Data de publicação
2009
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Período
Área Geográfica
4º duque de Bragança (desde 1496), nasceu em 1479 e morreu a 20 de Setembro de 1532. Aguarda ainda uma biografia completa, embora se conheçam os grandes traços da sua vida. Este trabalho é tanto mais necessário quanto o 4º Duque de Bragança foi objecto de interpretações díspares, dentro e fora do âmbito historiográfico. O anacronismo e a intenção presentista de boa parte dos estudos oitocentistas construíram um personagem-tipo, mais elucidativo dos anseios e estratégias do tempo em que vieram à luz, do que do grande senhor tardo-medieval que foi D. Jaime. Este personagem-tipo fez parte de uma galeria de opostos que deu inteligibilidade à visão negativa e catastrófica que se queria então dar do Portugal manuelino, entendido como momento alto na sucessão de períodos sombra, que constantemente travavam o caminho do País em direcção à modernidade e ao progresso. No caso, a subida ao poder dos Braganças, iniciada pela neutralização das justas tentativas de D. João II em tornar rei o seu filho bastardo (outra marca de nobreza moral a somar às virtudes de grande estadista), orquestrada pela clique feminina e clerical (onde nem faltava a criação de D. Leonor como assassina do marido), e terminada com a autorização de regresso aos exilados, com todas as honras e devolução de bens, vista como a suprema traição de D. Manuel ao seu contrariado benfeitor. Seria impossível traçar aqui a genealogia desta construção, mas é útil chamar à colação um dos seus últimos, mas não menos influentes, arquitectos: Anselmo Braamcamp Freire. Será ele a consagrar D. Jaime como produto exemplar de um reinado decadente, que por infortúnio sucedera ao daquele único rei forte de toda a História portuguesa, o grande D. João II. Este, ao contrário do seu primo e sucessor, fora moderno, inimigo de grupos privilegiados, defensor das forças progressistas da Nação. Assim, entre a malograda modernidade joanina e o fatal triunfo da monarquia manuelina, fradesca, arcaica, pródiga - retrato de um passado político que tão bem convinha ao presente - D. Jaime foi erecto no paradigma de um mundo ultrapassado mas sempre passível de regresso, que urge afastar definitivamente para abrir caminho ao mundo moderno. A renovação historiográfica das últimas décadas permite-nos, em primeiro lugar, desmontar estas construções e, depois, rever a figura de D. Jaime em função de premissas não-anacrónicas e cientificamente fundadas. De facto, tão interessante quanto os percursos discursivos que suscitou, é a própria figura do D. Jaime. Nela se cruzam contradições várias e a diferentes níveis. Desde logo, as da sociedade portuguesa desse final de Quatrocentos, protagonista de um processo de rápida mudança, reconhecido e enfrentado de modo diverso pelos vários agentes sociais - sendo que a Casa de Bragança avultava entre estes, tanto em dimensão sócio-económica, como pelos cruzmentos políticos que por ela passavam. Depois, as inerentes à pessoa do Duque, que desde a infância sofrera diversas atribulações e que, muito cedo também, manifestara tendências para algum desiquilíbrio, como ele mesmo reconhecia. Por fim, as da memória dos acontecimentos que, neste momento talvez mais que em muitos outros da História portuguesa, se registou de forma afoita e num universo conflitual muito próximo de um presente que se sentia mudar a todo o instante. Enunciemos de forma sucinta os principais acontecimentos da sua vida, para depois avançar alguns elementos de interpretação na linha das problemáticas referidas, em torno de núcleos significativos. O Duque D. Jaime foi filho do 3º Duque de Bragança, D. Fernando, e de sua mulher, D. Isabel (filha do Infante D. Fernando, duque de Viseu e Beja, irmão de D. Afonso V). D. Jaime sucedeu ainda, por reabilitação de D. Manuel, nos restantes títulos de seu pai, no mesmo ano de 1496. Tinha apenas quatro anos quando o seu pai foi justiçado em Évora, a 20.06.1483, e seguiu o caminho do exílio com a mãe e os irmãos. Viveu na corte dos Reis Católicos até 1496, ano em que D. Manuel o mandou regressar a Portugal, com os restantes exilados da Casa de Bragança, e o empossou nos bens e títulos de seu Pai. Foi ainda herdeiro jurado da Casa Real, em Março de 1498, como parente mais próximo do rei, então sem descendentes directos. Casou em 1500 com D. Leonor de Mendonça, filha dos Duques de Medina Sidónia, de quem teve dois descendentes - o futuro senhor da Casa, D. Teodósio I, e D. Isabel, que casou em 1536 com um dos filhos de D. Manuel, o Infante D. Duarte; o casamento do Duque viria a acabar de forma dramática, com a morte da Duquesa às suas mãos, em 1512, por suspeitas de traição conjugal. No ano seguinte D. Jaime liderou a expedição a Azamor, que cultima