões civilizadoras em que se excluía qualquer dimensão religiosa. O Governo, a partir de 1 de Julho de 1914, deixaria de prover cargos ou benefícios eclesiásticos nas províncias de África e Timor, extinguindo unilateralmente qualquer forma de padroado. Nos últimos anos da Primeira República, foram revistas algumas destas posições extremas e as missões voltaram a obter formas de reconhecimento e de apoio, num quadro que se consolidou com o advento do Estado Novo.
A situação de progressiva estabilidade veio a ser confirmada com a Concordata e o Acordo Missionário celebrados entre Portugal e a Santa Sé, a 7 de Maio de 1940. O Padroado do Oriente continuou a reger-se pelas normas negociadas em 1928 e em 1929 até que, depois da independência da União Indiana, em 1947, Portugal assinou com a Santa Sé, a 18 de Julho de 1950, novo acordo, em virtude do qual se desligaram do Padroado as dioceses situadas fora dos territórios portugueses da Índia, como era o caso das dioceses de Mangalor, Quilon, Trichinópolis, Cochim, S. Tomé de Meliapor e Bombaim. Portugal aceitou, também, que se fizesse oportunamente uma nova delimitação da arquidiocese de Goa, o que veio a acontecer pelo convénio de 25 de Outubro de 1953 quando todos os seus territórios situados na União Indiana foram integrados em dioceses deste país.
A história longa e complexa do Padroado português na Índia viria a terminar com a anexação de Goa por parte da União Indiana, no dia 18 de Dezembro de 1961. Coube à diocese de Macau permanecer como o derradeiro testemunho do Padroado português no Oriente, num ciclo encerrado com a entrega da administração do território à República Popular da China, a 20 de Dezembro de 1999.
Bibliografia:
BRAZÃO, Eduardo - Colecção de concordatas estabelecidas entre Portugal e a Santa Sé de 1238 a 1940, Lisboa: Livraria Bertrand, [s.d.]. COSTA, João Paulo Oliveira e - "A diáspora missionária", in História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, vol, II, [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2000, pp. 255-313. GONÇALVES, Nuno da Silva - "Padroado", in Dicionário de História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Moreira Azevedo, vol. III, [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2001, pp. 364-368. LEITE, António - "Enquadramento legal da actividade missionária portuguesa", in Brotéria, 133(1991), pp. 36-52. REGO, António da Silva - O Padroado português no Oriente e a sua historiografia (1838-1950), Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1978. IDEM, "Padroado", in Verbo - Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura. vol. 14, cols. 1035-1044.