Data de publicação
2014
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Nasceu em 1516, sendo filho segundo de D. Afonso de Ataíde, 3º senhor da Casa de Atouguia, e de D. Maria de Magalhães. Em 1538, partiu na armada do vice-rei D. Garcia de Noronha rumo à Índia. Já no Oriente, participou na fase final do primeiro cerco de Diu e foi mandatado pelo vice-rei para missões de policiamento naval no Mar Vermelho, costa do Canará e de contenção de invasão a Baçaim. Encontrava-se nesta última praça à data em que o governador D. Estêvão da Gama (1540-1542) tomou posse. Sendo por este convocado para participar na jornada do Suez de 1541, tomou parte na expedição, onde foi armado cavaleiro pelo governador ao lado do seu primo D. Álvaro de Castro. Merecedor do elogio e da estima de D. Estêvão, os seus serviços e acção militar foram encarecidos por aquele governador junto do rei. No entanto, em 1542, com a chegada do governador Martim Afonso de Sousa (1542-1545) teve ordem de regresso ao Reino. Em causa esteve o facto de se ter tornado herdeiro da Casa de Atouguia devido ao falecimento do seu irmão mais velho D. Martim Gonçalves de Ataíde, no cerco de Santa Cruz de Cabo Gué, em 1541.
Regressado a Portugal participou, ao lado do primo D. João de Castro, na expedição de socorro a Ceuta e suspeita-se que também no combate ao corso e pirataria franceses ao largo de Peniche, senhorio da Casa de Atouguia, durante o ano de 1543. Já em 1547, foi indigitado por D. João III como embaixador extraordinário junto do Imperador Carlos V, por ocasião da batalha de Mulhberg. Durante a embaixada, D. Luís de Ataíde privou pessoalmente com Carlos V e com o 3º duque de Alba, D. Fernando Álvarez de Toledo, bem como com outras relevantes figuras da corte imperial, como o rei D. Fernando e o príncipe Maximiliano. Teve oportunidade de ver o exército imperial em acção e participar na batalha, merecendo a atenção do Imperador que o quis armar cavaleiro. Por ocasião do retorno ao Reino foi ainda em embaixada ao ducado de Sabóia. Deteve importante actuação na mediação dos assuntos da sua Casa na corte joanina até ao falecimento de seu pai, em 1555.
Desde aquela data convertido em 4º senhor da Casa de Atouguia, a quem o Piedoso concedeu confirmação e sucessão imediata, D. Luís de Ataíde permaneceu até 1567 na sede do seu senhorio por possíveis ordens régias. A necessidade de combate à pirataria e ao corso francês e a importância nevrálgica da defesa daquela região (Atouguia da Baleia e Peniche) para a Coroa Portuguesa, justificam o envolvimento do fidalgo em batalhas navais com os franceses em 1557 e 1562. Fruto da sua sugestão junto de D. João III, iniciou a construção da fortaleza de Peniche, autorizada formalmente por D. Catarina, e cujas obras se prolongaram até 1577.
Em 1567 terminava o ciclo anterior de afastamento da corte com a nomeação para provedor da Misericórdia de Lisboa. Tendo parentes e contactos nas Casas da rainha D. Catarina e do cardeal D. Henrique, e detendo reputação de valente guerreiro e grande experiência militar por ter conhecido o exército imperial, foi nomeado, ainda em 1567, para vice-rei da Índia. Para a confirmação formal posterior de D. Sebastião não terá sido indiferente a correspondência do perfil militar do fidalgo com a personalidade guerreira do próprio rei. Nomeado para suceder ao vice-rei D. Antão de Noronha (1564-1568), no contexto do início da crise político-militar de 1565-75 e num momento em que se vivia o cenário mais adverso de sempre à presença portuguesa na Ásia, D. Luís de Ataíde levou poderes reforçados de forma a concretizar o mandato reformador que o Desejado lhe conferira. Entre as principais reformas que devia operar encontrava-se a implementação do sistema das ordenanças que o próprio rei instauraria a breve trecho no Reino.
