Data de publicação
2009
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14.º bispo de Cabo Verde.
Nasceu em Évora em 1670; professou no convento de Xabregas, onde tomou o hábito franciscano em 1694. Estudou jurisprudência na Universidade de Coimbra mas seria no seminário do Varatojo que se notabilizaria como guardião. Foi apresentado à cúria em 1720 e confirmado consistório em 2 de Fevereiro de 1721, sendo sagrado no mesmo ano. Fazia parte do círculo cortesão de D. João V que o teria pressionado pessoalmente para aceitar o bispado, missão de que este religioso se pretendia escusar. Seria aliás o rei que mandaria enviar para o seu amigo uma série de ornamentos, paramentos e sinos para a sé catedral. Chegou à diocese em Dezembro do mesmo ano. Tendo-se correspondido com o cabido quando ainda se encontrava em Lisboa pediu licença para levar consigo 12 ordinandos a fim de prover às necessidades mais urgentes das ilhas, mas muito poucos conseguiu levantar consigo dado que não alcançou recursos financeiros para a sua passagem e mantimentos. O retrato que encontra é confrangedor: só já se encontrava no activo um mestre de ensino e não existiam meios regulares de navegação para conduzir os padres para as diversas ilhas, pelo que muitas estavam sem qualquer assistência espiritual. Os padres reinóis fugiam simplesmente para o reino sem licença do ordinário. Nem sequer já existia pregador, pelo que o bispo teve de assumir esta função. Num meio em que a elite local havia tomado de assalto os ofícios e jogava nas disputas entre governador e ouvidor como forma de cercear a intervenção régia, o bispo, menos manipulável porque investido numa dignidade vitalícia foi chamado a mediar um conflito de jurisdição entre o governador António Vieira e o ouvidor Manuel Carneiro Ramos, tendo ambos assinado no paço episcopal em 1722 um termo de amizade e composição. Dado que o bispo havia investido em vigário-geral um padre reinól sem qualquer formação judicial, sucedeu um sério conflito jurisdicional entre os foros cível e eclesiástico, tendo mesmo sido ordenada a prisão deste eclesiástico e a vinda ao reino. O bispo julgou conveniente para a acção pastoral partir pessoalmente em visitação pelas ilhas, vendo-se no entanto constrangido a embarcar em navios ingleses e sem garantia de regresso. Visitou o Fogo, Brava, Maio, Boa Vista, S. Nicolau e Santo Antão. Em Santiago a conflitualidade social e política crescia e muitas pessoas desprotegidas acolhiam-se à sombra do bispo, pelo que o bispo é acusado de fazer «couto de criminosos». Mesmo o governador Francisco Nóbrega de Vasconcelos teve de procurar residência junto do bispo, por se encontrar desamparado e sem apoio. Para tentar travar as alforrias e abandonos maciços de escravos, o bispo mandou publicar uma polémica carta pastoral em que determinava que toda a pessoa a quem fugissem escravos pagasse 12.000 por cada um ou os entregasse no juízo eclesiástico, quando os encontrasse, para serem açoitados publicamente pelas ruas por ordem do mesmo juízo, sobrepondo-se a matéria já legislada. O próprio cabido se encontrava levantado tendo feito «pasquins» à porta da sé e do paço episcopal, ameaçando declarar a sede vacante. O bispo não teve outro recurso senão retirar da Ribeira Grande para o seu termo, na residência da Trindade. Teve de fortificar esta propriedade e guarnecê-la com escravos armados e mesmo assim foi atacado por um clérigo revoltoso que o bispo havia suspendido do seu ofício. Quando se tentou por em prática a lei que impedia o uso de azagaias em Santiago, o bispo requereu que pudesse continuar na posse dessas armas proibidas. Na Trindade, o bispo tomou a seu cargo o ensino de vários ordinandos filhos da terra, os quais proveu depois nas paróquias, uma vez que os mestres de gramática e teologia moral já não diziam lições por falta de pagamento. O bispo restringiu-se a sua pastoral à ilha de Santiago, mas foi impedido de sair em visitação por várias vexes. Quando o conseguiu fazer, sentenciou vários dos