Data de publicação
2015
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Ao caraterizar-se a escravidão como a relação social em que certos seres humanos, os escravos, eram propriedade de outros, os seus donos, estar-se-á a considerar uma grande diversidade de condições concretas. Nem sempre, na verdade, os escravos executaram tarefas pesadas, sujas e perigosas, nem sempre o fizeram sem remuneração e durante toda a vida, nem essa condição se transmitiu em todos os casos hereditariamente. Do mesmo modo, nem sempre caiu na escravidão quem tinha caraterísticas físicas, religião ou nível de civilização considerados inferiores, embora isso tivesse sucedido na maior parte dos casos. As sociedades que utilizaram escravos costumam dividir-se em sociedades esclavagistas , aquelas em que o trabalho dos cativos teve um peso determinante na produção, os escravos constituíram a maioria da população, e as instituições político-militares se destinaram, em grande parte, ao controle e à substituição dos escravos; e em sociedades com escravos , aquelas em que, apesar de estes terem tido algum peso demográfico, económico e social, não foram essenciais, nem pelo volume nem pela função desempenhada, para a economia e para a constituição do aparelho jurídico-político, que eram assegurados por outros modelos de relação social, como a servidão da gleba e o trabalho assalariado.
Os territórios que, do século XV ao XIX, os Portugueses dominaram foram um bom exemplo dessa diversidade de condições e formas de exploração. Desde logo as Ilhas Atlânticas. Na Madeira os escravos eram uma reduzida minoria. Os batismos de cativos não ultrapassaram 2,3% do total de batismos no século XVI e 3,3% no XVII. Eram maioritariamente pretos e mulatos, no século XVI, com uma pequena percentagem de mouriscos norte-africanos e peninsulares e, daí em diante, só pretos e mulatos. Intervinham em tarefas domésticas, nomeadamente as mulheres, no comércio, e os homens nos transportes e indústria artesanal, bem como na pastorícia e na agricultura. Neste setor destacou-se, nos séculos XV e XVI, a cultura açucareira, desenvolvida em pequenas e médias propriedades familiares, a que os escravos também se dedicaram mas o contributo principal, além do dos proprietários, era de trabalhadores livres. Dos donos de canaviais, entre os séculos XV e XVII, só 15,5% possuía escravos. E o mesmo se passava nos Açores , não atingindo os escravos batizados na ilha de São Miguel os 2% do total de indivíduos levados à pia do batismo. Das atividades por eles desenvolvidas destacavam-se, além do cultivo de searas e da guarda de gado, os trabalhos domésticos e a navegação. Era frequente o seu aluguer pelos donos a outras pessoas, como escravos de ganho . Nos casos destes dois arquipélagos tratava-se de sociedades com escravos , em que estes tinham um papel complementar dos indivíduos sujeitos a outros regimes de trabalho, não constituindo o pilar fundamental da economia e da sociedade.
Diferente foi o que ocorreu em territórios como a ilha de São Tomé e o arquipélago de Cabo Verde. Na primeira foi instituída uma economia de plantação, dedicada à produção de açúcar em larga escala, destinado à exportação. Aí as roças aliavam ao cultivo da cana a sua transformação industrial, com recurso quase exclusivo a mão-de-obra escrava importada do golfo da Guiné, do Congo e de Angola. Diferentemente de outros contextos geográficos, os escravos asseguravam, além do esforço braçal, atividades que exigiam competências técnicas. Particularidade também de São Tomé, levada do continente africano, foi o costume de os escravos assegurarem, por si próprios, a respetiva subsistência e habitação, empregando para isso um dia por semana que os donos lhes dispensavam. Esse costume foi igualmente adotado em Cabo Verde , cuja economia, nos séculos XVI e XVII, assentava, além da criação de gado, na produção de açúcar, de algodão e, complementarmente, de milho, vinho e feijão. As duas primeiras produções tinham um caráter agroindustrial. Tal como o açúcar, elaborado até ao produto final, o algodão dava origem a tecidos, depois exportados. Havia escravos especializados, como mestres de açúcar e tecelões.