O seu primeiro vice-reinado (1568-1571) ficou marcado por dois aspectos predominantes: o prosseguimento da política de ocupação de praças na costa do Canará, designadamente de Onor e Barcelor, em 1569, e o enfrentamento de cinco cercos em 1570-71. Procurando restaurar o poderio naval e a reputação portuguesa na Ásia, D. Luís de Ataíde enviou preventivamente esquadras para várias regiões (Mar Vermelho, Golfo Pérsico, Praças do Norte, Malabar e Malaca), de onde recebeu informação acerca de movimentações da Liga Islâmica que, na sequência da batalha de Talikota, se formara contra o Estado da Índia. Assim, tendo equacionado conquistas preventivas em Adém, no Guzerate e no Achém, acabou por concretizar a ocupação daquelas praças da costa do Canará pela sua importância comercial e de forma a evitar que a região fosse ocupada pelo sultanato de Bijapur. Preparando-se atempadamente para os cercos de Goa e Chaul, dos quais não tardou a estar informado durante o ano de 1570, Ataíde assentou a sua estratégia de defesa numa política de irredutível resistência de todos os pontos atacados e de ataque simultâneo aos territórios inimigos. Enquanto ele próprio enfrentava o sultão de Bijapur em Goa, mandatou D. Francisco Mascarenhas para defender Chaul do sultão de Ahmadnagar. Apesar da intensa oposição dos eclesiásticos e de alguma fidalguia, que pretendia que o vice-rei abandonasse Chaul e concentrasse a defesa em Goa, D. Luís de Ataíde recusou-o sempre, encontrando diversos artifícios militares e diplomáticos para impedir a concretização de um grande ataque a Goa. Usando igualmente de contactos em Bijapur, em Vijayanagar, e atacando, simultaneamente com as armadas de D. Diogo de Meneses e de Luís de Melo da Silva, as posições marítimas dos líderes da Liga, Ataíde desgastou sistematicamente a sua posição e socorreu sempre a desguarnecida Chaul. Da mesma forma, evitou com relativa facilidade os cercos de Onor e Barcelor, as possibilidades de cerco achém a Malaca em 1570-71 e até a eventual participação da Pérsia Safávida ou do Império Otomano nos acontecimentos do subcontinente. Apenas relativamente à praça de Chale, cercada ainda no final do seu governo pelo Samorim de Calicute, D. Luís não teve tanto sucesso. Com grande carisma militar na hora de comandar as hostes ou de se converter em soldado, D. Luís de Ataíde cultivou uma relação próxima com a fidalguia, sem a qual lhe teria sido impossível vencer os cercos. Valeu-se igualmente de factores geográficos, das discórdias no interior da Liga e de uma gestão parcimoniosa dos recursos existentes para colocar termo aos cercos. No entanto, apesar da aura militar vitoriosa que o rodeou no seu regresso ao Reino, é impossível não deixar de salientar que não chegara a instaurar por completo o sistema das ordenanças, falhando nesta área como alguns dos seus antecessores, que não socorrera atempadamente a fortaleza de Ternate e que não poderá ser isento de responsabilidades relativamente à posterior perda de Chale.
A aura militar incontestada de que gozou desde então e que Ataíde alimentou foi visível na elaboração de um conjunto de relatórios do seu governo, de pendor encomiástico, e na recepção extraordinária a que teve direito por parte de toda a corte, em 1572, data do seu regresso. Em procissão pelas ruas de Lisboa ao lado direito de D. Sebastião, os seus feitos militares não tardaram a ser divulgados pela Europa e a merecer poemas de figuras como André de Resende ou Luís de Camões. Fruto do seu sucesso no primeiro governo oriental e da sua participação em momentos fundamentais da afirmação da realeza sebástica, como a reunião do capítulo da Ordem de Cristo, em 1573, a primeira passagem de África, em 1574, ou a jornada de Guadalupe, em 1576, o Desejado nomeou oficialmente o fidalgo para general da expedição que projectava contra Marrocos. Porém, e apesar da insistência sebástica em afastar concorrentes ao cargo (D. António, Prior do Crato), D. Luís de Ataíde foi vítima do processo de afirmação política do próprio rei que recorrera ao seu prestígio militar para encobrir a sua liderança pessoal da jornada enquanto ainda não o podia afirmar politicamente. Em Agosto de 1577, no contexto do adiamento da passagem a África para Março de 1578 e de anteriores alertas do fidalgo junto do monarca sobre a forma como decorriam os preparativos militares, foi afastado do cargo. Na ocasião, o rei restaurou-lhe o título de 3º conde de Atouguia e nomeou-o de novo vice-rei da Índia com poderes reforçados para acorrer às notícias de guerra civil que chegavam do Oriente. Aquela ameaça de guerra fundara-se no facto do governador António Moniz Barreto (1573-1577) se negar a abrir as sucessões do vice-rei Rui Lourenço de Távora que morrera em Moçambique, em 1576, motivando, em parte, a nomeação de D. Luís.