homens principais em concubinagem, mancebia, incesto e roubo de escravos, mas nunca conseguiu executar tais sentenças e muito menos obter o auxílio do braço secular. D. Fr. Jesus de Santa Maria de Jesus enviou para o reino em 1731 um censo da população que lhe fora ordenado pelo rei, tendo no entanto demorado mais de cinco anos a compilar todas as informações que lhe chegaram das diversas ilhas. Nesse mesmo ano informou o reino de que pretendia visitar aos Rios de Guiné, afim de verificar em segredo de uma questão que o atormentava desde o início do seu episcopado, isto é, averiguar do «escrúpulo» e do «título» dos escravos aí adquiridos, considerando que esta não podia ser feita de forma tão indiferente como era praticada. Tal viagem com propósito inédito era vista como inconveniente pelo procurador da Coroa considerando que não se dever intrometer o bispo em matéria tão melindrosa. Em 1732 o bispo passou ao continente fronteiro tendo ficado cego em Farim. Na viagem de regresso para Santiago, a embarcação partiu o leme pelo que foi dar à Baía. Em 1735 o bispo regressaria a Lisboa, tendo recolhido ao convento de Xabregas onde viria a falecer em Junho de 1736. Compôs a obra Brados do Bom Pastor às suas ovelhas, publicada em Lisboa em 1731 e que conheceu 2.ª edição em 1735.
Bibliografia:
Anónimo (1784), Notícia Corográfica e Cronológica do Bispado de Cabo Verde, edição e notas de António Carreira, Lisboa, Instituto Caboverdeano do Livro, 1985. ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 686-687. PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SOARES, Maria João, "A Igreja em tempo de mudança política, social e cultural", História Geral de Cabo Verde, vol. III, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INIPPC, 2002, pp. 375-389. TAVARES, Pedro Vilas Boas, "Hora e imagens da morte na pastoral missionária: os brados do bispo de Cabo Verde, D. Fr. José de Santa Maria de Jesus, 1731", Porto, Faculdade de Letras, sep. da Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, anexo VIII, 10997, pp. 237-255.
Nasceu em Évora em 1670; professou no convento de Xabregas, onde tomou o hábito franciscano em 1694. Estudou jurisprudência na Universidade de Coimbra mas seria no seminário do Varatojo que se notabilizaria como guardião. Foi apresentado à cúria em 1720 e confirmado consistório em 2 de Fevereiro de 1721, sendo sagrado no mesmo ano. Fazia parte do círculo cortesão de D. João V que o teria pressionado pessoalmente para aceitar o bispado, missão de que este religioso se pretendia escusar. Seria aliás o rei que mandaria enviar para o seu amigo uma série de ornamentos, paramentos e sinos para a sé catedral. Chegou à diocese em Dezembro do mesmo ano. Tendo-se correspondido com o cabido quando ainda se encontrava em Lisboa pediu licença para levar consigo 12 ordinandos a fim de prover às necessidades mais urgentes das ilhas, mas muito poucos conseguiu levantar consigo dado que não alcançou recursos financeiros para a sua passagem e mantimentos. O retrato que encontra é confrangedor: só já se encontrava no activo um mestre de ensino e não existiam meios regulares de navegação para conduzir os padres para as diversas ilhas, pelo que muitas estavam sem qualquer assistência espiritual. Os padres reinóis fugiam simplesmente para o reino sem licença do ordinário. Nem sequer já existia pregador, pelo que o bispo teve de assumir esta função. Num meio em que a elite local havia tomado de assalto os ofícios e jogava nas disputas entre governador e ouvidor como forma de cercear a intervenção régia, o bispo, menos manipulável porque investido numa dignidade vitalícia foi chamado a mediar um conflito de jurisdição entre o governador António Vieira e o ouvidor Manuel Carneiro Ramos, tendo ambos assinado no paço episcopal em 1722 um termo de amizade e composição. Dado que o bispo havia investido em vigário-geral um padre reinól sem qualquer formação judicial, sucedeu um sério conflito jurisdicional entre os foros cível e eclesiástico, tendo