Data de publicação
2009
Categorias
8.º bispo de Cabo Verde.
Nasceu em Guimarães entre 1570 e 1580 e era filho de António Afonso e de Maria Gomes, residentes na rua dos Mercadores, onde tinham uma modesta loja de linho, panos e fio. Depois da morte do pai, ainda menino, a família transferiu-se para Salamanca, onde entrou no colégio Menor de Madalena. Em 1599, já clérigo de ordens sacras, ingressou no colégio maior de S. Bartolomeu para frequentar a faculdade de cânones, onde se viria a doutorar, tendo fama de letrado ilustre. De regresso a Portugal, obteve de Filipe III a abadia de Vila Flor que conservou até ser apresentado para a diocese de Cabo Verde em 28 de Novembro de 1615, sendo confirmado pela Cúria em 24 de Fevereiro de 1616. Contudo, só mais de 6 anos depois embarcou para a diocese. D. Manuel Afonso atrasou sucessivamente a sua partida, fazendo sucessivos pedidos de acrescentamento financeiro e de ornamentos litúrgicos que foram satisfeitos com dificuldade e morosamente pelos exauridos cofres régios. Em Cabo Verde, o bispo é acusado de «estar a passear na corte»; no arquipélago aprofundava-se a crise económico-financeira. O cabido estava já reduzido a metade, pois haviam falecido quatro ou cinco cónegos e duas dignidades, além de que não existia nenhum pregador. Os cónegos presentes viam-se constrangidos a exercer serviço paroquial, por falta de quem apresentasse novos vigários e curas. O bispo enviou para governador do bispado um religioso franciscano chamado fr. Diogo, mas o rei mandou-o regressar ao reino. Teria sido Filipe III que se comprometeu pessoalmente na ida do bispo, quando veio a Lisboa em 1619, tendo D. Manuel pregado para o rei na igreja do mosteiro de Santos, por ocasião da festa de S. Tiago. Nesta ocasião proferiu sermão em castelhano que foi impresso nesse ano. Em Cabo Verde, uma das questões mais imediatas com que os eclesiásticos se debatiam era a acumulação de ordinárias em atraso e em 1613 o montante em divida ascendia a mais de 7 contos de réis por falta de pagamento dos contratadores do trato. Ainda em Lisboa, conseguiu obter sentença favorável à mitra como herdeira universal do vultuoso espólio de D. Fr. Pedro Brandão, quinze anos após a sua morte, o que lhe terá permitido angariar alguns milhares de cruzados para a mitra. Em 1619, Câmara e cabido informam sobre a situação crítica da igreja: não havia quem ordenasse novos padres e até o sacramento do baptismo se encontrava em risco por falta de óleos consagrados, enquanto os cónegos afirmam que a situação «( ) já por uezes nos quis obrigar a deixar a jgreja, e hirmonos ao campo sustentar com o mantimento da gente preta». Ainda antes de partir para a diocese foi agraciado com o alvará das Faculdades, sendo o primeiro do bispo de Cabo Verde a obter esta concessão. Chegado a Santiago, logo recaiu sobre este prelado a pesada responsabilidade do governo interino. Era a primeira vez que um bispo era chamado a assumir esta melindrosa posição, por morte do governador D. Francisco Rolim em 12 de Setembro de 1622, tendo designado no seu testamento como seu sucessor D. Manuel Afonso da Guerra. Este mandato foi pouco pacífico, tanto mais que a câmara se mostrou deveras contrafeita quanto a esta nomeação e, só depois de muitas negociações a decidiu acatar. O município acusa o bispo-governador de ser negociante e sugere que fosse deposto e o governo entregue à câmara ou que governassem intercaladamente por semanas. Para além da incompatibilidade com a câmara, D. Manuel Afonso da Guerra também ganhou a inimizade dos jesuítas, em virtude de lhes querer mover demanda judicial, a propósito de diversos incumprimentos de legados pios, entre as quais a do copioso legado do rico mercador Diogo Ximenes Vargas, bem como a herança que lhes foi deixada pelo seu antecessor D. Luís Pereira de Miranda. D. Manuel Afonso Guerra queixou-se para o reino acerca da questão dos elevados montantes em dívida das ordinárias a ele e todo o clero que já ascendiam a muitos milhares de cruzados. Em conclusão, D. Manuel Afonso da Guerra teve um curto e atribulado episcopado de pouco mais de dois anos em que avultaram a sua interferência na política civil insular e as suas práticas comerciais e financeiras. Muito pouco parece ter contribuído para a acção pastoral da diocese de Cabo Verde ou mesmo para resolver os tumultos que grassavam no interior do cabido. Faleceu a 8 de Março de 1624 ficando sepultado na igreja da Misericórdia, na sua qualidade de igreja catedral.