Mandatado para enviar preso para o Reino aquele governador e restaurar a situação do Estado da Índia, D. Luís de Ataíde iniciou o seu segundo vice-reinado (1578-1581) com a organização do torneio de Goa de 1578, onde pretendeu reafirmar a autoridade da Coroa e moralizar a fidalguia que tencionara partir para a guerra civil. Contrastando fortemente com o primeiro governo, Ataíde cultivou uma relação distante com a fidalguia e uma postura político-militar bem mais preventiva. Assim, assinou as pazes com o sultanato de Bijapur, após ter derrotado aquele sultão em novo cerco a Goa, impediu o confronto directo com o Império Mogol em Damão, através do envio dos primeiros missionários jesuítas ao Imperador Akbar, e abdicou de nova jornada ao Achém em prol do investimento em Ceilão, atendendo às implicações da doação do reino de Kotte à Coroa Portuguesa, em 1580. Tendo notícias das incertezas do Reino, Ataíde procurou estabilizar também a situação financeira e preparar o Estado da Índia para os tempos conturbados da crise dinástica.
Tendo realizado na Ásia as exéquias de D. Sebastião e de D. Henrique, D. Luís de Ataíde não deixou de marcar presença nos acontecimentos decorridos no Reino. Apesar de nunca se ter declarado a favor do Prior do Crato ou sequer arregimentado um exército para o socorrer a partir da Índia, o 3º conde de Atouguia não deixou de ser uma esperança para o cardeal-rei e para os antonistas de um possível general para a defesa militar do Reino contra a invasão do 3º duque de Alba, cuja pessoa e tácticas conhecia. Não tendo conseguido regressar ao Reino antecipadamente, como pedira e D. Henrique parece ter autorizado, para assegurar a descendência para a sua Casa, em D. Luís depositaram Filipe II e o Prior do Crato as suas esperanças de juramento no Estado da Índia. O fidalgo não o realizou pois faleceu em Março de 1581, em Goa, vítima de doença prolongada. Apesar disso, tudo aponta para que a sua inclinação fosse para Filipe II. Este último, no contexto das incertezas da guerra de sucessão em 1580-81, discutiu detalhadamente com os seus ministros como alcançar o seu juramento na Índia e se deveria ou não manter Ataíde no cargo. Apesar de o ter conhecido pessoalmente, em 1576, Filipe II não estava certo que jurasse a sua realeza, motivo pelo qual se decidiu a nomear vice-rei D. Francisco Mascarenhas, 1º conde de Vila da Horta, fidalgo muito próximo de D. Luís, a quem encarregou de alcançar o juramento e entregar o título de 1º marquês de Santarém a Ataíde caso este aceitasse jurá-lo como rei. No entanto, o fidalgo faleceria sem saber que fora promovido ao então quinto maior título de grandeza em Portugal.
D. Luís de Ataíde casou-se três vezes. A primeira com D. Joana de Vilhena, filha de Luís Álvares de Távora, senhor do Mogadouro; a segunda com D. Maria de Noronha, filha de D. Sancho de Noronha, mordomo-mor da rainha D. Catarina e conde de Odemira; e a terceira com D. Isabel de Meneses, filha do seu cunhado Tristão da Cunha. Apenas do último enlace teve descendência que faleceu ainda durante a sua vida, motivo pelo qual, após conturbado processo sucessório, a sua Casa foi entregue a seu sobrinho: D. João Gonçalves de Ataíde. Encontra-se sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche.