mesmo sido ordenada a prisão deste eclesiástico e a vinda ao reino. O bispo julgou conveniente para a acção pastoral partir pessoalmente em visitação pelas ilhas, vendo-se no entanto constrangido a embarcar em navios ingleses e sem garantia de regresso. Visitou o Fogo, Brava, Maio, Boa Vista, S. Nicolau e Santo Antão. Em Santiago a conflitualidade social e política crescia e muitas pessoas desprotegidas acolhiam-se à sombra do bispo, pelo que o bispo é acusado de fazer «couto de criminosos». Mesmo o governador Francisco Nóbrega de Vasconcelos teve de procurar residência junto do bispo, por se encontrar desamparado e sem apoio. Para tentar travar as alforrias e abandonos maciços de escravos, o bispo mandou publicar uma polémica carta pastoral em que determinava que toda a pessoa a quem fugissem escravos pagasse 12.000 por cada um ou os entregasse no juízo eclesiástico, quando os encontrasse, para serem açoitados publicamente pelas ruas por ordem do mesmo juízo, sobrepondo-se a matéria já legislada. O próprio cabido se encontrava levantado tendo feito «pasquins» à porta da sé e do paço episcopal, ameaçando declarar a sede vacante. O bispo não teve outro recurso senão retirar da Ribeira Grande para o seu termo, na residência da Trindade. Teve de fortificar esta propriedade e guarnecê-la com escravos armados e mesmo assim foi atacado por um clérigo revoltoso que o bispo havia suspendido do seu ofício. Quando se tentou por em prática a lei que impedia o uso de azagaias em Santiago, o bispo requereu que pudesse continuar na posse dessas armas proibidas. Na Trindade, o bispo tomou a seu cargo o ensino de vários ordinandos filhos da terra, os quais proveu depois nas paróquias, uma vez que os mestres de gramática e teologia moral já não diziam lições por falta de pagamento. O bispo restringiu-se a sua pastoral à ilha de Santiago, mas foi impedido de sair em visitação por várias vexes. Quando o conseguiu fazer, sentenciou vários dos homens principais em concubinagem, mancebia, incesto e roubo de escravos, mas nunca conseguiu executar tais sentenças e muito menos obter o auxílio do braço secular. D. Fr. Jesus de Santa Maria de Jesus enviou para o reino em 1731 um censo da população que lhe fora ordenado pelo rei, tendo no entanto demorado mais de cinco anos a compilar todas as informações que lhe chegaram das diversas ilhas. Nesse mesmo ano informou o reino de que pretendia visitar aos Rios de Guiné, afim de verificar em segredo de uma questão que o atormentava desde o início do seu episcopado, isto é, averiguar do «escrúpulo» e do «título» dos escravos aí adquiridos, considerando que esta não podia ser feita de forma tão indiferente como era praticada. Tal viagem com propósito inédito era vista como inconveniente pelo procurador da Coroa considerando que não se dever intrometer o bispo em matéria tão melindrosa. Em 1732 o bispo passou ao continente fronteiro tendo ficado cego em Farim. Na viagem de regresso para Santiago, a embarcação partiu o leme pelo que foi dar à Baía. Em 1735 o bispo regressaria a Lisboa, tendo recolhido ao convento de Xabregas onde viria a falecer em Junho de 1736. Compôs a obra Brados do Bom Pastor às suas ovelhas, publicada em Lisboa em 1731 e que conheceu 2.ª edição em 1735.
Bibliografia:
Anónimo (1784), Notícia Corográfica e Cronológica do Bispado de Cabo Verde, edição e notas de António Carreira, Lisboa, Instituto Caboverdeano do Livro, 1985. ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 686-687. PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SOARES, Maria João, "A Igreja em tempo de mudança política, social e cultural", História Geral de Cabo Verde, vol. III, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INIPPC, 2002, pp. 375-389. TAVARES, Pedro Vilas Boas, "Hora e imagens da morte na pastoral missionária: os brados do bispo de Cabo Verde, D. Fr. José de Santa Maria de Jesus, 1731", Porto, Faculdade de Letras, sep. da Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, anexo VIII, 10997, pp. 237-255.