O domínio português em Angola foi motivado, primeiro, pela procura, frustrada, de minas de prata em Cambambe e, mais tarde, de uma via terrestre para o ouro de Monomotapa e de uma saída para a costa oriental africana. Iniciou-se pela fundação de Luanda, em 1576, donde irradiou, até à segunda metade do século XVII, a conquista do vasto território interior. Nos finais de Seiscentos iniciou-se a fixação e domínio luso em Benguela. O porto de Luanda e o território de Angola converteram-se, entre os séculos XVII e XIX, em centros de obtenção, concentração e exportação de escravos para as Índias de Castela e o Brasil, sendo os mesmos adquiridos sobretudo por compra, mas também através de tributos impostos aos chefes locais e pela guerra. Nessa medida, quer Luanda quer Benguela tiveram uma população maioritariamente escrava, constituída por cativos à espera de embarque para os mercados de destino e pelos que, nos seus arredores, cultivavam mantimentos a eles destinados, assim como à minoria branca ocupada no tráfico negreiro.
Pouco depois da descoberta do Brasil , em 1500, os colonos começaram a coagir a população autóctone a trabalhar no derrube e transporte do pau-brasil, tendência reforçada com o avanço da produção açucareira. Mas a vulnerabilidade dos índios às doenças provenientes da Europa e a proteção que começaram a ter da coroa portuguesa a partir de 1570, levaram à sua substituição gradual por escravos africanos, mais resistentes e preparados para a agricultura. Estes começaram a ser importados a partir de 1533, com destino às plantações de cana e engenhos de açúcar, sendo já maioritários nas capitanias do Nordeste no início do século XVII. No restante território, porém, a maior parte da mão-de-obra continuou a ser indígena até meados de Setecentos. Os cativos trabalharam também na produção de tabaco e mandioca, na criação de gado e na caça à baleia. Aqui vigorou também o regime de autossubsistência dos escravos, através da concessão pelos senhores de um dia por semana para produzirem por conta própria, que veio a ser designado por “costume do Brasil” . No século XVIII foi incrementada a extração do ouro, com recurso a esta mão-de-obra. Em cidades como a Baía, Olinda, Recife e Rio de Janeiro abundavam também os cativos nos serviços domésticos, no pequeno comércio, no artesanato e nos transportes.
Quer nos arquipélagos de São Tomé e de Cabo Verde, no território angolano dominado por Portugal, ou no Nordeste e outras regiões do Brasil criaram-se verdadeiras sociedades esclavagistas , por a população escrava ser maioritária e constituir o sustentáculo das principais atividades económicas, como a agricultura e a exploração mineira, razão de ser da própria ocupação e da presença de portugueses.
Pelo contrário, a escravidão no império oriental foi semelhante à que já existia antes do domínio luso. Complementar do trabalho por conta própria ou assalariado por conta de outrem, ocupava uma minoria da população, na tripulação de navios, no trabalho portuário, nos ofícios artesanais e no comércio. Exemplo dessa realidade foi Malaca . Originados sobretudo no tráfico com regiões como Samatra ou Java, mas também na escravidão por dívidas, que não era hereditária nem vitalícia, os escravos formavam apenas 2,5% a 5,5% da população. Os escravos da coroa foram empregues em obras públicas, na condução dos elefantes que trabalhavam no porto, na limpeza do rio, como remadores e como tripulantes de navios mercantis. Recebiam salário em dinheiro, além de ração alimentar. Os escravos privados participavam nos afazeres domésticos, no comércio, na indústria artesanal e na agricultura, ou eram alugados à coroa pelos seus donos.
Similar a esta foi a escravidão praticada em Goa . Aí o contingente escravo provinha do comércio com Moçambique, de onde os navios portugueses transportavam grande número de cativos, mas também dos territórios indianos vizinhos, inclusivamente pela venda de si próprios ou dos respetivos pais em ocasiões de crise alimentar. Além dos labores domésticos, eram usados na produção artesanal, no comércio ao ar livre e para carregar água das fontes. Era comum o aluguer dos cativos para todo o género de tarefas, sendo uma fonte importante de rendimento dos donos. Por isso, também as sociedades constituídas nos territórios orientais submetidos ao domínio luso, de que se apresentaram dois exemplos, se devem considerar como simples sociedades com escravos , devido à complementaridade do trabalho destes em relação aos restantes modelos laborais e por formarem uma minoria populacional.