Bibliografia:
ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 685. MARQUES, Armando Jesus, "Inquirição à ascendência, pessoas e bens de um ilustre vimaranense - D. Manuel Afonso da Guerra, Bispo de Cabo Verde (1624)" in Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, Actas, vol. V, Guimarães, 1982, pp. 9-23. MARQUES, João Francisco, A Arquidiocese de Braga na Evangelização do Além-Mar, Braga, Comissão arquidiocesana de Braga das Comemorações dos 5 séculos de Evangelização e Encontro de Culturas; Faculdade de Teologia - Braga (Universidade Católica Portuguesa); Cabido da Sé Metropolitana e Primacial de Braga, pp. 330-333 PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SANTOS, Maria Emília Madeira; SOARES, Maria João, "Igreja, Missionação e Sociedade", História Geral de Cabo Verde, vol. II, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INCCV, 1995, pp. 404-408.
Nasceu em Guimarães entre 1570 e 1580 e era filho de António Afonso e de Maria Gomes, residentes na rua dos Mercadores, onde tinham uma modesta loja de linho, panos e fio. Depois da morte do pai, ainda menino, a família transferiu-se para Salamanca, onde entrou no colégio Menor de Madalena. Em 1599, já clérigo de ordens sacras, ingressou no colégio maior de S. Bartolomeu para frequentar a faculdade de cânones, onde se viria a doutorar, tendo fama de letrado ilustre. De regresso a Portugal, obteve de Filipe III a abadia de Vila Flor que conservou até ser apresentado para a diocese de Cabo Verde em 28 de Novembro de 1615, sendo confirmado pela Cúria em 24 de Fevereiro de 1616. Contudo, só mais de 6 anos depois embarcou para a diocese. D. Manuel Afonso atrasou sucessivamente a sua partida, fazendo sucessivos pedidos de acrescentamento financeiro e de ornamentos litúrgicos que foram satisfeitos com dificuldade e morosamente pelos exauridos cofres régios. Em Cabo Verde, o bispo é acusado de «estar a passear na corte»; no arquipélago aprofundava-se a crise económico-financeira. O cabido estava já reduzido a metade, pois haviam falecido quatro ou cinco cónegos e duas dignidades, além de que não existia nenhum pregador. Os cónegos presentes viam-se constrangidos a exercer serviço paroquial, por falta de quem apresentasse novos vigários e curas. O bispo enviou para governador do bispado um religioso franciscano chamado fr. Diogo, mas o rei mandou-o regressar ao reino. Teria sido Filipe III que se comprometeu pessoalmente na ida do bispo, quando veio a Lisboa em 1619, tendo D. Manuel pregado para o rei na igreja do mosteiro de Santos, por ocasião da festa de S. Tiago. Nesta ocasião proferiu sermão em castelhano que foi impresso nesse ano. Em Cabo Verde, uma das questões mais imediatas com que os eclesiásticos se debatiam era a acumulação de ordinárias em atraso e em 1613 o montante em divida ascendia a mais de 7 contos de réis por falta de pagamento dos contratadores do trato. Ainda em Lisboa, conseguiu obter sentença favorável à mitra como herdeira universal do vultuoso espólio de D. Fr. Pedro Brandão, quinze anos após a sua morte, o que lhe terá permitido angariar alguns milhares de cruzados para a mitra. Em 1619, Câmara e cabido informam sobre a situação crítica da igreja: não havia quem ordenasse novos padres e até o sacramento do baptismo se encontrava em risco por falta de óleos consagrados, enquanto os cónegos afirmam que a situação «( ) já por uezes nos quis obrigar a deixar a jgreja, e hirmonos ao campo sustentar com o mantimento da gente preta». Ainda antes de partir para a diocese foi agraciado com o alvará das Faculdades, sendo o primeiro do bispo de Cabo Verde a obter esta concessão. Chegado a Santiago, logo recaiu sobre este prelado a pesada responsabilidade do governo interino. Era a primeira vez que um bispo era chamado a assumir esta melindrosa posição, por morte do governador D. Francisco Rolim em 12 de Setembro de 1622, tendo designado no seu testamento como seu sucessor D. Manuel Afonso da Guerra. Este mandato foi pouco pacífico, tanto mais que a câmara se mostrou deveras contrafeita quanto a esta nomeação e, só depois de muitas negociações a decidiu acatar. O município acusa o bispo-governador de ser negociante e sugere que fosse deposto e o governo entregue à câmara ou que governassem intercaladamente por semanas. Para além da incompatibilidade com a câmara, D. Manuel Afonso da Guerra também ganhou a inimizade dos jesuítas, em virtude de lhes querer mover demanda judicial, a propósito de diversos incumprimentos de legados pios, entre as quais a do copioso legado do rico mercador Diogo Ximenes Vargas, bem como a herança que lhes foi deixada pelo seu antecessor D. Luís Pereira de Miranda. D. Manuel Afonso Guerra queixou-se para o reino acerca da questão dos elevados montantes em dívida das ordinárias a ele e todo o clero que já ascendiam a muitos milhares de cruzados. Em conclusão, D. Manuel Afonso da Guerra teve um curto e atribulado episcopado de pouco mais de dois anos em que avultaram a sua interferência na política civil insular e as suas práticas comerciais e financeiras. Muito pouco parece ter contribuído para a acção pastoral da diocese de Cabo Verde ou mesmo para resolver os tumultos que grassavam no interior do cabido. Faleceu a 8 de Março de 1624 ficando sepultado na igreja da Misericórdia, na sua qualidade de igreja catedral.
Bibliografia:
ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, nova ed.preparada e dirigida por Damião Peres, vol. II, Porto-Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 685. MARQUES, Armando Jesus, "Inquirição à ascendência, pessoas e bens de um ilustre vimaranense - D. Manuel Afonso da Guerra, Bispo de Cabo Verde (1624)" in Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, Actas, vol. V, Guimarães, 1982, pp. 9-23. MARQUES, João Francisco, A Arquidiocese de Braga na Evangelização do Além-Mar, Braga, Comissão arquidiocesana de Braga das Comemorações dos 5 séculos de Evangelização e Encontro de Culturas; Faculdade de Teologia - Braga (Universidade Católica Portuguesa); Cabido da Sé Metropolitana e Primacial de Braga, pp. 330-333 PAIVA, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império, 1495-1777, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006. REMA, Henrique Pinto, "Diocese de Cabo Verde", História Religiosa de Portugal, dir. de Carlos Azevedo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, vol. II, A-C, pp. 280-284. SANTOS, Maria Emília Madeira; SOARES, Maria João, "Igreja, Missionação e Sociedade", História Geral de Cabo Verde, vol. II, coord. de Maria Emília Madeira Santos, Lisboa-Praia, IICT-INCCV, 1995, pp. 404-408.