Bibliografia:
VILA-SANTA, Nuno, A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império: Dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde (1516-1581), dissertação de doutoramento policopiada, Lisboa, FCSH-UNL, 2013; THOMAZ, Luís Filipe, “A Crise de 1565-1575 na História do Estado da Índia”, Mare Liberum, nº 9, Junho de 1995, pp. 481-519; PEREIRA, António Pinto, História da Índia no tempo em que a governou o visorei D. Luís de Ataíde, introdução de Manuel Marques Duarte, Lisboa, INCM, 1984; CRUZ, Maria Augusta Lima, Diogo do Couto e a década 8ª da Ásia, 2 volumes, Lisboa, INCM/CNCDP, 1993; MACEDO, Joseph Pereira de, Vida del Grande D. Lvis de Attayde, tercer conde de Attougvia y Virrey de la India dos vezes, Madrid, Imprensa do Reino, 1633.
Regressado a Portugal participou, ao lado do primo D. João de Castro, na expedição de socorro a Ceuta e suspeita-se que também no combate ao corso e pirataria franceses ao largo de Peniche, senhorio da Casa de Atouguia, durante o ano de 1543. Já em 1547, foi indigitado por D. João III como embaixador extraordinário junto do Imperador Carlos V, por ocasião da batalha de Mulhberg. Durante a embaixada, D. Luís de Ataíde privou pessoalmente com Carlos V e com o 3º duque de Alba, D. Fernando Álvarez de Toledo, bem como com outras relevantes figuras da corte imperial, como o rei D. Fernando e o príncipe Maximiliano. Teve oportunidade de ver o exército imperial em acção e participar na batalha, merecendo a atenção do Imperador que o quis armar cavaleiro. Por ocasião do retorno ao Reino foi ainda em embaixada ao ducado de Sabóia. Deteve importante actuação na mediação dos assuntos da sua Casa na corte joanina até ao falecimento de seu pai, em 1555.
Desde aquela data convertido em 4º senhor da Casa de Atouguia, a quem o Piedoso concedeu confirmação e sucessão imediata, D. Luís de Ataíde permaneceu até 1567 na sede do seu senhorio por possíveis ordens régias. A necessidade de combate à pirataria e ao corso francês e a importância nevrálgica da defesa daquela região (Atouguia da Baleia e Peniche) para a Coroa Portuguesa, justificam o envolvimento do fidalgo em batalhas navais com os franceses em 1557 e 1562. Fruto da sua sugestão junto de D. João III, iniciou a construção da fortaleza de Peniche, autorizada formalmente por D. Catarina, e cujas obras se prolongaram até 1577.
Em 1567 terminava o ciclo anterior de afastamento da corte com a nomeação para provedor da Misericórdia de Lisboa. Tendo parentes e contactos nas Casas da rainha D. Catarina e do cardeal D. Henrique, e detendo reputação de valente guerreiro e grande experiência militar por ter conhecido o exército imperial, foi nomeado, ainda em 1567, para vice-rei da Índia. Para a confirmação formal posterior de D. Sebastião não terá sido indiferente a correspondência do perfil militar do fidalgo com a personalidade guerreira do próprio rei. Nomeado para suceder ao vice-rei D. Antão de Noronha (1564-1568), no contexto do início da crise político-militar de 1565-75 e num momento em que se vivia o cenário mais adverso de sempre à presença portuguesa na Ásia, D. Luís de Ataíde levou poderes reforçados de forma a concretizar o mandato reformador que o Desejado lhe conferira. Entre as principais reformas que devia operar encontrava-se a implementação do sistema das ordenanças que o próprio rei instauraria a breve trecho no Reino.
O seu primeiro vice-reinado (1568-1571) ficou marcado por dois aspectos predominantes: o prosseguimento da política de ocupação de praças na costa do Canará, designadamente de Onor e Barcelor, em 1569, e o enfrentamento de cinco cercos em 1570-71. Procurando restaurar o poderio naval e a reputação portuguesa na Ásia, D. Luís de Ataíde enviou preventivamente esquadras para várias regiões (Mar Vermelho, Golfo Pérsico, Praças do Norte, Malabar e Malaca), de onde recebeu informação acerca de movimentações da Liga Islâmica que, na sequência da batalha de Talikota, se formara contra o Estado da Índia. Assim, tendo equacionado conquistas preventivas em Adém, no Guzerate e no Achém, acabou por concretizar a ocupação daquelas praças da costa do Canará pela sua importância comercial e de forma a evitar que a região fosse ocupada pelo sultanato de Bijapur. Preparando-se atempadamente para os cercos de Goa e Chaul, dos quais não tardou a estar informado durante o ano de 1570, Ataíde assentou a sua estratégia de defesa numa política de irredutível resistência de todos os pontos atacados e de ataque simultâneo aos territórios inimigos. Enquanto ele próprio enfrentava o sultão de Bijapur em Goa, mandatou D. Francisco Mascarenhas para defender Chaul do sultão de Ahmadnagar. Apesar da intensa oposição dos eclesiásticos e de alguma fidalguia, que pretendia que o vice-rei abandonasse Chaul e concentrasse a defesa em Goa, D. Luís de Ataíde recusou-o sempre, encontrando diversos artifícios militares e diplomáticos para impedir a concretização de um grande ataque a Goa. Usando igualmente de contactos em Bijapur, em Vijayanagar, e atacando, simultaneamente com as armadas de D. Diogo de Meneses e de Luís de Melo da Silva, as posições marítimas dos líderes da Liga, Ataíde desgastou sistematicamente a sua posição e socorreu sempre a desguarnecida Chaul. Da mesma forma, evitou com relativa facilidade os cercos de Onor e Barcelor, as possibilidades de cerco achém a Malaca em 1570-71 e até a eventual participação da Pérsia Safávida ou do Império Otomano nos acontecimentos do subcontinente. Apenas relativamente à praça de Chale, cercada ainda no final do seu governo pelo Samorim de Calicute, D. Luís não teve tanto sucesso. Com grande carisma militar na hora de comandar as hostes ou de se converter em soldado, D. Luís de Ataíde cultivou uma relação próxima com a fidalguia, sem a qual lhe teria sido impossível vencer os cercos. Valeu-se igualmente de factores geográficos, das discórdias no interior da Liga e de uma gestão parcimoniosa dos recursos existentes para colocar termo aos cercos. No entanto, apesar da aura militar vitoriosa que o rodeou no seu regresso ao Reino, é impossível não deixar de salientar que não chegara a instaurar por completo o sistema das ordenanças, falhando nesta área como alguns dos seus antecessores, que não socorrera atempadamente a fortaleza de Ternate e que não poderá ser isento de responsabilidades relativamente à posterior perda de Chale.
A aura militar incontestada de que gozou desde então e que Ataíde alimentou foi visível na elaboração de um conjunto de relatórios do seu governo, de pendor encomiástico, e na recepção extraordinária a que teve direito por parte de toda a corte, em 1572, data do seu regresso. Em procissão pelas ruas de Lisboa ao lado direito de D. Sebastião, os seus feitos militares não tardaram a ser divulgados pela Europa e a merecer poemas de figuras como André de Resende ou Luís de Camões. Fruto do seu sucesso no primeiro governo oriental e da sua participação em momentos fundamentais da afirmação da realeza sebástica, como a reunião do capítulo da Ordem de Cristo, em 1573, a primeira passagem de África, em 1574, ou a jornada de Guadalupe, em 1576, o Desejado nomeou oficialmente o fidalgo para general da expedição que projectava contra Marrocos. Porém, e apesar da insistência sebástica em afastar concorrentes ao cargo (D. António, Prior do Crato), D. Luís de Ataíde foi vítima do processo de afirmação política do próprio rei que recorrera ao seu prestígio militar para encobrir a sua liderança pessoal da jornada enquanto ainda não o podia afirmar politicamente. Em Agosto de 1577, no contexto do adiamento da passagem a África para Março de 1578 e de anteriores alertas do fidalgo junto do monarca sobre a forma como decorriam os preparativos militares, foi afastado do cargo. Na ocasião, o rei restaurou-lhe o título de 3º conde de Atouguia e nomeou-o de novo vice-rei da Índia com poderes reforçados para acorrer às notícias de guerra civil que chegavam do Oriente. Aquela ameaça de guerra fundara-se no facto do governador António Moniz Barreto (1573-1577) se negar a abrir as sucessões do vice-rei Rui Lourenço de Távora que morrera em Moçambique, em 1576, motivando, em parte, a nomeação de D. Luís.