Bibliografia: CALDEIRA, Arlindo Manuel (2013), “Aprender os trópicos: plantações e trabalho escravo na ilha de São Tomé”, Para a história da escravatura insular nos séculos XV a XIX, Ponta Delgada: CHAM/FCSH/UNL e UA, p. 25-54; MACHADO, Margarida Vaz do Rego (2013), “Escravos e libertos nos Açores”, Para a história da escravatura insular …, p. 81-95; MAURO, Frédéric (1991), O império luso-brasileiro. 1620-1750, Lisboa: Estampa; SANTOS, Maria Emília Madeira (Coord.) (1995), História geral de Cabo Verde, v. II, Lisboa /Praia: Instituto de Investigação Científica Tropical/Instituto Nacional da Cultura de Cabo Verde; THOMAZ, Luís Filipe F. R. (1994), “A escravatura em Malaca no século XVI”, Studia, nº. 53, Lisboa, p. 253-316; VIEIRA, Alberto (1991), Os escravos no arquipélago da Madeira (séculos XV a XVII) , Funchal: Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração.
Os territórios que, do século XV ao XIX, os Portugueses dominaram foram um bom exemplo dessa diversidade de condições e formas de exploração. Desde logo as Ilhas Atlânticas. Na Madeira os escravos eram uma reduzida minoria. Os batismos de cativos não ultrapassaram 2,3% do total de batismos no século XVI e 3,3% no XVII. Eram maioritariamente pretos e mulatos, no século XVI, com uma pequena percentagem de mouriscos norte-africanos e peninsulares e, daí em diante, só pretos e mulatos. Intervinham em tarefas domésticas, nomeadamente as mulheres, no comércio, e os homens nos transportes e indústria artesanal, bem como na pastorícia e na agricultura. Neste setor destacou-se, nos séculos XV e XVI, a cultura açucareira, desenvolvida em pequenas e médias propriedades familiares, a que os escravos também se dedicaram mas o contributo principal, além do dos proprietários, era de trabalhadores livres. Dos donos de canaviais, entre os séculos XV e XVII, só 15,5% possuía escravos. E o mesmo se passava nos Açores , não atingindo os escravos batizados na ilha de São Miguel os 2% do total de indivíduos levados à pia do batismo. Das atividades por eles desenvolvidas destacavam-se, além do cultivo de searas e da guarda de gado, os trabalhos domésticos e a navegação. Era frequente o seu aluguer pelos donos a outras pessoas, como escravos de ganho . Nos casos destes dois arquipélagos tratava-se de sociedades com escravos , em que estes tinham um papel complementar dos indivíduos sujeitos a outros regimes de trabalho, não constituindo o pilar fundamental da economia e da sociedade.
Diferente foi o que ocorreu em territórios como a ilha de São Tomé e o arquipélago de Cabo Verde. Na primeira foi instituída uma economia de plantação, dedicada à produção de açúcar em larga escala, destinado à exportação. Aí as roças aliavam ao cultivo da cana a sua transformação industrial, com recurso quase exclusivo a mão-de-obra escrava importada do golfo da Guiné, do Congo e de Angola. Diferentemente de outros contextos geográficos, os escravos asseguravam, além do esforço braçal, atividades que exigiam competências técnicas. Particularidade também de São Tomé, levada do continente africano, foi o costume de os escravos assegurarem, por si próprios, a respetiva subsistência e habitação, empregando para isso um dia por semana que os donos lhes dispensavam. Esse costume foi igualmente adotado em Cabo Verde , cuja economia, nos séculos XVI e XVII, assentava, além da criação de gado, na produção de açúcar, de algodão e, complementarmente, de milho, vinho e feijão. As duas primeiras produções tinham um caráter agroindustrial. Tal como o açúcar, elaborado até ao produto final, o algodão dava origem a tecidos, depois exportados. Havia escravos especializados, como mestres de açúcar e tecelões.
O domínio português em Angola foi motivado, primeiro, pela procura, frustrada, de minas de prata em Cambambe e, mais tarde, de uma via terrestre para o ouro de Monomotapa e de uma saída para a costa oriental africana. Iniciou-se pela fundação de Luanda, em 1576, donde irradiou, até à segunda metade do século XVII, a conquista do vasto território interior. Nos finais de Seiscentos iniciou-se a fixação e domínio luso em Benguela. O porto de Luanda e o território de Angola converteram-se, entre os séculos XVII e XIX, em centros de obtenção, concentração e exportação de escravos para as Índias de Castela e o Brasil, sendo os mesmos adquiridos sobretudo por compra, mas também através de tributos impostos aos chefes locais e pela guerra. Nessa medida, quer Luanda quer Benguela tiveram uma população maioritariamente escrava, constituída por cativos à espera de embarque para os mercados de destino e pelos que, nos seus arredores, cultivavam mantimentos a eles destinados, assim como à minoria branca ocupada no tráfico negreiro.