na tomada da praça, e regressa ao reino coberto de glória. Nas décadas subsequentes, D. Jaime manter-se-à sempre entre a Corte, como uma das suas mais altas figuras, exercendo uma presença de prestígio e conselho junto dos reis D. Manuel e D. João III, porém sempre ciosa das prerrogativas de principal titular; e a administração dos seus vastos bens e clientela, constituindo-se Vila Viçosa como a sede por excelência da Casa, onde esta tem o seu palácio de luxo e representação, a par de vários outros polos administrativos espalhados pelos senhorios. Em 1520 o Duque contraiu um segundo casamento, com D. Joana de Mendonça (dama da Rainha D. Leonor, oriunda da média nobreza de base local alentejana, que consolidara a posição através da proximidade à corte), do qual terá numerosa descendência. A cuidadosa gestão das alianças matrimoniais e da colocação em altos cargos eclesiásticos, dos vários filhos, fez-se na continuidade das estratégias de consolidação do poder brigantino, que vinham dos primeiros duques, sendo disto emblemáticas as negociações do casamento da filha mais velha com o irmão do rei D. João III. A personagem de D. Jaime permite por fim evocar alguns temas importantes para a compreensão da sociedade da época. Em primeiro lugar, há que destacar a sua natureza de titular da primeira casa do Reino, o que, no ordenamento societal de então, equivalia à gestão de um corpo dotado de autonomia e capacidade de auto-gestão a diferentes níveis - desde o material ao simbólico -, que podia estabelecer com a Coroa uma relação com agenda própria. É fundamental não esquecer a constelação política das monarquias tardo-medievais e alto-modernas, em que o Rei era obrigado a manter um equilíbrio com os grandes titulares; se os proventos da Expansão permitiram aos reis portugueses uma margem de manobra maior, em alturas mais ou menos delimitadas, era impensável uma governação monárquica em acentuada proeminência sobre os grandes titulares e alta nobreza de corte (que acabam por se fundir). A leitura não-anacrónica dos respectivos papéis, que a historiografia dos últimos anos tem vindo a permitir, retira as intenções morais aos jogos de equilíbrio mútuo. Neste sentido, D. Jaime revelou-se um Duque à altura da herança brigantina, tendo mesmo reforçado as difrentes bases de prestígio da Casa, em especial as simbólicas e identitárias. Não menos emblemática desta capacidade de defender sobretudo a continuidade da Casa, compreendendo o balanço entre poder nobiliárquico tradicional versus adequação à política régia, é a atitude de D. Jaime em relação ao Norte de África. Por tradição familiar, assentamento regional e mesmo convicções religiosas, D. Jaime poderia ter-se constituído em cabeça de fila das posições da velha nobreza tradicional, cristalizadas naquele território, local de honra nobre por excelência, por oposição à aventura comercial indiana. A vitória que obtém em Azamor, que terá de resto contribuído para apagar o desastroso episódio conjugal do ano anterior, poderiam ter levado a tal. No entanto, na carta que pouco depois envia a D. Manuel, quem vemos em acção é um ponderado senhor de grande Casa, jogando um papel de prudência e contenção em relação às pressões para prosseguir a conquista, exercidas por alguns fidalgos e por elementos mais radicais do clero, baseando-se em argumentos fundados na realidade das ordens recebidas e das condições locais. Mais tarde, em Fevereiro de 1529, dirigindo-se já a D. João III, é ainda mais claro, numa carta fundamental para a desmontagem de alguns lugares comuns sobre o pensamento da "facção norte africana". Aí se critica, entre outras coisas, o modelo do capitão heróico e cavaleiresco; aí se afirma claramente a impossibilidade de Portugal controlar o território, escasso como estava o reino em termos de homens e dinheiro. E, se Deus é invocado em relação com o serviço que se lhe presta em África, a referência é inequivocamente irónica em relação a uma qualquer cega exaltação cruzadística. É por fim digno de referência o ambiente religioso e cultural em que viveu o 4º Duque de Bragança. Não se podem encarar ao modo oitocentista as vivências devocionais de D. Jaime, sob pena de não perceber como poderia ter sido um «fanático religioso» o senhor que em Vila Viçosa reuniu uma corte humanista, sem dúvida a mais importantes e culta corte renascentista de Portugal. A ligação de D. Jaime aos frades da Observância franciscana deve ser entendida em contextos mais vastos, que vão desde redes de influência familiar até à adesão a modelos espirituais de vivência do Poder no mundo, construídos para os grandes senhores que, nesse momento de profunda factura da Cristandade, não desistiam dos seus anseios de reforma religiosa.

Bibliografia:
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