Mandatado para enviar preso para o Reino aquele governador e restaurar a situação do Estado da Índia, D. Luís de Ataíde iniciou o seu segundo vice-reinado (1578-1581) com a organização do torneio de Goa de 1578, onde pretendeu reafirmar a autoridade da Coroa e moralizar a fidalguia que tencionara partir para a guerra civil. Contrastando fortemente com o primeiro governo, Ataíde cultivou uma relação distante com a fidalguia e uma postura político-militar bem mais preventiva. Assim, assinou as pazes com o sultanato de Bijapur, após ter derrotado aquele sultão em novo cerco a Goa, impediu o confronto directo com o Império Mogol em Damão, através do envio dos primeiros missionários jesuítas ao Imperador Akbar, e abdicou de nova jornada ao Achém em prol do investimento em Ceilão, atendendo às implicações da doação do reino de Kotte à Coroa Portuguesa, em 1580. Tendo notícias das incertezas do Reino, Ataíde procurou estabilizar também a situação financeira e preparar o Estado da Índia para os tempos conturbados da crise dinástica.
Tendo realizado na Ásia as exéquias de D. Sebastião e de D. Henrique, D. Luís de Ataíde não deixou de marcar presença nos acontecimentos decorridos no Reino. Apesar de nunca se ter declarado a favor do Prior do Crato ou sequer arregimentado um exército para o socorrer a partir da Índia, o 3º conde de Atouguia não deixou de ser uma esperança para o cardeal-rei e para os antonistas de um possível general para a defesa militar do Reino contra a invasão do 3º duque de Alba, cuja pessoa e tácticas conhecia. Não tendo conseguido regressar ao Reino antecipadamente, como pedira e D. Henrique parece ter autorizado, para assegurar a descendência para a sua Casa, em D. Luís depositaram Filipe II e o Prior do Crato as suas esperanças de juramento no Estado da Índia. O fidalgo não o realizou pois faleceu em Março de 1581, em Goa, vítima de doença prolongada. Apesar disso, tudo aponta para que a sua inclinação fosse para Filipe II. Este último, no contexto das incertezas da guerra de sucessão em 1580-81, discutiu detalhadamente com os seus ministros como alcançar o seu juramento na Índia e se deveria ou não manter Ataíde no cargo. Apesar de o ter conhecido pessoalmente, em 1576, Filipe II não estava certo que jurasse a sua realeza, motivo pelo qual se decidiu a nomear vice-rei D. Francisco Mascarenhas, 1º conde de Vila da Horta, fidalgo muito próximo de D. Luís, a quem encarregou de alcançar o juramento e entregar o título de 1º marquês de Santarém a Ataíde caso este aceitasse jurá-lo como rei. No entanto, o fidalgo faleceria sem saber que fora promovido ao então quinto maior título de grandeza em Portugal.
D. Luís de Ataíde casou-se três vezes. A primeira com D. Joana de Vilhena, filha de Luís Álvares de Távora, senhor do Mogadouro; a segunda com D. Maria de Noronha, filha de D. Sancho de Noronha, mordomo-mor da rainha D. Catarina e conde de Odemira; e a terceira com D. Isabel de Meneses, filha do seu cunhado Tristão da Cunha. Apenas do último enlace teve descendência que faleceu ainda durante a sua vida, motivo pelo qual, após conturbado processo sucessório, a sua Casa foi entregue a seu sobrinho: D. João Gonçalves de Ataíde. Encontra-se sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche.
Bibliografia:
VILA-SANTA, Nuno, A Casa de Atouguia, os Últimos Avis e o Império: Dinâmicas entrecruzadas na carreira de D. Luís de Ataíde (1516-1581), dissertação de doutoramento policopiada, Lisboa, FCSH-UNL, 2013; THOMAZ, Luís Filipe, “A Crise de 1565-1575 na História do Estado da Índia”, Mare Liberum, nº 9, Junho de 1995, pp. 481-519; PEREIRA, António Pinto, História da Índia no tempo em que a governou o visorei D. Luís de Ataíde, introdução de Manuel Marques Duarte, Lisboa, INCM, 1984; CRUZ, Maria Augusta Lima, Diogo do Couto e a década 8ª da Ásia, 2 volumes, Lisboa, INCM/CNCDP, 1993; MACEDO, Joseph Pereira de, Vida del Grande D. Lvis de Attayde, tercer conde de Attougvia y Virrey de la India dos vezes, Madrid, Imprensa do Reino, 1633.