Pouco depois da descoberta do Brasil , em 1500, os colonos começaram a coagir a população autóctone a trabalhar no derrube e transporte do pau-brasil, tendência reforçada com o avanço da produção açucareira. Mas a vulnerabilidade dos índios às doenças provenientes da Europa e a proteção que começaram a ter da coroa portuguesa a partir de 1570, levaram à sua substituição gradual por escravos africanos, mais resistentes e preparados para a agricultura. Estes começaram a ser importados a partir de 1533, com destino às plantações de cana e engenhos de açúcar, sendo já maioritários nas capitanias do Nordeste no início do século XVII. No restante território, porém, a maior parte da mão-de-obra continuou a ser indígena até meados de Setecentos. Os cativos trabalharam também na produção de tabaco e mandioca, na criação de gado e na caça à baleia. Aqui vigorou também o regime de autossubsistência dos escravos, através da concessão pelos senhores de um dia por semana para produzirem por conta própria, que veio a ser designado por “costume do Brasil” . No século XVIII foi incrementada a extração do ouro, com recurso a esta mão-de-obra. Em cidades como a Baía, Olinda, Recife e Rio de Janeiro abundavam também os cativos nos serviços domésticos, no pequeno comércio, no artesanato e nos transportes.
Quer nos arquipélagos de São Tomé e de Cabo Verde, no território angolano dominado por Portugal, ou no Nordeste e outras regiões do Brasil criaram-se verdadeiras sociedades esclavagistas , por a população escrava ser maioritária e constituir o sustentáculo das principais atividades económicas, como a agricultura e a exploração mineira, razão de ser da própria ocupação e da presença de portugueses.
Pelo contrário, a escravidão no império oriental foi semelhante à que já existia antes do domínio luso. Complementar do trabalho por conta própria ou assalariado por conta de outrem, ocupava uma minoria da população, na tripulação de navios, no trabalho portuário, nos ofícios artesanais e no comércio. Exemplo dessa realidade foi Malaca . Originados sobretudo no tráfico com regiões como Samatra ou Java, mas também na escravidão por dívidas, que não era hereditária nem vitalícia, os escravos formavam apenas 2,5% a 5,5% da população. Os escravos da coroa foram empregues em obras públicas, na condução dos elefantes que trabalhavam no porto, na limpeza do rio, como remadores e como tripulantes de navios mercantis. Recebiam salário em dinheiro, além de ração alimentar. Os escravos privados participavam nos afazeres domésticos, no comércio, na indústria artesanal e na agricultura, ou eram alugados à coroa pelos seus donos.
Similar a esta foi a escravidão praticada em Goa . Aí o contingente escravo provinha do comércio com Moçambique, de onde os navios portugueses transportavam grande número de cativos, mas também dos territórios indianos vizinhos, inclusivamente pela venda de si próprios ou dos respetivos pais em ocasiões de crise alimentar. Além dos labores domésticos, eram usados na produção artesanal, no comércio ao ar livre e para carregar água das fontes. Era comum o aluguer dos cativos para todo o género de tarefas, sendo uma fonte importante de rendimento dos donos. Por isso, também as sociedades constituídas nos territórios orientais submetidos ao domínio luso, de que se apresentaram dois exemplos, se devem considerar como simples sociedades com escravos , devido à complementaridade do trabalho destes em relação aos restantes modelos laborais e por formarem uma minoria populacional.
Bibliografia: CALDEIRA, Arlindo Manuel (2013), “Aprender os trópicos: plantações e trabalho escravo na ilha de São Tomé”, Para a história da escravatura insular nos séculos XV a XIX, Ponta Delgada: CHAM/FCSH/UNL e UA, p. 25-54; MACHADO, Margarida Vaz do Rego (2013), “Escravos e libertos nos Açores”, Para a história da escravatura insular …, p. 81-95; MAURO, Frédéric (1991), O império luso-brasileiro. 1620-1750, Lisboa: Estampa; SANTOS, Maria Emília Madeira (Coord.) (1995), História geral de Cabo Verde, v. II, Lisboa /Praia: Instituto de Investigação Científica Tropical/Instituto Nacional da Cultura de Cabo Verde; THOMAZ, Luís Filipe F. R. (1994), “A escravatura em Malaca no século XVI”, Studia, nº. 53, Lisboa, p. 253-316; VIEIRA, Alberto (1991), Os escravos no arquipélago da Madeira (séculos XV a XVII) , Funchal: Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração.